Folha de S. Paulo
Homenagem ao silêncio diante de ameaça
golpista mostra que blindagem pode ser duradoura
Quando sentiu o cheiro da vitória de Jair
Bolsonaro em 2018, Dias Toffoli piscou
para a turma do capitão. Em setembro, o então presidente do STF nomeou
como assessor um general
com trânsito privilegiado na cúpula do Exército. Às vésperas do
primeiro turno, o ministro chamou de "movimento
de 1964" o golpe que instalou uma ditadura no país.
A ideia de Toffoli, segundo auxiliares, era se posicionar como um amortecedor. O ministro considerava que Bolsonaro e os militares representavam um risco de choques institucionais. Nesse cenário, seria prudente apresentar o Supremo como parceiro, não como inimigo.
A docilidade se tornou uma opção de longo
prazo e evoluiu para a omissão demonstrada diante das investidas de Bolsonaro.
Envolveu, ao que tudo indica, uma aliança de ministros com o órgão que deveria
fiscalizar e reagir àquele perigo.
Toffoli prestou homenagem a essa política de
acomodação ao despedir-se de Augusto Aras como
procurador-geral da República. "Poucas pessoas sabem, mas estivemos bem
próximos da ruptura", relatou. Segundo o ministro, não fosse a força do
silêncio do chefe da PGR,
"talvez nós não estivéssemos aqui".
Resumir a gestão de Aras à "força de seu
silêncio" carrega ao mesmo tempo uma exatidão elegante e uma zombaria
ofensiva. O procurador-geral se notabilizou pelo acobertamento da dilapidação
liderada por Bolsonaro na gestão da pandemia e pelo caminho
livre que deixou para a proliferação do golpismo.
A atual defesa de Aras dá conta de que ele
evitou um desfecho trágico ao deixar de denunciar personagens que nos deixaram
"próximos da ruptura". Se uma ameaça faz o procurador-geral ficar em
silêncio e garante proteção àqueles que armavam um golpe, é sinal de que a
ameaça cumpriu ao menos alguns objetivos.
Aras ensaiou uma autocongratulação e disse
que não revelaria detalhes daquele caso: "São coisas contadas mais à
frente da história". Mesmo fora do cargo, o procurador indicou que deve
manter a blindagem.
Um comentário:
Pois é.
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