Ação no STF pode resolver impasse dos
precatórios
O Globo
Sugestão da AGU embute riscos, mas tem o
mérito de tentar reconhecer um passivo hoje fora da contabilidade
Será ainda preciso examinar as minúcias da
iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) para levar ao Supremo Tribunal
Federal (STF)
a questão das dívidas da União reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de
recurso — os precatórios. Mas, ainda que traga riscos, a ideia tem potencial
para resolver um problema herdado do governo Jair
Bolsonaro que só tende a se agravar no futuro.
Até 2021, a União pagava os precatórios em dia, como manda a lei. Para ter mais dinheiro à disposição, Bolsonaro obteve do Congresso permissão para adiar os pagamentos. A desculpa era a necessidade de garantir recursos a seu programa de transferência de renda, então chamado Auxílio Brasil. Com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, ficou estabelecido um teto para os pagamentos. O montante acima do limite foi empurrado para os anos seguintes.
Bolsonaro pôde gastar mais no ano eleitoral,
mas deixou aos sucessores uma dívida que, com juros e correção, cresce
exponencialmente. Pelos cálculos do governo, se as regras atuais não forem
modificadas, o pagamento de precatórios em 2027 ficará próximo de R$ 200
bilhões. Nesse cenário, a parte do Orçamento não engessada ficará comprometida
pela necessidade de honrar as dívidas, com impacto negativo de 0,23% do PIB no
resultado primário.
Na ação impetrada no STF, a AGU sustenta que
as mudanças realizadas pelo governo Bolsonaro por meio da PEC dos Precatórios
são inconstitucionais. Se o Supremo acatar o pedido da AGU, o Tesouro Nacional
terá de pagar tudo o que deve até o final do ano que vem. Para fazer isso sem
provocar uma hecatombe nas contas
públicas, o governo propõe uma saída engenhosa. O principal da
dívida seria considerado gasto primário, entrando no cálculo do resultado
fiscal. Mas os encargos — juros e correção — seriam classificados como despesa
financeira, portanto não sujeita às metas fiscais. Os precatórios a partir de
2025 seguiriam a mesma divisão.
Ainda faltam detalhes sobre como o pagamento
seria feito e sobre seu impacto fiscal. Pelas estimativas do banco BTG Pactual,
o estoque de precatórios a pagar chegará a R$ 95 bilhões no ano que vem. Se o
principal dessa dívida for menor que o valor estipulado no teto de pagamento
estabelecido pela PEC dos Precatórios, o governo conseguiria liberar espaço
para mais gastos. Mas esse não é o cenário mais provável. Estimativas
preliminares avaliam o pagamento de precatórios em R$ 63 bilhões no ano que
vem, ante um teto de R$ 44,8 bilhões. Para os analistas, portanto, o impacto
fiscal seria positivo, pois haveria o reconhecimento de um passivo hoje fora da
contabilidade.
O principal risco da proposta está na manobra
sugerida pela AGU. É verdade que ela tem lastro na teoria contábil, pois juros
e correção são mesmo despesas financeiras. Mas abre um precedente ao
reclassificar os gastos para calcular o resultado fiscal. Diante das
dificuldades para cumprir as metas de estabilização da dívida pública, o
governo poderia entrar num jogo de faz de conta, mudando conceitos no papel
para maquiar a realidade. Seguir por esse caminho seria um erro. Se aceitar a
sugestão da AGU, o STF deveria se esforçar por impor limites à reclassificação
das despesas.
Acordos de não persecução com réus do 8 de
Janeiro são legítimos
O Globo
Aplicação de penas mais leves está prevista
em lei, mas não pode ser anistia ou alívio à carga do STF
Embora as imagens dos ataques de 8 de janeiro
sejam marcadas por cenas de multidões quase uniformes, nem todos os acusados
pelos atos antidemocráticos agiram da mesma forma. Não cometeram, portanto, os
mesmos crimes. Por isso faz bem a Procuradoria-Geral da República (PGR)
em propor Acordos de Não Persecução Penal a denunciados que não tenham
praticado violência. Isso significa que suas ações no Supremo Tribunal Federal
(STF)
poderão ser suspensas em troca do cumprimento de penas mais leves, como
prestação de serviços comunitários ou multas.
