Folha de S. Paulo
Demissão de assessora levou turma de sempre a
ressuscitar variantes do 'racismo reverso'
Não é fácil a oposição de direita reclamar da
aliança de Lula com
o centrão, porque a oposição de direita e o centrão são mais ou menos as mesmas
pessoas. A política econômica de Haddad é
bem moderada e está dando certo. Restou ao pessoal, portanto, reclamar do
"identitarismo".
As críticas recentes foram suscitadas pela
postagem de uma jovem assessora do Ministério da Igualdade Racial no dia da
final da Copa do Brasil. De maneira infeliz, ela ofendeu
os são-paulinos por serem europeus, brancos e paulistas. Foi
demitida. Torço para que se reerga na carreira.
O episódio levou a turma de sempre a ressuscitar variantes do tema "racismo reverso", o racismo de negros contra brancos.
A ideia de que o racismo reverso é um
problema sério foi relançada
recentemente pelo antropólogo Antonio Risério. Em um artigo
publicado nesta Folha, Risério argumentou que, graças ao identitarismo, o
número de casos de racismo reverso teria passado de um número que ele não quis
nos contar qual era para um outro que ele também não achou importante
compartilhar conosco. O único exemplo de racismo reverso que Risério achou no Brasil
foi a adesão de uma parte do movimento negro ao integralismo nos anos 30 do
século passado, e vários dos casos que encontrou mundo afora são de minorias
discriminando minorias, o que não é "reverso".
É óbvio que membros de grupos marginalizados
podem ser preconceituosos ou ofensivos, tanto quanto quaisquer outras pessoas.
Também é verdade que a denúncia da discriminação pode ser feita de maneira
errada: o professor Wilson Gomes relatou,
em coluna recente, o caso de uma professora
universitária que foi atacada desproporcionalmente por usar um
pronome errado.
Mas essas características –a imperfeição
moral dos beneficiados por um direito, a possibilidade de ele ser aplicado
equivocadamente ou de forma picareta– também estão presentes em todos os
direitos que consideramos indispensáveis, da liberdade religiosa à econômica.
Como disse o velho Kant, do lenho retorcido da humanidade, nada de reto jamais
foi feito.
Alguns críticos do identitarismo também
reclamam que essas pautas seriam "importadas dos Estados Unidos".
A crítica de que a esquerda teria se tornado
"identitária demais" é que foi importada dos Estados Unidos: no
Brasil, a maioria das pautas "identitárias" são defendidas pelo PT desde sua
fundação, como também o foram pelo PDT na época de Brizola. Ao contrário da
"Terceira Via" dos anos 90, a esquerda brasileira nunca se distanciou
decisivamente do sindicalismo e da luta por redistribuição.
Os movimentos normalmente reunidos (contra
sua vontade) na categoria "identitários" têm pautas muito concretas:
salário igual para trabalho igual, cotas raciais, igualdade matrimonial para
LGBTs, a reorganização igualitária do trabalho doméstico, a representatividade
em posições de poder, etc.
Garanto para vocês, quem participa ativamente
desses movimentos está muito mais interessado em garantir essas conquistas
concretas do que em cancelar gente em rede social.
Quantos aos excessos, aos desvios narcisistas
de militância, ao uso picareta de boas causas, sugiro combatê-los como fazemos
no caso de desvios cometidos contra outras boas ideias, sem esquecer o quão
mais importante é corrigir as injustiças históricas que deram origem a esses
movimentos.
*Doutor em sociologia pela Universidade de
Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
4 comentários:
Cínico de sempre. Militante petralha abrirá novamente o NPTO? MAM
Texto decepcionante, argumentação fraca. Complacente com a assessora incompetente demitida esta semana: "jovem", "infeliz" ... Só faltou recomendá-la para uma nova função no governo. Nenhuma palavra sobre a ministra despreparada que contratou uma assessora tão incompetente.
Excelente artigo,o único senão foi a condescendência desmedida ao erro grotesco da ''assessora''.
Sugiro a leitura do artigo de Wilson Gomes " De desastre em desastre, o revés do movimento woke ", na Revista Cult
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