sábado, 2 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Recorde de invasões mostra oportunismo do MST sob Lula

O Globo

Movimento aproveita governo de partido próximo para tentar reconquistar espaço político

Os números deixam claro o oportunismo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) diante do retorno ao Planalto de Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de quatro anos de baixa atividade, as invasões de propriedades rurais dispararam nos últimos meses. Em quatro anos de governo Jair Bolsonaro, houve 62 ocupações, segundo reportagem do GLOBO. Apenas nos primeiros seis meses deste ano, foram 61. Contando julho e agosto, o total em oito meses de governo Lula beira 70. Entre as propriedades invadidas estavam fazendas de eucalipto produtivas no Espírito Santo e até uma propriedade da Embrapa em Pernambuco.

Um levantamento das invasões desde 1995 feito pelo portal g1 e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revela que o MST foi mais ativo na gestão Fernando Henrique Cardoso. Em 1999, chegou a fazer 502 invasões, mais de uma por dia. Nas gestões dos aliados Lula e Dilma Rousseff (2003-2016), manteve a média de quase 210 por ano. O governo Bolsonaro fechou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e transferiu o Incra ao Ministério da Agricultura, mas manteve a política de distribuir propriedades a assentados. Mais de 300 mil títulos de posse foram emitidos, e as invasões recuaram a perto de 16 por ano. O MST se sentiu acuado. Com o retorno de Lula, viu uma oportunidade de recuperar poder.

O governo federal voltou a ser leniente com o movimento. Substituiu superintendentes regionais do Incra por indicados pelos sem-terra. Agrônomos, historiadores ou advogados vinculados ao MST passaram a ocupar espaço na máquina pública. Embora autoridades e ministros tenham condenado as invasões, elas passaram a funcionar como meio de pressão quando demandas não eram atendidas.

A falta de compromisso do MST com a produção agrícola ficou evidente na ocupação das instalações da Embrapa em Petrolina, onde se desenvolvem espécies que também beneficiam a agricultura familiar. A invasão das plantações de eucalipto da Suzano no Espírito Santo e na Bahia foi justificada em nome de uma pretensa luta contra a “monocultura”. Ao atravancar um setor exportador, o MST ameaça empregos e a captação de divisas. Indiretamente, contribui para piorar a vida dos pobres que diz defender.

A visão do MST sobre o campo é idílica. Apesar de também haver espaço para a agricultura familiar ou produtos orgânicos, não há como produzirem alimentos suficientes para consumo interno e externo. Pesquisas mostram que a desigualdade no campo não caiu com os assentamentos. Há histórias de sucesso, mas para a maioria a vida continua difícil. Uma das lições das últimas quatro décadas é que o país precisa repensar a política de reforma agrária, o contrário do que pretende o MST.

Enquanto isso, o agronegócio — adversário declarado do movimento — se tornou o principal motor da economia. O avanço e a modernização do campo desmentiram a fantasia do “latifúndio improdutivo”, e ficou mais difícil mobilizar militantes. Daí a tentativa de ocupar espaço político aproveitando o governo de um partido com que o MST mantém laços históricos.

O uso das invasões como forma de pressão continua tão ilegal quanto sempre foi. Não é questão política. Deve ser tratado pela polícia e pela Justiça. E em nada contribui para resolver os problemas que persistem no campo.

Ação da PF contra Codevasf expõe persistência do uso político da estatal

O Globo

Mesmo com o fim do orçamento secreto e a mudança de governo, empresa ainda é foco de escândalos

Mais uma vez, a Polícia Federal (PF) bateu à porta da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal fértil em produzir escândalos de corrupção. Em operação deflagrada com autorização do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão. A operação investiga a suspeita de desvio de recursos públicos por meio de emendas do orçamento secreto. Desde julho de 2022, é a terceira vez que a PF entra em ação para investigar fraudes na Codevasf.

Criada em 1974 para apoiar a irrigação do Vale do São Francisco, a estatal foi ampliada ao longo do tempo para atender a interesses variados. Repleta de parentes de políticos, hoje cobre uma área que vai de Minas Gerais ao Amapá. A expansão não seria problema se a preocupação fosse contemplar as demandas dos brasileiros, especialmente numa região assolada pela seca. A cada blitz da Polícia Federal nas instalações da Codevasf, porém, fica mais claro que o interesse é outro.