Os primeiros
dez acordos foram fechados na semana passada, com aval do
ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos no Supremo. Os beneficiados são
cidadãos que ficaram acampados em frente ao Quartel-General do Exército, em
Brasília, tendo sido denunciados por incitação aos atos golpistas. Ao todo,
1.125 acusados que não se envolveram em atos violentos poderão fazer acordo.
Segundo a PGR, 301 já se mostraram interessados.
Recentemente, o STF condenou os primeiros
três réus que participaram das invasões, a penas entre 14 e 17 anos. É certo
que os envolvidos nos atos golpistas precisam receber punição severa à altura
do crime, para que episódios de semelhantes de ameaça à democracia não se
repitam. Mas, num julgamento com mais de mil réus, as penas precisam ser
proporcionais à gravidade dos crimes.
A celebração de acordos está prevista em lei
para casos em que a pena é inferior a quatro anos de prisão. Não significa que
os denunciados ficarão impunes. Após confessarem seus crimes, terão de prestar
ao menos 300 horas de serviços à comunidade ou a entidades públicas, além de
pagar multas que variam de R$ 5 mil a R$ 20 mil, dependendo da condição
financeira. Precisarão ainda frequentar um curso sobre “Democracia, Estado de
Direito e golpe de Estado” e não poderão manter perfis abertos em redes
sociais. São punições justas e pedagógicas.
Um dos desafios da Justiça ao julgar os
vândalos e golpistas do 8 de Janeiro é saber identificar as diversas condutas
que, disfarçadas sob o manto de um patriotismo distorcido, resultaram na
tentativa de aplicar um golpe de Estado. Ir para a frente do QG do Exército
repudiar a vitória legítima de Luiz Inácio Lula da Silva, pedir a intervenção
das Forças Armadas e defender a permanência no poder do então presidente Jair
Bolsonaro são atitudes sem dúvida condenáveis. Mesmo assim, de gravidade menor
do que agir com violência para destruir as sedes dos três Poderes.
Os acordos propostos pela PGR desempenham papel importante por deixar as penas mais severas àqueles que comprovadamente financiaram, organizaram, tramaram, destruíram patrimônio ou simplesmente se omitiram com o intuito de promover o golpe. Mas esses acordos devem ser consequência da estrita aplicação da lei para crimes de menor gravidade, e não uma anistia descabida ou apenas uma forma de desafogar o STF, sobrecarregado com tantos casos. Isso seria frustrante.
Delações na berlinda
Folha de S. Paulo
Houve erros no uso do instrumento, importante
para investigar poderosos
Decerto são pouquíssimos os criminosos que já
ouviram falar na teoria dos jogos, mas todos eles intuem que têm algo a ganhar
numa negociação de delação premiada com as autoridades.
Não há motivo para o Estado deixar de usar
essa ferramenta matemática de combate ao crime. Isso é especialmente verdade no
contexto de esquemas mais sofisticados, em que indivíduos hierarquicamente mais
bem posicionados na organização delituosa quase nunca participam diretamente da
execução dos desmandos.
Nesses casos, restam à Justiça poucos meios
de investigação além da colaboração de ex-comparsas, que podem dar testemunhos
e indicar onde e como outras provas podem ser levantadas.
A experiência do Brasil com o instituto da
delação premiada ainda é muito breve. Embora estivesse prevista em legislações
mais antigas, a prática só ganhou impulso real a partir da Lei das Organizações
Criminosas (12.850, de 2013). Seria otimismo exagerado afirmar que ela vem
funcionando a contento.
No papel, sempre foi preciso mais do que o
testemunho de um colaborador para condenar alguém. Um dos princípios básicos do
direito penal reza que, quando tudo o que se tem é a palavra de um contra a do
outro, é o réu que se beneficia com a dúvida.
Entretanto, no afã de obter punições,
procuradores e magistrados nem sempre tomaram esse cuidado elementar de
instruir os processos de forma consistente.
Pior, parece razoável a suspeita de que, em
alguns casos dos últimos anos, foram prolongadas prisões cautelares com o
objetivo de forçar réus a negociar delações.
