O Globo
Não há dúvidas de que é preciso um plano que
estabeleça prioridades e permita que política e economia se reforcem mutuamente
O presidente Lula busca um maior protagonismo
do país na cena mundial. Não está claro, porém, o alcance de seus planos.
Apesar da popularidade do presidente, o Brasil não tem envergadura econômica
suficiente para conduzir transformações na governança global, diluindo a
influência das nações ricas. O líder natural do chamado Sul Global seria a
China.
Nem sequer a liderança na América Latina está
garantida, em meio aos muitos questionamentos de países da região às visões de
Lula — a vitória de Javier Milei na Argentina poderá afastar ainda mais a
aspiração brasileira.
Com essas limitações típicas de um país muito fechado ao comércio e que cresce pouco, três outros fatores parecem moldar as ações do presidente: o projeto pessoal, que inclui a defesa de sua biografia, a ideologia antiamericana do PT e a diplomacia econômica.
A julgar pelas falas de Lula — no improviso,
agrada a militância, e no discurso programado, o Itamaraty busca aparar arestas
—, não há uma estratégia estruturada de governo na agenda internacional, talvez
por conta das divergências internas — vide a questão da exploração do petróleo
na Margem Equatorial.
Na economia, o escopo é limitado. Prevalecem
as demandas da agropecuária, setor com maior inserção internacional e melhor
performance. Naturalmente, as relações com China e Rússia ganham destaque. Não
só pelo peso comercial, mas pelo fato de serem países com maior ingerência do
Estado na economia, o que eleva o risco de fissuras políticas ameaçarem o
comércio com o Brasil.
A China é o principal destino de nossas
exportações, recebendo 30,2% do total (jan-ago), sendo que para a agropecuária
a cifra é significativamente maior, com os embarques para aquele país
representando 54,3% do total exportado pelo setor; na indústria extrativa, a
cifra é igualmente robusta, de 51,5%.
Já a Rússia é o maior fornecedor de
fertilizantes e insumos agrícolas, sendo que cerca de 90% do nosso consumo
desses produtos são supridos por importações. A Rússia fornece 25,7% da
importação total. Somando Belarus, seu aliado, a cifra sobe para 28,4%.
Vale ainda citar o expressivo crescimento da
importação de óleo diesel da Rússia. Em 2022, ela era insignificante,
equivalente a 0,7% do total importado do produto, mas saltou para 35,6% este
ano. Enquanto isso, caiu a participação dos EUA, agora em 31% do total, ante
82% em 2020.
A diplomacia econômica, porém, parece presa a
temas de curto prazo. Será crucial ampliar seu escopo, especialmente no atual
contexto mundial, marcado pela maior tensão geopolítica, enfraquecimento do
multilateralismo e ascensão da agenda ambiental.
O contexto político tem desdobramentos na
dinâmica dos mercados, faz surgir novos atores e, assim, molda a diplomacia
econômica dos países. Basta examinar sua mudança nos diferentes contextos
globais, como na Guerra Fria do pós-guerra e, a partir do final dos anos 1970,
no seu enfraquecimento, dando lugar à globalização.
O cenário mundial mostra-se mais arriscado e
incerto, o que tem levado os países a adotar posturas defensivas, com o
objetivo de mitigar riscos. Assim como no mundo das finanças, em que o risco
mais elevado recomenda a diversificação de investimentos, o maior risco externo
leva à busca para diversificar parceiros comerciais.
Os fluxos de investimento estrangeiro direto
(IED) no mundo dão algumas dicas. Desde o recrudescimento das relações
EUA-China, o IED global encolheu como proporção do PIB mundial. Entre 2021-22,
ficou abaixo de 2% do PIB, ante cerca de 3,5% na década passada. Enquanto isso,
a China perdeu market share em setores estratégicos, segundo o FMI.
O apelo para a diversificação de parceiros
para mitigar riscos externos vale também para o Brasil, o que também traz
ganhos pela abertura comercial. Nesse contexto, o acordo Mercosul-União
Europeia ganha ainda mais importância. E as parcerias com o Ocidente para
viabilizar a agenda ambiental são essenciais, lembrando que o maior fluxo de
IED vem dos EUA (25% em 2022), enquanto a China é pouco relevante.
Conciliar as tensões internas e externas, ou
mesmo dentro do governo, ou entre o governo e demais atores, não é tarefa
fácil. Mas não há dúvidas quanto à necessidade de um plano estruturado que, com
transparência, permita ordenar prioridades e que a política e economia se
reforcem mutuamente.
Um comentário:
Verdade.
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