A operação atual, batizada de Benesse, tenta desarticular uma organização acusada de fraudar licitações, lavar dinheiro e desviar recursos públicos. Segundo as investigações, empresas de fachada entravam em licitações apenas para favorecer a firma que sairia vencedora. Uma empreiteira que antes de 2019 não assinara contrato com o governo federal foi brindada com obras orçadas em mais de R$ 400 milhões em seis estados. Um dos alvos foi a prefeita de Vitorino Freire (MA), Luanna Rezende, irmã do então deputado federal Juscelino Filho, hoje ministro das Comunicações. Ela foi afastada do cargo. Embora o ministro seja investigado, não foi alvo de buscas, apenas sofreu bloqueio de bens e contas bancárias. Sua participação está restrita à apresentação da emenda.

A ação foi um desdobramento de outras investigações envolvendo a Codevasf, companhia que ficou conhecida como um paraíso do orçamento secreto. Entre 2020 e 2021, quase metade dos R$ 7,3 bilhões que entraram na estatal teve origem nas emendas do relator, instrumento sem transparência, desprovido de critérios técnicos, que serve apenas para satisfazer a interesses paroquiais dos parlamentares.

Na ocasião, oito das 12 superintendências da empresa eram comandadas por afilhados de políticos. Durante o governo Jair Bolsonaro, a Codevasf ganhou quatro novos postos (Goiânia, Palmas, Macapá e Natal). Três foram entregues a partidos aliados. Mudou o governo, o orçamento secreto foi extinto pelo STF, mas as práticas pouco republicanas permaneceram. A Codevasf ainda é usada para atender a interesses políticos. Recentemente, a pedido do Planalto, o Congresso aprovou a criação de uma nova diretoria para a empresa, além das três existentes. A ideia é entregá-la a quem está embarcando no governo Lula durante a minirreforma ministerial que está para sair. Mesmo com o fim do orçamento secreto, continua faltando transparência na ocupação dos cargos e na destinação dos recursos públicos.

Novidades em SP

Folha de S. Paulo

Realinhamento eleitoral parece se consolidar, mas quadro do Datafolha pode mudar

Pesquisas eleitorais realizadas mais de um ano antes do pleito costumam dizer muito pouco sobre a disputa, mas a primeira rodada do Datafolha sobre a corrida municipal de São Paulo revelou-se notável exceção a essa regra, a começar pela lista de potenciais candidatos apresentados aos entrevistados.

Seria impensável, quatro anos atrás, que o instituto consultasse os eleitores sobre uma relação de nomes da qual não constasse nenhuma figura do PT ou do PSDB. Afinal, desde 1988, cada um dos partidos sobressaiu 3 vezes, somando 6 vitórias em 9 disputas.

A despeito desse histórico de sucesso na maior cidade do país, as duas agremiações mostram-se dispostas a operar um recuo estratégico na contenda de 2024. Enquanto tucanos ainda avaliam qual aliança mais lhes convêm, petistas seguem firmes na proposta de apoiar Guilherme Boulos (PSOL).

Parece consolidar-se, assim, o realinhamento eleitoral que se desenhou a partir de 2016. Naquele ano, de forma inédita desde a redemocratização, o PT não chegou ao segundo turno da corrida paulistana, embora o incumbente Fernando Haddad buscasse a reeleição.

No pleito seguinte, o candidato do PT, Jilmar Tatto, não alcançou dois dígitos e terminou na sexta colocação. Em ambos os casos, o PSDB levou a melhor: João Doria venceu logo na primeira rodada de votação e, em 2020, Bruno Covas derrotou Boulos no segundo turno.

O fato de o PT e o PSDB, ao menos por enquanto, não serem cabeças de chapa neste ano já é, portanto, uma grande novidade —assim como são as suas consequências, ora medidas pelo Datafolha.

Boulos, que lidera com 32% das intenções de voto, desponta como personagem capaz de atrair para si o patamar mínimo que outrora pertenceu ao PT em São Paulo, num sinal de que a esquerda pode muito bem ir além do petismo.

Em segundo lugar, com 24%, está Ricardo Nunes (MDB), prefeito algo anódino que vive o dilema de tentar conquistar eleitores bolsonaristas sem com isso absorver a rejeição elevada do ex-presidente.

Depois deles há, no atual cenário, somente mais dois candidatos competitivos, o que também é inusitado: os jovens Tabata Amaral (PSB), com 11%, e Kim Kataguiri (União Brasil), com 8%, empatados dentro da margem de erro.