Mas o excesso de prisões preventivas, muitas
delas longas em demasia, já é uma marca da Justiça brasileira, o que torna
difícil avaliar a consistência dessa conjectura.
Magistrados não se saem muito melhor na
tarefa de corrigir abusos. As trocas de
mensagens entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, capturadas
por um hacker, mostraram que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não teve um juiz
imparcial como exige a lei —razão suficiente para que as condenações ao petista
fossem revertidas.
Após a mudança dos ventos políticos, porém, o
Judiciário criou tantos e tão variados caminhos para anulações que hoje há fila
para invalidar delações acertadas na apuração de desvios na Petrobras,
como noticiou a Folha.
Mesmo réus que, assistidos pelos melhores
advogados de defesa, confessaram crimes e devolveram dinheiro à estatal estão
agora querendo voltar atrás em seus acordos. Não é impossível que a empresa
tenha de restituir os montantes que conseguiu reaver —o que seria um vexame
internacional.
Abusos sindicais
Folha de S. Paulo
Comprova-se que é preciso garantir oposição a
cobrança autorizada pelo Supremo
Quando o Supremo Tribunal Federal formou
maioria para permitir a cobrança de contribuição assistencial para sindicatos,
esta Folha alertou para os riscos
potenciais oriundos de falhas ou ausência de modulação da medida. De
fato, bastou a conclusão do julgamento no último dia 11 para que sinais de
práticas abusivas viessem à tona.
A corte decidiu pela constitucionalidade da
taxa, desde que seja fixada em assembleia e que o direito de oposição seja
preservado —ou seja, que o trabalhador possa recusar o pagamento.
No entanto, poucos dias após a decisão,
noticiam-se casos de empregados e empregadores recebendo
cobranças e enfrentando obstáculos para conseguir isenção.
Num exemplo, o Seaac, sindicato do setor de
agentes autônomos de Sorocaba (SP), instituiu a cobrança de 12% ao ano sobre o
valor do salário ou o pagamento de uma taxa de R$ 150 para quem se opuser.
Trabalhadores relatam que foram avisados da exigência no dia 14 e que teriam
apenas até o dia 16 para registrarem oposição.
Apesar de o prazo ter sido estendido até o
dia 20, profissionais dizem que seus documentos digitalizados foram recusados,
que tiveram de esperar em longas filas e escrever cartas de próprio punho.
Já os sindicatos de domésticas da Grande São
Paulo, de Jundiaí e Sorocaba foram além e, dois dias após a decisão do Supremo,
passaram a enviar e-mails com cobranças referentes até 2018, inclusive com
ameaça de ida à Justiça. No da Grande São Paulo, o prazo para a recusa é de
somente dez dias.
Em boa hora, ao menos, a Força Sindical,
entidade que reúne 1.700 sindicatos e representa cerca de 12 milhões de
trabalhadores, divulgou nota na qual pede cautela
e afirma não parecer razoável instituir taxas retroativas.
Acerca do tema, o STF disse apenas que as
questões podem ser tratadas por recursos (embargos de declaração) apresentados
até cinco dias depois de publicado o acórdão, que deve ser produzido em até 60
dias após o fim do julgamento.
Há o risco, como atestam especialistas, de
insegurança jurídica e de uma enxurrada de processos na Justiça do Trabalho.
Urgem, como se vê, regulações para evitar
abusos, como fixar limites de valor a ser cobrado ou o quórum necessário na
assembleia para que a decisão seja válida. Mas, principalmente, é imperativo
facilitar o exercício do direito de oposição garantido ao trabalhador.
Proposta esquisita
O Estado de S. Paulo
Corrigir erros do passado não pode ser
ocasião para incorrer em novo equívoco. Ideia do governo Lula para dar fim ao
calote de Bolsonaro nos precatórios recende a maquiagem fiscal
O governo Lula recorreu ao Supremo Tribunal
Federal (STF) para derrubar o limite ao pagamento de precatórios estabelecido
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A solicitação está em uma petição da
Advocacia-Geral da União (AGU), apresentada no contexto de duas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade (Adin) protocoladas pelo PDT e pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB).
