quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Zeina Latif - Falta um GPS na política externa

O Globo

Não há dúvidas de que é preciso um plano que estabeleça prioridades e permita que política e economia se reforcem mutuamente

O presidente Lula busca um maior protagonismo do país na cena mundial. Não está claro, porém, o alcance de seus planos. Apesar da popularidade do presidente, o Brasil não tem envergadura econômica suficiente para conduzir transformações na governança global, diluindo a influência das nações ricas. O líder natural do chamado Sul Global seria a China.

Nem sequer a liderança na América Latina está garantida, em meio aos muitos questionamentos de países da região às visões de Lula — a vitória de Javier Milei na Argentina poderá afastar ainda mais a aspiração brasileira.

Com essas limitações típicas de um país muito fechado ao comércio e que cresce pouco, três outros fatores parecem moldar as ações do presidente: o projeto pessoal, que inclui a defesa de sua biografia, a ideologia antiamericana do PT e a diplomacia econômica.

A julgar pelas falas de Lula — no improviso, agrada a militância, e no discurso programado, o Itamaraty busca aparar arestas —, não há uma estratégia estruturada de governo na agenda internacional, talvez por conta das divergências internas — vide a questão da exploração do petróleo na Margem Equatorial.

Na economia, o escopo é limitado. Prevalecem as demandas da agropecuária, setor com maior inserção internacional e melhor performance. Naturalmente, as relações com China e Rússia ganham destaque. Não só pelo peso comercial, mas pelo fato de serem países com maior ingerência do Estado na economia, o que eleva o risco de fissuras políticas ameaçarem o comércio com o Brasil.

A China é o principal destino de nossas exportações, recebendo 30,2% do total (jan-ago), sendo que para a agropecuária a cifra é significativamente maior, com os embarques para aquele país representando 54,3% do total exportado pelo setor; na indústria extrativa, a cifra é igualmente robusta, de 51,5%.

Já a Rússia é o maior fornecedor de fertilizantes e insumos agrícolas, sendo que cerca de 90% do nosso consumo desses produtos são supridos por importações. A Rússia fornece 25,7% da importação total. Somando Belarus, seu aliado, a cifra sobe para 28,4%.

Vale ainda citar o expressivo crescimento da importação de óleo diesel da Rússia. Em 2022, ela era insignificante, equivalente a 0,7% do total importado do produto, mas saltou para 35,6% este ano. Enquanto isso, caiu a participação dos EUA, agora em 31% do total, ante 82% em 2020.

A diplomacia econômica, porém, parece presa a temas de curto prazo. Será crucial ampliar seu escopo, especialmente no atual contexto mundial, marcado pela maior tensão geopolítica, enfraquecimento do multilateralismo e ascensão da agenda ambiental.

O contexto político tem desdobramentos na dinâmica dos mercados, faz surgir novos atores e, assim, molda a diplomacia econômica dos países. Basta examinar sua mudança nos diferentes contextos globais, como na Guerra Fria do pós-guerra e, a partir do final dos anos 1970, no seu enfraquecimento, dando lugar à globalização.

O cenário mundial mostra-se mais arriscado e incerto, o que tem levado os países a adotar posturas defensivas, com o objetivo de mitigar riscos. Assim como no mundo das finanças, em que o risco mais elevado recomenda a diversificação de investimentos, o maior risco externo leva à busca para diversificar parceiros comerciais.

Os fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) no mundo dão algumas dicas. Desde o recrudescimento das relações EUA-China, o IED global encolheu como proporção do PIB mundial. Entre 2021-22, ficou abaixo de 2% do PIB, ante cerca de 3,5% na década passada. Enquanto isso, a China perdeu market share em setores estratégicos, segundo o FMI.

O apelo para a diversificação de parceiros para mitigar riscos externos vale também para o Brasil, o que também traz ganhos pela abertura comercial. Nesse contexto, o acordo Mercosul-União Europeia ganha ainda mais importância. E as parcerias com o Ocidente para viabilizar a agenda ambiental são essenciais, lembrando que o maior fluxo de IED vem dos EUA (25% em 2022), enquanto a China é pouco relevante.

Conciliar as tensões internas e externas, ou mesmo dentro do governo, ou entre o governo e demais atores, não é tarefa fácil. Mas não há dúvidas quanto à necessidade de um plano estruturado que, com transparência, permita ordenar prioridades e que a política e economia se reforcem mutuamente.

 

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