Se a política brasileira há muito se ressente da falta de renovação, o quadro pintado pelo Datafolha sugere uma importante mudança na disputa em São Paulo.

Ênfase no "sugere". Em setembro de 2011, Haddad parava em reles 2% das intenções de voto, enquanto José Serra (PSDB) não decidia se iria concorrer. Pouco mais de um ano depois, Haddad superou Serra no segundo turno.

Um erro atrás do outro

Folha de S. Paulo

Falhas em apostila do governo de SP mostram como guinada no ensino seria açodada

Quem assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil em 1888? A medida tomada pela Princesa Isabel é das mais célebres da história nacional, mas, em material didático produzido pela Secretaria da Educação de São Paulo, o feito abolicionista cabe a dom Pedro 2º.

Esse nem de longe é o único erro crasso do conteúdo digital paulista, como revelou reportagem do UOL. Entre outros exemplos estão Jânio Quadros à frente da Prefeitura de São Paulo em 1961 (posto que ele deixou em 1955) e a existência de praias na capital do estado.

A inépcia vexatória é nova evidência de uma política pública formulada de modo açodado e felizmente deixada de lado.

Em julho, a Folha revelou que a secretaria abandonaria os livros didáticos impressos —distribuídos gratuitamente em todo o país pelo MEC— a partir do 6º ano do ensino fundamental. Em seu lugar, pretendia usar somente slides produzidos pela pasta.

Diante da repercussão negativa, o Bandeirantes recuou: voltam os livros físicos e permanece o conteúdo digital, distribuído na rede de ensino desde abril.

Vale dizer: sem o recuo, os alunos não apenas seriam privados dos livros do MEC, revisados e aprovados por especialistas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), como expostos a erros factuais e gramaticais, também verificados, no material digital.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que fez as correções e que afastou os profissionais responsáveis pelos erros. A providência pode parecer óbvia, mas não deveria encobrir o principal —a imprudência da secretaria comandada em sua tentativa de guinada radical no ensino.

A pandemia prejudicou o aprendizado em todas as etapas da educação no país. A nota média em matemática dos alunos do 5º ano no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) caiu de 227,88 em 2019 para 216,85 em 2021; em língua portuguesa, de 214,64 para 208,01.

Na mesma base de comparação pelo Saresp (avaliação no estado de São Paulo), as quedas foram de 231,3 para 210,2 em matemática e de 216,8 para 198,2 em português.

Trata-se de perdas cuja recuperação exige grande esforço das autoridades, em especial no ensino público. A urgência necessária, entretanto, não pode se confundir com precipitação e improviso.

O governo paulista tem muito mais a fazer do que corrigir cartilhas e punir servidores.

Uma reforma que reduz desigualdades

O Estado de S. Paulo

Ao mudar cobrança de impostos para o destino, reforma redistribui receitas para Estados e municípios com menor renda per capita, reduzindo desigualdades, diz estudo do Ipea

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que a reforma tributária sobre o consumo trará benefícios para a maioria dos Estados e municípios. De acordo com esse trabalho, 82% dos 5.568 municípios brasileiros passarão a arrecadar mais após a aprovação e promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019. Entre os Estados, 18 deles, além do Distrito Federal, terão aumento de receitas.

O incremento na arrecadação se dará pela redistribuição dos recursos entre os entes federativos. Alguns fatores explicam esse comportamento, como a base mais ampla do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o aumento da população dos municípios, que terá impacto na redistribuição da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Mas a principal razão é a mudança na cobrança do ICMS, que deixará de incidir na origem e passará a ser cobrado no destino, ou seja, onde os bens e serviços são efetivamente consumidos.

Segundo o estudo, no ano passado, Estados e municípios arrecadaram R$ 801 bilhões em ICMS e ISS. Sob o ponto de vista das receitas estaduais, a reforma, de acordo com o texto aprovado pela Câmara, mexeria em 7% do total; R$ 54 bilhões iriam para Estados de menor renda, que concentram 70% da população. Para os municípios, o efeito redistributivo é ainda maior; 21% das receitas municipais, ou R$ 50 bilhões, trocariam de mãos e iriam para outras cidades com menor renda per capita, onde vivem 67% dos brasileiros.