Na peça, o governo solicita ao STF que
reconheça a inconstitucionalidade das emendas constitucionais que impuseram um
teto anual aos precatórios e autorize a abertura de R$ 95 bilhões em créditos
extraordinários para quitar o estoque que ficou para trás. É o tipo de medida
perigosa que merece uma análise cautelosa, levando em conta a origem do
problema e a solução elaborada, bem como todas as suas implicações.
Tudo começou em 2021, quando o então ministro
da Economia Paulo Guedes comparou as dívidas da União já reconhecidas pela
Justiça a um “meteoro”. A estratégia não enganou ninguém. Era uma desculpa para
adotar medidas populistas que não cabiam no Orçamento nem no teto de gastos às
vésperas da campanha de Bolsonaro à reeleição.
Para dar ares de legalidade a esse calote
institucionalizado, o Executivo recorreu a uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que, por óbvio, jamais contou com o apoio deste jornal (ver
o editorial Calote e reeleição, de 24/9/2021).
Dito isso, ninguém haveria de criticar um
governo que desiste dessa burla para retomar o pagamento dos precatórios com
regularidade. Em tempos estranhos, pode parecer algo inovador ou
revolucionário, mas é bom lembrar que pagar dívidas em dia é uma obrigação de
todo e qualquer governo.
Mas o diabo, como todos sabem em Brasília,
mora nos detalhes. Sem espaço no Orçamento para quitar todos os valores
atrasados sem descumprir as metas fiscais, o Executivo sugeriu segregar as
parcelas que compõem os precatórios. O principal da dívida continuaria a ser
tratado como despesa primária, sujeito aos limites impostos pelo arcabouço fiscal
e contabilizado na apuração da meta. Juros e correção monetária, por sua vez,
passariam a ser classificados como despesa financeira – ou seja, aumentariam o
endividamento, mas não afetariam o gasto primário nem o alcance da meta.
Em primeiro lugar, tal plano comprometeria a
confiabilidade das estatísticas financeiras do País, oficialmente a cargo do
Banco Central (BC). A ideia distorce os conceitos mais básicos da contabilidade
pública e ignora as diretrizes do manual do Fundo Monetário Internacional (FMI),
para quem despesas judiciais devem ser computadas como gastos primários.
Mas a essas críticas o governo se antecipou.
Na petição, a AGU pede ao STF que empurre goela abaixo a nova classificação dos
precatórios também ao BC – tipo de iniciativa que daria orgulho aos pais da
contabilidade criativa que vigorou no governo Dilma Rousseff.
A correção de um erro do passado não pode ser
ocasião para incorrer em um novo equívoco. Dar o devido fim à novela dos
precatórios requer pagar os atrasados dentro das regras do arcabouço que o
próprio governo propôs. O mecanismo tem flexibilidade para esse tipo de demanda
extraordinária. O que o governo parece querer é desviar-se dos amargos gatilhos
que o dispositivo impõe quando a meta é rompida.
Cheira a oportunismo o enorme esforço de
comunicação que o governo fez para provar as boas intenções embutidas na
proposta de regularização do pagamento dos precatórios. O secretário do Tesouro
Nacional, Rodrigo Ceron, disse ao Estadão que o País está em “moratória”
perante investidores. Reconhecer esse fato, no entanto, não implica justificar
uma nova manobra para pagar os precatórios atrasados.
Reforçar a credibilidade do arcabouço passa
por contabilizar todos os gastos de forma transparente, e não por recorrer a
subterfúgios para alcançar um resultado primário sem valor de face. Para
eliminar o calote de Bolsonaro, o governo Lula parece ter optado pela maquiagem
fiscal. Essa conta pode até demorar a se materializar, mas também chegará,
erodindo a credibilidade das contas públicas, algo que se leva muito tempo para
construir e muito pouco para perder.
Um tremendo desrespeito
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que são insensíveis e machistas os
críticos de seu passeio em avião da FAB para ver seu time do coração, ministra
da Igualdade Racial desmoraliza as causas que deveria defender
É lamentável constatar que faltam à ministra
da Igualdade Racial, Anielle Franco, três atributos que deveriam orientar seu
comportamento como servidora pública: bom senso, responsabilidade e humildade.
