Valor Econômico
Ao reformar sua estrutura tributária agora,
o Brasil pode atrair mais investimentos do que se o fizesse em outro momento
O Brasil nunca perde a oportunidade de
perder uma oportunidade, diz a frase atribuída ao falecido economista e
diplomata Roberto Campos. Mesmo que esse diagnóstico tenha se disseminado no
início deste terceiro mandato de Lula, há indícios de que o Brasil talvez não
desperdice por inteiro a janela de oportunidade que o país encontra no cenário
externo atual.
A visão mais pessimista é compreensível.
Lula assumiu diante de extrema boa vontade dos investidores estrangeiros. Mas o
presidente deu sinais de que poderia desperdiçar este bom humor, aumentando
gastos no início do mandato e criticando ferozmente a política monetária do
Banco Central.
Embora a equipe econômica tenha revertido boa parte desse mal-estar com a aprovação do arcabouço fiscal e o avanço da reforma tributária - ajudados pela melhora nos dados de inflação e crescimento - o setor privado ainda se mostra muito cético. Externamente, a China está desacelerando, enquanto os EUA podem manter os juros elevados por mais tempo. Internamente, há descrença sobre a capacidade do governo em zerar o déficit primário em 2024, e aumentar as receitas em mais de R$ 100 bilhões diante de um Congresso arredio a novos tributos será desafiador.
Ainda que pertinentes, essas preocupações
sobre a conjuntura talvez subestimem o quanto alguns fatores estruturais podem
ajudar o Brasil - e, ao mesmo tempo, como parte da agenda do atual governo (em
especial a reforma do IVA e o plano ambiental) pode ajudar o país a
aproveitá-la.
É importante reconhecer que o mundo passa
por uma intensa transformação geopolítica. A vitória de Joe Biden deixou claro
que o embate entre os EUA e a China tem raízes muito mais profundas que a
política tarifária imposta por Donald Trump. Os países se entendem como ameaças
mútuas, e buscam reduzir a interdependência entre suas economias. A crise na
Ucrânia exacerbou esse tensionamento.
Esses choques estão gerando uma lenta, mas
muito relevante, realocação de capitais. Multinacionais norte-americanas e
europeias estão reavaliando suas cadeias globais de suprimentos para reduzir a
dependência da China. Investimentos diretos externos naquele país, por exemplo,
caíram 5,6% entre janeiro e maio deste ano ante 2022, apesar do fim das
restrições da covid-19. Parte disso é resultado de uma economia que não está se
recuperando -, mas pesou também a busca das empresas por reduzir sua exposição
à China e investir em países mais amigáveis ou próximos (levando aos termos
“friend-shoring” ou “near-shoring”). O fluxo de investimentos financeiros
mostra dados semelhantes.
Subestima-se o ganho potencial de
simplificar o sistema tributário no momento da realocação de capitais globais
Paralelamente, as empresas chinesas têm
buscado reforçar laços com países do chamado Sul Global e reduzir sua
dependência dos EUA e da Europa. Não por acaso a China jogou tão pesado para
expandir o grupo dos Brics.
Logo, será cada vez mais importante examinar
como os países serão impactados por esse movimento - e para onde serão
realocados esses investimentos. Há vencedores óbvios, incluindo o México, pelo
acesso aos EUA por meio do USMCA. Embora fora do topo da lista, o Brasil também
pode ganhar em termos relativos. A preocupação alimentar e energética
impulsionada pela crise na Ucrânia e pelo tensionamento da China coloca o país
- grande produtor nessas áreas - em posição vantajosa. Não por acaso, o
interesse europeu pela ratificação do acordo com o Mercosul cresceu.
Duas investidas chamam a atenção na agenda
atual do governo, que podem elevar a competitividade do país por esses
investimentos: a reforma tributária (PEC 45) e a agenda ambiental, na qual o
governo Lula vai focar cada vez mais.
A primeira, que unifica impostos e cria um
IVA dual nacional, tem sido objeto de intenso debate. De um lado, economistas
apontam ganhos de produtividade associados à simplificação de uma legislação
arcaica e cheia de ineficiências. De outro, empresários reclamam que a longa
transição poderá aumentar a complexidade tributária, assim como a carga do
setor de serviços. Logo, os ganhos estarão concentrados no médio e longo
prazos, com custos no curto.
Mas esse debate subestima o ganho potencial
de simplificar o sistema tributário exatamente no momento de uma realocação de
capitais globais. Não é incomum que os conselhos de empresas multinacionais
discutam intensamente como reduzir riscos diante desses novos choques
políticos. Isso sugere que, ao reformar sua estrutura tributária agora, o
Brasil pode atrair mais investimentos do que se o fizesse em outro momento. A
sinalização futura pesa em momentos como este.
O mesmo pode ser dito sobre a pauta
ambiental, que deve ganhar corpo em breve. O governo está prestes a anunciar um
amplo plano de transição ecológica, cujo carro-chefe será a regulamentação do
mercado de carbono. A pauta será prioridade da política externa nacional nos
próximos dois anos. O governo não só planeja colocá-la como prioridade quando o
país sediar a reunião do G-20 (2024), mas também vislumbra um coroamento dessa
agenda ao sediar a COP30 em Belém (2025).
Já em vantagem competitiva por ter 56% de
sua matriz energética de fontes renováveis (em um mundo onde o setor privado
será cada vez mais pressionado a reduzir suas emissões), o Brasil ganhará
também com essa agenda ambiental, ao se tornar mais atrativo a investimentos
nessa realocação de capitais globais.
Evidentemente, há riscos adiante. A
trajetória de expansão de gastos do governo gera um dilema importante para a
política econômica, e a necessidade de buscar receitas para financiar essas
despesas pode minar a confiança do setor privado. E há sempre o risco de Lula
reagir mal a possíveis dificuldades econômicas e políticas. Mas essas
oportunidades vindas de fora podem ser um atenuante importante.
*Christopher Garman é diretor
executivo para as Américas do Eurasia Group.
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