Além de dar fim definitivo à guerra fiscal entre os Estados, a reforma ajudará a reduzir as desigualdades sociais e a contribuir diretamente com as finanças dos governos regionais. Segundo o estudo, a diferença de receita per capita entre a cidade mais rica e o município mais pobre de Goiás cairia para quatro vezes – hoje, é de 127 vezes.

Mesmo os poucos Estados e municípios prejudicados pelas novas regras da reforma serão recompensados. A proposta prevê uma regra de transição gradual, com duração de 50 anos. Para ter uma ideia, nos cinco primeiros anos após a aprovação da proposta, 90% das receitas ainda serão distribuídas conforme os critérios antigos; em 25 anos, esse porcentual cairia para 50%.

Ainda assim, Estados e municípios que tiverem prejuízos com a reforma serão restituídos por um fundo com recursos da União. Se o Produto Interno Bruto (PIB) voltar a crescer de forma mais vigorosa, como é esperado em razão dos ganhos de produtividade que a reforma deve proporcionar à economia, o risco de perdas é praticamente nulo, afirma o Ipea.

As cidades-dormitório, por exemplo, serão muito beneficiadas pela redistribuição das receitas, o que pode reduzir os gastos majorados que as capitais têm para suprir as deficiências dos municípios vizinhos em saúde e educação. Neste caso, ganham todos – a capital, que terá os serviços desafogados, e as cidades-dormitório, cujos moradores não precisarão se deslocar para serem atendidos.

“Se o imposto incide sobre o consumo e é pago pelos consumidores, nada mais justo e natural que esse imposto retorne para o local em que vivem as pessoas que pagaram por ele”, afirmou Sergio Gobetti, um dos autores do trabalho, ao lado da economista Priscila Monteiro.

O estudo explicita mais um dos aspectos positivos da reforma para os entes federativos. No dia seguinte à divulgação do estudo, o Senado realizou uma sessão para debater a proposta com os governadores. Mas, enquanto os presentes puderam apresentar ponderações ao texto, a ausência dos principais governadores de oposição foi bastante simbólica – alguns nem sequer mandaram representantes para substituí-los. Cada vez é mais nítido: as críticas à reforma se dão mais por razões políticas do que pelo conteúdo em si da proposta.

O trabalho do Ipea é mais uma evidência de que Estados e municípios não têm motivos para temer a reforma tributária. Ela respeita o pacto federativo, preserva a autonomia dos Estados e municípios e favorece a redução das desigualdades regionais e sociais. Mais constitucional, impossível.

PCC forte é reflexo de Estado fraco

O Estado de S. Paulo

Um time de futebol numa penitenciária do interior paulista não se torna uma das organizações criminosas mais perigosas do mundo sem a complacência, para dizer o mínimo, de agentes públicos

Trinta anos se passaram desde que o Primeiro Comando da Capital (PCC) surgiu nas entranhas do sistema prisional, especificamente no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, em 31 de agosto de 1993. Para os criminosos, a data decerto foi motivo de festa. Afinal, é impressionante a trajetória percorrida pelo PCC nessas três décadas – um time de futebol formado por oito presos numa penitenciária do interior paulista que se tornou uma das organizações criminosas mais poderosas do mundo. Já para a sociedade, o marco é razão de lamento e indignação. Porém, para que sirvam como força transformadora de uma triste realidade, esses sentimentos devem suscitar uma reflexão sobre o contexto de ausência do Estado em que o PCC encontrou solo tão fértil para florescer.

O surgimento e o empoderamento de uma quadrilha como o PCC estão diretamente relacionados à incapacidade do Estado, fruto de seu desleixo com o tema, de manter os cidadãos sob sua custódia de acordo com as determinações da Lei de Execução Penal e da Constituição. Encarceramento em massa, prisões superlotadas, tratamentos desumanos e programas de ressocialização insuficientes formam um quadro de violação sistemática de direitos fundamentais da população carcerária, classificado pelo Supremo Tribunal Federal como um “estado de coisas inconstitucional”.

Em boa medida, essa incapacidade do Estado, que deu azo não só ao surgimento e expansão do PCC, como de outras quadrilhas que encontram nos presídios fonte abundante de mão de obra, se deve ao alheamento de parcela da sociedade em relação à situação carcerária no País. Muitos veem o encarceramento como um ato de vingança do Estado, e não como a expressão do cumprimento da lei, com objetivos definidos a serem perseguidos.

