Esqueletos fiscais
Folha de S. Paulo
Governo acerta ao querer regularizar
precatórios, mas não pode usar artifícios
Uma despesa vultosa e de crescimento
acelerado nos últimos anos tem sido escamoteada desde 2022 pelo governo
brasileiro. Trata-se do pagamento de precatórios, para o qual a administração
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou agora uma proposta tortuosa.
O problema se originou sob Jair Bolsonaro (PL),
que, com a anuência do Congresso, escapou de pagar integralmente uma conta de
quase R$ 90 bilhões imposta por sentenças judiciais. O calote abriu espaço para
mais gastos em ano eleitoral.
Uma emenda à Constituição determinou que apenas parte dos compromissos deve ser honrada a cada ano, e o restante pode ser postergado até 2026. Em 2027, os esqueletos têm de sair do armário —isto é, tudo precisa ser quitado, num montante estimado em torno dos R$ 200 bilhões.
O governo Lula está se antecipando ao problema,
o que é positivo. Entretanto a saída imaginada acrescenta mais heterodoxia na
gestão das contas do Tesouro Nacional.
Pretende-se
que o Supremo Tribunal Federal considere inconstitucional a emenda do calote,
o que abriria caminho para o pagamento de atrasados já na casa dos R$ 100
bilhões. Até aí, o plano é correto —encerra a moratória, respeita direitos,
registra com mais exatidão a situação fiscal e evita o risco de insolvência
logo no início da próxima administração.
Tudo fica mais turvo quando se tenta
conciliar a providência com as meta de zerar o déficit orçamentário já no
próximo ano, equilibrando receitas e despesas primárias (não financeiras, como
pessoal, custeio e investimentos).
É evidente que a quitação dos precatórios
atrasados inviabilizaria essa meta já improvável. Mesmo a regularização dos
pagamentos anuais forçaria, ao menos num primeiro momento, cortes duros em
outros setores da administração.
Nem por isso se justifica a proposta do
governo petista de classificar parte dos desembolsos como gastos financeiros,
como se fossem originários de uma operação de crédito. Se assim for feito, os
esqueletos fiscais se transformarão em fantasmas
contábeis.
O país estaria, mais uma vez, recorrendo a
artifícios para maquiar balanços, e estaria aberto um precedente para novas
alterações nos registros no futuro. Nada disso, ademais, evitaria o crescimento
da dívida pública.
É razoável que a regularização dos
precatórios atrasados não seja considerada para efeitos de apuração da meta
fiscal. Entretanto é preciso buscar meios de incluir os pagamentos regulares
nas despesas primárias, sem subterfúgios.
Isso significa que o governo Lula precisa
rever sua estratégia insustentável de elevação contínua e generalizada de
gastos públicos.
Trote medieval
Folha de S. Paulo
Comunidade acadêmica deve desencorajar rito
de passagem violento e autoritário
A Justiça de São Paulo determinou, em caráter
provisório, que os alunos expulsos da Universidade Santo Amaro por terem tirado
a roupa durante uma competição esportiva sejam
reintegrados à instituição.
Segundo a decisão, foram violados os
princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa. Os estudantes alegam que foram forçados à autoexposição durante
um trote. Ainda a ser devidamente esclarecido, o caso traz à tona novamente o
debate sobre essa controversa tradição acadêmica.
Obter uma vaga no ensino superior,
especialmente em cursos mais disputados e instituições de elite, é evento
marcante para um jovem e seu círculo familiar e social. Como atesta a
antropologia, faz parte da cultura humana estabelecer rituais que registrem a
importância de momentos de passagem, e o trote universitário é um exemplo.
Desde suas origens, entretanto, a prática não
raro é marcada por violência incompatível com os valores civilizatórios.
Na Idade Média europeia, os calouros eram
despidos, suas roupas queimadas e seus cabelos raspados. Sob a justificativa de
medida profilática contra propagação de doenças, novatos eram submetidos a
agressões pelos veteranos.
No século 19, jovens brasileiros abastados
que foram estudar no Velho Mundo trouxeram o costume para o país. Já em 1831,
há o registro oficial da primeira vítima: Francisco Cunha e Menezes foi morto a
facadas durante trote na Faculdade de Direito do Recife.
Mais recentemente, em 1999, após a trágica
morte de um calouro da Faculdade de Medicina da USP, a Assembleia Legislativa
de São Paulo instituiu a lei 10.454, que veda o trote no ensino superior
"quando promovido sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra
forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade
física dos alunos".
Mesmo assim, a prática medieval persiste e
pode gerar efeitos duradouros. Especialistas apontam que humilhações e
agressões sofridas durante o trote podem gerar traumas que
comprometem a autoestima, a sanidade mental e, consequentemente, o aprendizado
daqueles a ele submetidos.
Mais do que de leis, depende da comunidade acadêmica desencorajar os excessos de truculência. A universidade, lugar por excelência do cultivo da razão e da liberdade, não pode dar guarida à violência e ao abuso de poder.
Pauta de segurança pública se tornou
prioridade nacional
O Globo
Governo federal precisa parar de evitar o
assunto e enfrentar a maior preocupação da população
Não é preciso recorrer a estatísticas de
segurança para constatar que a escalada da violência no
Brasil demanda ação urgente. Basta olhar ao redor. Guerras entre facções que
fecham escolas, hospitais, impedem a circulação de ônibus e trens; mortes de
inocentes por balas perdidas, feminicídios, assassinatos, operações policiais
letais e uma profusão de roubos de rua expõem a situação de tensão. A
regularidade com que tais episódios frequentam o noticiário pode até dar a
impressão de que são normais. Não são.