No domingo passado, a ministra foi ao estádio do Morumbi assistir ao jogo entre
São Paulo e Flamengo, que valia o título da Copa do Brasil. O objetivo oficial
da viagem era assinar um protocolo de ações entre o governo federal e a
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para combater o racismo no esporte.
Depois de tão penosa missão, e como afinal ninguém é de ferro, a ministra,
flamenguista declarada, aproveitou para torcer confortavelmente para seu time
do coração a expensas dos contribuintes.
A despeito da razão pública que a trouxe até
São Paulo, a ministra Anielle Franco demonstrou não ter o mínimo bom senso ao
requisitar um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar entre
Brasília e a capital paulista. Seu colega do Ministério dos Direitos Humanos,
Silvio Almeida, foi mais sensato e optou por um voo comercial, muito menos custoso,
para comparecer ao mesmo evento. Já o ministro dos Esportes, André Fufuca,
outro que esteve no estádio em virtude da agenda oficial, só viajou em avião da
FAB porque seu voo comercial atrasou e não havia outros partindo de São Luís
com chegada a tempo da assinatura do protocolo com a CBF em São Paulo –
informação confirmada por este jornal.
À falta de bom senso se somou a
irresponsabilidade quando a sra. Anielle Franco achou que era o caso de agir
como torcedora, não como membro do primeiro escalão do governo federal em
viagem de trabalho. Diante do mau exemplo dado pela chefe, duas assessoras da
ministra – Marcelle Decothé e Luna Costa, respectivamente chefe da Assessoria
Especial de Assuntos Estratégicos da pasta e assessora especial de comunicação estratégica
– se sentiram autorizadas a também rasgar o figurino de servidoras públicas e
se comportar como esses brucutus das torcidas organizadas, inclusive fazendo
gestos obscenos para a torcida adversária.
Em uma rede social, a sra. Marcelle Decothé
chegou a publicar um vídeo no qual agride gratuitamente a torcida do São Paulo
– “branca, que não canta, descendente de europeu safade (sic)”. Na novilíngua
da militância identitária, ainda escreveu o que parecia ser uma ofensa contra
todos os paulistas. Diante dessa atitude indefensável, a exoneração, ocorrida
no final da tarde de ontem, era a medida justa e necessária. Ganha o serviço
público.
Servidor público não é vestal. O erro é
normal, sobretudo quando cometido por neófitos na administração pública federal,
como é o caso da sra. Anielle Franco. Mas aqui a falta de humildade da ministra
falou mais alto. Em vez de reconhecer seus erros e pedir desculpas à sociedade,
a ministra optou pelo caminho mais fácil – e errado – para rebater as justas
críticas que recebeu: jogou na mesa a carta da mulher que abre mão de tudo,
inclusive da família, para trabalhar pela “causa” em pleno domingo. É muita
desfaçatez.
Numa demonstração de absoluto despreparo para
lidar com o escrutínio público, a ministra se aborreceu por ser “questionada”
enquanto fazia “seu trabalho de combater o racismo”. A sra. Anielle Franco
ainda teve a audácia de recorrer à maternidade, um ponto sagrado para a
sociedade brasileira, para justificar seu erro. “Precisei abrir mão de estar
com a minha família e minhas duas filhas em um domingo para ir trabalhar. Quem
tem filhas pequenas consegue entender o peso disso”, escreveu a ministra, como
se fosse a mãe mais atarefada do País naquele domingo.
Se a ministra Anielle Franco não está
preparada para que sua agenda pública seja escrutinada pelos cidadãos, deve
colocar o cargo à disposição do presidente Lula da Silva. Em segundo lugar, se
a ministra é tão ciosa da missão de combater o racismo, a misoginia e a
violência de gênero, de resto uma pauta incontornável para qualquer país
civilizado, não deveria desmoralizá-la, servindo-se dela como espécie de manto
moral para encobrir seus deslizes.
