O Globo
Precisamos não insistir em políticas que
geram má alocação de capital e desperdício de recursos públicos
O título deste artigo foi inspirado num
livro de John K. Galbraith, economista e autor prolífico que morreu em 2006,
aos 97 anos. A tese central de Galbraith — um liberal progressista e democrata
— pode ser assim resumida: as grandes certezas do pensamento econômico dos
séculos XIX e XX foram abaladas pela Grande Depressão (no caso do capitalismo)
e pelo insucesso do que se convencionou denominar de socialismo real.
Galbraith morreu antes do teste mais recente do capitalismo: a Grande Recessão, deflagrada ao final de 2008. Se vivo estivesse, veria esse episódio e a reemergência do populismo reivindicando a importância de o Estado atenuar ciclos e corrigir a desigualdade, teses que hoje vêm retornando com força ao debate. Nas economias desenvolvidas, discute-se como reverter a tendência ao baixo crescimento, a “estagnação secular”, num contexto de concentração de riqueza e oportunidades limitadas de educação e mobilidade. Para as economias emergentes, cunhou-se outra expressão: a “armadilha da renda média”, a dificuldade de países que superaram o subdesenvolvimento sustentarem o dinamismo. É possível enxergar similaridades: a transição demográfica dificulta o crescimento de ambos os grupos de países; a crise climática ameaça todos; e o populismo com traços autoritários deixou de ser monopólio dos países em desenvolvimento. Mas há também diferenças marcantes.
Aqui, os níveis de produtividade são ainda
muito baixos, por estarmos longe de explorar e extrair crescimento de novas e
não tão novas tecnologias, seja pela limitada integração à economia global,
seja por grandes deficiências em infraestrutura e capital humano. Será possível
superar a armadilha da renda média? Como chegar a mais crescimento com menor
desigualdade?
O caminho do crescimento com inclusão se
alicerça numa proposição simples: enquanto sociedade, precisamos aprender com
os erros do passado, e não insistir em políticas que geram má alocação de
capital e desperdício de recursos públicos. Pois estas não nos retirarão da
armadilha da renda média e, pior, levarão o país a um longo período de
estagnação. Para muitos, a renda encolherá, e as novas gerações terão menos
oportunidades de ascensão e níveis mais baixos de bem-estar.
Políticas públicas devem se alicerçar em
“evidências”, no que comprovadamente deu certo, no que foi capaz de impulsionar
os ganhos de produtividade com maior igualdade de oportunidades. Um ambiente
que induz a inovação e adoção de novas tecnologias com a efetiva abertura da
economia, a modernização da infraestrutura e um compromisso de educação de
qualidade para todos e maior cuidado do capital natural do país poderão, no
conjunto, ser a diferença entre estagnação e um PIB per capita que
cresceria em bases anuais próximo a 1,5%, centrado nos ganhos de produtividade.
Em 2050, o país estaria 50% mais rico. Escapar da armadilha da renda média
necessitaria de políticas que impulsionassem esses ganhos acima de 4% ao ano
(foram de apenas 0,8% ao ano nas últimas três décadas).
Mais além das propostas que temem escapar
do museu das ideias ruins, a maior dificuldade de avançar com essa agenda é de
natureza política: a captura das instituições pelos interesses particulares
entranhados no Estado, que resistem a sua modernização; e o poder dos
incumbentes de defender politicamente seus mercados. Reformar o Estado deveria
ser a prioridade maior, pois não há salvação fora do bom governo. Precisamos
ser mais bem governados, com mais transparência e integridade. Garantir menores
barreiras à entrada e maior dinamismo nos mercados e na economia. E romper o
ciclo da reprodução da pobreza, da desigualdade e da destruição do capital
natural.
É altamente provável que venhamos a
observar nos próximos anos um tensionamento crescente da sociedade. Demandas
não atendidas criam um campo fértil para demagogos populistas, espíritos
autoritários e propostas salvacionistas. É a essência da incerteza, mas não
necessita ser nosso destino. Talvez o primeiro passo seja encarar com
sobriedade o futuro e assumir a ética da responsabilidade com a nossa e com as
próximas gerações.
*Claúdio Frischtak é economista
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