Nada mais revelador desse ethos vingativo do que a lógica segundo a qual “bandido bom é bandido morto”, que tanto seduz alguns. Além de inconstitucional, trata-se de uma concepção de segurança pública extremamente perigosa para a própria sociedade. O resultado aí está. Nunca se prendeu tanto no Brasil, mas nem por isso a percepção de segurança dos cidadãos é maior – ao contrário. Nos últimos anos, os indicadores de violência no País, em particular o número de mortes violentas intencionais, oscilam de acordo com os humores da cúpula das quadrilhas mais violentas, entre as quais o PCC se destaca, e não como resultado de políticas públicas bem concebidas e implementadas pelo Estado na área de segurança.

O PCC jamais teria chegado aos 30 anos nem tampouco teria acumulado tanta influência e tanto poder (bélico e econômico) sem a complacência do Estado, quando não a cooptação de agentes públicos para suas hostes. Essa ineficiência do poder estatal é aviltante para a sociedade, mas, sobretudo, para os muitos servidores públicos nas polícias, no Ministério Público e no Poder Judiciário que, ao longo de todo esse tempo, imbuídos do mais elevado espírito público, se dedicam à prevenção e à repressão do crime organizado, especialmente do PCC, inclusive pondo em risco suas vidas e as de seus familiares.

Inicialmente voltado à questão das condições da população carcerária em São Paulo, o PCC logo revelou sua real natureza e se constituiu como a violenta organização criminosa que é hoje, presente em quase todos os Estados do País, expandindo-se para países vizinhos e com faturamento anual na casa dos bilhões apenas com o tráfico de drogas, sem falar da renda obtida com a exploração da miséria dos dependentes químicos que vagam pela Cracolândia, o chamado “novo cangaço”, o roubo de celulares nas cidades e os crimes ambientais na Região Amazônica, entre outros.

Por mais paradoxal que seja, o crescimento do PCC pode ser a chave para sua derrota definitiva. É tão grande que não pode ser ignorado, tampouco tolerado, pelo Estado e pela sociedade. Entre outros meios, é preciso inteligência investigativa para assegurar a asfixia financeira da organização criminosa – e assim virar essa terrível página da história nacional.

Política de redução de danos fiscais

O Estado de S. Paulo

Manter meta de zerar déficit é importante para conter gasto e preservar o arcabouço dos ataques políticos

O governo enviou ao Congresso o Orçamento com previsão de déficit zero em 2024. A despeito das dúvidas de que será capaz de alcançar a meta fiscal no ano que vem, o Executivo não apenas reiterou essa intenção, como apresentou uma lista de medidas que, segundo os cálculos da equipe econômica, poderão render até R$ 168 bilhões para os cofres da União.

Muitas dessas medidas dependem da aprovação do Congresso – e, portanto, requerem muita articulação política, liberação de emendas parlamentares e cargos para acomodar novos aliados na Esplanada dos Ministérios. Além da taxação das apostas esportivas, dos fundos exclusivos e das offshores, o governo quer acabar com a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio. Contar com elas para zerar o déficit coloca uma pressão adicional sobre o Legislativo, uma tática que tem seus riscos.

Algumas das propostas mencionadas pelo governo já receberam aval do Legislativo, como o projeto que retoma o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ou decisões favoráveis de tribunais superiores, como a que tributou benefícios fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em ambos os casos, a equipe econômica sustenta que a expectativa de arrecadação é conservadora, mas os valores inspiram certo grau de ceticismo – R$ 54,7 bilhões com o primeiro e R$ 37,3 bilhões com o segundo.

O certo é que a realidade fiscal não tem dado espaço para tamanho otimismo. O governo registrou déficit primário de R$ 35,93 bilhões em julho e acumula um rombo de R$ 97 bilhões nos sete primeiros meses do ano, o equivalente a 0,95% do Produto Interno Bruto (PIB), muito próximo da promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para todo o ano de 2023.

Enquanto a arrecadação não tem correspondido à altura das necessidades do País, o aumento de gastos autorizado pela Emenda Constitucional 126/2022, oriunda da PEC da Transição, fez um estrago e tanto nas contas públicas deste ano e já pesa sobre o próximo. As despesas primárias devem aumentar R$ 129 bilhões em 2024 e, desse total, R$ 120 bilhões serão obrigatórias.