Cautela, serenidade e moderação
O Estado de S. Paulo
Comitê de Política Monetária descreve de
forma transparente por que mantém os juros em queda suave
Rica em detalhes sobre as condicionantes que
levaram à queda de 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros, que passou
para 12,75% ao ano, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) também deixou
explícitas as divergências dos diretores do Banco Central (BC) no debate sobre
o comportamento da economia e da inflação. Mas não abriu espaço para dúvidas: o
ritmo do afrouxamento dos juros permanecerá o mesmo nas próximas reuniões –
duas ainda neste ano. Nem mais nem menos. Ao menos pelo retrato desenhado até
aqui.
Talvez mais importante do que os sinais
expostos na ata, que enfatizaram a necessidade de manter ainda por período
indeterminado a “cautela, serenidade e moderação” na definição da Selic, seja
destacar o nível de transparência que a autoridade monetária passou a adotar
para comunicar suas decisões. De forma clara, sem dubiedades ou informações
cifradas, torna previsíveis seus próximos passos. A não ser, é óbvio, que um
tsunami econômico externo ou doméstico mude completamente as avaliações.
Pelo documento é possível concluir que ainda
não há um consenso no comitê sobre o motivo preponderante para a boa e
surpreendente evolução do Produto Interno Bruto nos últimos trimestres. Seriam
os efeitos nos demais setores da “pujança do setor agropecuário”? A própria ata
conclui que esse fator não justifica toda a magnitude da surpresa. E segue
relacionando possibilidades que entraram em discussão.
O aumento da renda – por diferentes fatores,
inclusive programas públicos de transferência – impulsionando o consumo foi o
tema mais relevante do debate, como se depreende do comunicado. O que confirma,
ao fim das contas, que um desempenho econômico apoiado no consumo não pode ser
chancelado como sustentável a ponto de garantir uma política monetária mais
branda.
Mesmo considerando que ainda há fatores
imprevisíveis fora da alçada interna, como a duração e intensidade do fenômeno
El Niño e os efeitos da escalada de preço do petróleo sobre a inflação mundial,
o Copom se mantém unido no “firme compromisso” de reaproximar expectativas
econômicas e inflação.
E, ao mesmo tempo que os efeitos benéficos do
avanço com a aprovação de reformas foram apontados entre as causas do
desempenho econômico satisfatório, em outro trecho da ata o Copom acusa o
esmorecimento do esforço por reformas estruturais pelo “efeito deletério” que
reflete na “potência” da política monetária.
Recado mais claro sobre os prejuízos de uma
atuação política claudicante, como a que vem marcando a aproximação do governo
com o Congresso, impossível. Diante de argumentos como esse, caem no vazio as
frequentes críticas do Planalto ao atual patamar de juros. À questão do
arrefecimento das reformas, o BC juntou o aumento do crédito direcionado e as
incertezas sobre a dívida pública.
Aliás, se antes a atenção da autoridade
monetária estava voltada ao desenho final do arcabouço fiscal, depois da
aprovação do projeto as dúvidas se concentram na execução da meta fiscal, que
prevê zerar o déficit em 2024. Ceticismo que, pode-se afirmar sem medo de
errar, é geral.
Brasil vende mais, mas sem atrair produção
que deixa China
Valor Econômico
País cai no ranking dos maiores exportadores
para os Estados Unidos
Ainda faltam mais de três meses para 2023
terminar e a balança comercial já ultrapassou o superávit obtido em todo o ano
passado. O resultado positivo acumulado de janeiro a agosto ficou em US$ 62,4
bilhões, acima dos US$ 61,8 bilhões do saldo de 2022. Esses números estimulam
previsões otimistas de que o ano vai fechar com superávit de US$ 70 bilhões até
US$ 95 bilhões para os mais otimistas. O desempenho é excelente considerando-se
que o mundo passa por um momento particularmente conturbado no comércio
internacional, com a desaceleração das transações, o acirramento da disputa
entre os EUA e a China e a continuidade do conflito no Leste Europeu, que colocam
em xeque a globalização.
O aumento do volume exportado e a diminuição
do importado são os principais motivos para o resultado positivo da balança
comercial brasileira, segundo o boletim do Indicador de Comércio Exterior
(Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma vez que os preços estão em queda
nos dois casos. As commodities compõem cerca de 70% das exportações, lista
liderada por soja em grão, petróleo bruto, minério de ferro, milho e açúcar
bruto. No caso das importações, a relação é encabeçada por adubos e
fertilizantes, óleos combustíveis, produtos da indústria de transformação,
medicamentos, válvulas e equipamentos de telecomunicações.