Tantas incertezas do lado das receitas e certezas do lado das despesas levaram parte do governo e do Congresso a defender a flexibilização da meta fiscal já de saída. Embora zerar o déficit seja um objetivo difícil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acertou ao bater o pé na manutenção da meta. Ceder aos apelos políticos, neste momento, daria força ao fogo amigo daqueles que desejam arrombar de vez a porteira do gasto público e enfraqueceria o arcabouço que acaba de ser aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência da República.

A manutenção da meta deve ser ocasião para o governo, em primeiro lugar, controlar e revisar seus gastos, além de trabalhar pela aprovação de medidas que recomponham a arrecadação. Também deve funcionar como um freio a propostas que, abrindo mão de receitas ou elevando as despesas de forma permanente, costumam passar pelo Legislativo sem muita dificuldade.

Vacina é vida

Correio Braziliense

Mais uma vez o Brasil não atingiu a meta de proteger 95% a população infantil por meio das vacinas. Não faltaram vacinas, mas sobrou resistência da população aos imunizantes

Ao assumir o cargo de ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou o compromisso de retomar as campanhas de vacinação. Cumpriu o prometido, a partir de fevereiro, a fim de elevar os índices de brasileiros imunizados em todas as faixas etárias. Antes mesmo do ataque do coronavírus, a população estava infectada por distorções sobre as vacinas, espalhadas por fake news, produzidas pelos negacionistas. Há vários anos, o Programa de Imunização Nacional (PIN), não alcança as metas estabelecidas pelo governo federal. Esse fenômeno ocorre, praticamente, no mundo inteiro, provocado pelos sabotadores da saúde pública.

Mais uma vez, o Brasil não atingiu a meta de proteger 95% das crianças brasileiras. Igual frustração ocorreu em relação ao sarampo e a outras doenças preveníveis que afetam a infância. Nenhuma unidade da Federação alcançou o objetivo esperado, embora neste ano os resultados tenham sido melhores na comparação com 2022, segundo avaliação dos técnicos da Saúde. A resistência dos brasileiros tem facilitado o aumento do número de pessoas afetadas pela covid-19. Nos últimos dias, mais do que dobrou o número de exames com resultado positivo para a cepa Eris, subvariante da Ômicron, com baixo potencial de letalidade. Essa expansão ocorre, em sua maioria, entre os que se recusaram a tomar a bivalente — um reforço contra a covid-19.

O comportamento inadequado de pais, mães e idosos, que se recusam a tomar as vacinas e a imunizar seus filhos, em diferentes faixas etárias. Essa atitude abre janelas de oportunidades para que doenças, até então, consideradas superadas no país, voltem a provocar tragédias irremediáveis, que deixam marcas pelo resto da vida. É o caso do vírus da poliomielite, responsável pela paralisia infantil, que, há alguns anos, foi considerado erradicado. Hoje, devido à queda do número de vacinados, corre-se o risco de ele voltar a atacar.

Os esforços da nova equipe da saúde precisam ser revigorados e mais intensos, seja com campanhas mais ousadas, seja por outros meios que conscientizem, quebrem a resistência da população e anulem as falsas informações disseminadas contra a vacinação. Cabe ao poder público — federal, estadual e municipal — facilitar e estimular as pessoas a buscarem os postos de vacinação. Ou seja, se há dificuldades de acesso às unidades de saúde, então, o Estado deve providenciar postos móveis, de forma que as vacinas cheguem aos cidadãos. O Brasil tem o maior e melhor programa de imunização construído no planeta, reconhecido, inclusive, por nações com elevado grau de desenvolvimento. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem 18 vacinas disponíveis, gratuitamente, para crianças, jovens, adultos e idosos.

Os avanços científicos e tecnológicos, exibidos ao mundo durante a pandemia do novo coronavírus, provaram que os negacionistas, terraplanistas e anticiência mentem. Mostrou também que todos os humanos — ricos, pobres, brancos e pretos — estão suscetíveis ante a letalidade de um inimigo invisível. A covid-19 mostrou que todos são iguais, frágeis e vulneráveis. No passado, os cientistas levavam até décadas para chegar a uma vacina. Entre o fim de 2019 e início de 2020, o mundo se deparou com a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, provocada pelo Sar-Cov-2. Mas, em menos de um ano, — em meados de 2020 — os cientistas tinham descoberto a vacina para combater o novo vírus. Mais uma vez, ficou evidente que a vacina salva vidas e, portanto, não podem ser rejeitadas. Vacina é saúde.

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