Um destaque deste ano é a balança comercial
de petróleo e derivados, que teve superávit recorde para o período, de US$ 13,8
bilhões, 33,3% maior do que os US$ 10,35 bilhões dos oito primeiros meses do
ano passado. Os volumes exportados de petróleo e derivados cresceram 25,4% em
comparação com o mesmo período de 2022, enquanto os preços caíram 25%. Já as
importações mostraram queda nas quantidades (6,6%) e nos preços (18,1%).
Desde 2016, o Brasil registra saldo positivo
no comércio internacional de petróleo e derivados, e a tendência é de que siga
com participação expressiva até o fim da década, apesar do movimento global de
substituição dos combustíveis fósseis por alternativas renováveis, por conta
das pressões ambientais. As vendas deverão ser impulsionadas pelos volumes, num
cenário de aumento da produção até o fim da década.
O petróleo bruto é o segundo produto mais
exportado pelo Brasil, respondendo por 11% das vendas entre janeiro e agosto,
atrás da soja, com 19%. Do outro lado, o Brasil importa mais derivados, segundo
item na pauta. No caso do óleo diesel, por exemplo, o país produz o equivalente
a cerca de 75% da demanda interna.
De acordo com as estatísticas brasileiras, a
China se mantém como principal mercado externo, com 30,2% das exportações,
seguida pelos EUA, com 10,5%, e a Argentina, com 5,6%. O superávit com a China
explicou 53% do saldo positivo da balança comercial. Em valor, as exportações
cresceram para a China (8,0%) e a Argentina (19,7%).
As recentes dificuldades da economia chinesa,
especialmente a crise no setor imobiliário, colocam em dúvida os resultados futuros
da balança comercial brasileira. A perspectiva de que o PIB brasileiro ficará
acima do esperado pode aumentar as importações. No entanto, apoiam as previsões
mais otimistas para o superávit comercial a disposição de Pequim de conceder os
estímulos necessários para apoiar sua economia; e a tendência de alta do dólar,
que favorece as exportações.
Dados da Secex mostram que, de janeiro a
agosto, as importações somaram US$ 162,1 bilhões, valor 10,4% abaixo de iguais
meses de 2022. A queda resultou de recuo de 8,1% nos preços, embora o volume
das compras externas tenha ficado praticamente estável, com queda de 0,3%. Já
do lado das exportações, houve ajuste de preços de igual magnitude, ou seja,
queda de 8,1% nos oito meses, com aumento de 10,4% do volume, graças à safra
agrícola excepcional e embarques de minério de ferro, resultando em receita
praticamente estável, com aumento de 0,3%.
Os bons resultados da balança comercial
surpreendem em momento em que a globalização está sendo posta em dúvida pela
disputa entre os EUA e a China e pelo conflito no Leste Europeu. Mas não
indicam tendência para se beneficiar da remodelação das cadeias produtivas em
curso, em que Europa e principalmente os EUA estão mudando suas fontes de
abastecimento para países vizinhos ou amigos para reduzir a dependência da
China. O México tomou o lugar dos chineses e agora é o maior fornecedor externo
dos EUA, com US$ 274,95 bilhões exportados de janeiro a julho deste ano. O
Canadá vem em segundo, com US$ 243,7 bilhões. A China, líder até o ano passado,
caiu para terceiro posto, com US$ 239 bilhões.
Tiraram proveito desse deslocamento da China outros países da América Latina, como Colômbia e Costa Rica, mas não o Brasil, prejudicado pela baixa produtividade da indústria, por falta de acordos comerciais e pela dificuldade de se integrar nas cadeias globais. Segundo dados do governo americano, de janeiro a julho o Brasil exportou US$ 21,47 bilhões aos EUA, pouco menos do que no mesmo período de 2022. O Brasil caiu da 17ª para a 18ª posição entre os maiores fornecedores americanos neste ano, superado por Cingapura.
A história ainda lhe fará justiça!
Correio Braziliense
Embora ator político, o PGR não pode e não
deve tomar partido, apenas cumprir suas altas missões constitucionais com
desvelo, altivez e sobriedade, conduzindo a gestão do Ministério Público de
forma temperada, austera e responsável
O cargo de procurador-geral da República é,
sem dúvida, um dos mais complexos e áridos, a exigir do pretendente muito mais
do que atributos intelectuais e vasta cultura jurídica. Cada vez se torna
essencial que a chefia do Ministério Público da União seja destinada a um
membro que ostente também elevado grau de ponderação, equilíbrio e visão de
futuro. Embora ator político, o PGR não pode e não deve tomar partido, apenas
cumprir suas altas missões constitucionais com desvelo, altivez e sobriedade,
conduzindo a gestão do Ministério Público de forma temperada, austera e
responsável.
Sob tal ótica e na condição de atual
procurador-geral do Ministério Público Militar — ramo decano do MPU —, não
poderia deixar de registrar as boas impressões que resultaram do convívio com
Antônio Augusto Brandão de Aras, procurador-geral da República que recém
concluiu o segundo mandato à frente do Ministério Público da União.
Assim é que, para além de sua privilegiada
formação acadêmica, com contributos efetivos à ciência jurídica e com mais de
três décadas de magistério superior, o Dr. Aras demonstrou muita sabedoria,
sensatez e coerência em sua passagem pela PGR, lidando com questões de
altíssima relevância para os destinos do país, mas sempre procedendo com discernimento
e senso de direção, como se colhe de sua iniciativa de criar um Gabinete
Integrado de Acompanhamento da Epidemia do Coronavírus-19, com membros de todo
o Brasil, que ensejaram medidas extrajudiciais e judiciais, com resultados
efetivos que podem ser vislumbrados na obra Ações que Salvam, publicada
conjuntamente pelo MPF e CNMP.
Do mesmo modo, há que se fazer referência ao
exaustivo trabalho desenvolvido nestes quatro anos nas várias frentes de
atuação da Procuradoria-Geral da República, notadamente perante o STF, em
pareceres e sustentações afetos à tutela dos direitos e garantias fundamentais,
ao controle de constitucionalidade, ao processo constitucional etc., em que se
posicionou de forma segura, independente e proativa, conforme se colhe do Ementário
Jurídico do Gabinete do PGR 2019-2023, certamente um rico repositório à
disposição da sociedade.
Na relação estabelecida com os ramos do MPU,
o PGR Aras pautou-se pela plena atenção ao princípio da unicidade, ofertando
tratamento paritário e sendo uma liderança que conferiu espaço e voz aos demais
procuradores-gerais, numa gestão eficiente e visionária do MPU, que permitiu
inclusive a quebra de disparidades regionais na (re) distribuição de membros
pelo território nacional, especialmente na Amazônia, com a alocação de cargos e
unidades do MPF, MPM e MPT, além de aquisição de meios (barcos, aeronaves e
ferramentas tecnológicas), que garantirão um combate mais eficaz e abrangente
contra a criminalidade ambiental e transfronteiriça na região norte do país.
No trato com os demais poderes, de igual
maneira, foi sempre dialógico e jamais reacionário, cumprindo uma intensa
agenda com todos os mais diversos segmentos, numa invulgar lição de espírito
público, sempre atento e compromissado com os valores republicanos e com a
defesa da democracia, jamais demonizando a política, mas respeitando seus
atores no contínuo processo de construção do bem comum. A recente fala do
Ministro Toffoli em cerimônia no CNMP ocorrida em 25/09 prova isso.
É certo que cada um, em sua trajetória
evolutiva, tanto no contexto profissional ou humanístico, escreve suas páginas
e inevitavelmente será julgado por isso. No julgamento humano nem sempre há
reconhecimento aos esforços empreendidos e aos óbices transpostos. Contudo, no
altar de nossas consciências, a paz deve ser a nossa maior recompensa quando
procuramos servir e servir bem nas atribuições que assumimos. Não tenho dúvidas
de que o PGR Aras fez muito pelo Brasil, pode se sentir reconfortado pela paz e
o senso do dever cumprido. A História ainda lhe fará justiça!
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