Na noite de quarta-feira, no Rio, bandidos
atiraram uma bomba caseira contra um ônibus lotado, deixando ao menos três
passageiros feridos, um deles em estado grave. O episódio aconteceu na Avenida
Brasil, principal acesso à capital, por onde circulam diariamente mais de 250
mil veículos. Os criminosos estão tão à vontade que chegam ao cúmulo de dar
treinamento de guerrilha aos soldados do tráfico.
Em São Paulo, o
assassinato covarde de um policial da Rota numa comunidade do Guarujá em fins
de julho deu origem a uma operação da polícia paulista que, em 40 dias, deixou
28 mortos. Segundo as autoridades, as vítimas se envolveram em confrontos com
policiais. Entidades de defesa dos direitos humanos denunciaram abusos nas
ações. Não há indicação de que as quadrilhas tenham recuado.
Na Bahia, a situação é de
descontrole. A onda de violência provocada pela guerra de facções já causou
mais de 60 mortes em setembro. Na quarta-feira, em Salvador, ônibus foram
incendiados, e mais de mil alunos ficaram sem aulas devido aos confrontos. Nos
últimos dias, o governo federal enviou ao estado veículos blindados da Polícia
Federal para ajudar no combate ao crime. No Grande Recife, ao menos mil
tiroteios foram registrados neste ano.
Mesmo regiões que não costumavam viver uma
rotina de violência se tornaram reféns do medo. A percepção de aumento da
violência é corroborada por uma pesquisa Datafolha divulgada em setembro. Ela
mostra que a segurança passou a ser a maior preocupação dos brasileiros, ao
lado da saúde (ambas citadas por 17%). Na pesquisa de dezembro de 2022, a
segurança tinha 6% e a saúde 21% no ranking de preocupações.
É certo que o combate à violência é tarefa
dos estados. Mas o governo federal, historicamente omisso, precisa assumir seu
papel no combate ao crime. O Congresso também precisa arcar com sua parcela de
responsabilidade. Seria um bom começo se tratasse de pôr um fim à possibilidade
de relaxar a posse e o porte de armas. Leis têm de ser aprovadas com base em
políticas públicas de eficácia comprovada, não em ideologia.
A violência é um problema que ultrapassa os
limites dos estados e até as fronteiras nacionais. Armas e drogas entram pelas
fronteiras. As facções criminosas atuam nacionalmente. Quadrilhas do Sudeste
travam guerras no Norte e no Nordeste. Não haverá sucesso duradouro contra o
crime sem ação do Executivo e do Legislativo. Passou da hora de o país dispor
de uma política nacional de segurança robusta, capaz de trazer mais
tranquilidade à população. Despachar a Força Nacional e enviar blindados às
cidades em momentos de crise são medidas paliativas. As operações realizadas
pelas polícias estaduais não têm surtido efeito. Brasília precisa parar de
evitar o assunto e priorizar a agenda de segurança.
Fragilidades de Biden despertam ceticismo
sobre chance de reeleição
O Globo
Maioria dos democratas prefere outro
candidato, enquanto republicanos cerram fileiras em torno de Trump
Seis de cada dez eleitores democratas dizem
não querer que o presidente americano, Joe Biden,
seja o candidato do partido nas eleições de novembro do ano que vem. O dado da
última pesquisa Washington Post-ABC News, realizada entre os dias 15 e 20 de
setembro, reforça um sentimento que se consolida. Uma das preocupações é a
idade avançada. Embora quem trabalhe com Biden garanta que, aos 80 anos, sua
capacidade intelectual se mantém intacta, a impressão pública é de fragilidade.
A popularidade baixa, principalmente por
questões ligadas a imigração ilegal e economia, é outro ponto de atenção. Sua
aprovação está em 41%, segundo a média mantida pelo site FiveThirtyEight. A
esta altura do mandato, apenas Jimmy Carter e Donald Trump apresentavam
números piores. Nenhum dos dois foi reeleito. Decisões de campanha, como a
inédita participação num piquete de greve de trabalhadores da indústria
automobilística, serão na certa exploradas pela oposição (basta o preço dos
carros subir).
O processo de impeachment aberto neste mês
pelos republicanos na Câmara tem poucas chances de incriminar Biden. Todas as
investigações até agora não sustentam as acusações de que, quando vice de
Barack Obama, ele tenha beneficiado ilegalmente os negócios de seu filho
Hunter. Porém tal constatação não impedirá que o Congresso sirva de palco a
todo tipo de ataque. Para a infelicidade dos democratas que querem outro
candidato, não parece haver alternativa viável. A vice, Kamala Harris, não é
bem avaliada.
Enquanto crescem as dúvidas sobre a
viabilidade da reeleição de Biden entre os democratas, Trump consolida sua
liderança na disputa interna dos republicanos. Ser réu em — até agora — quatro
processos não tem abalado o apoio da base do partido (o efeito parece ser
contrário). Devido a sua vitalidade, a idade, 77 anos, não é apontada como
problema.
Trump tem mantido vantagem de 40 pontos sobre
o segundo colocado nas prévias, o governador da Flórida, Ron DeSantis. Dada a
distância, repetiu nesta semana a estratégia de não participar de debates. No
primeiro, no mês passado, foi poupado pela maioria dos pré-candidatos. Na
quarta-feira, virou alvo. É incerto se a nova tática surtirá algum efeito.
Na maioria das pesquisas sobre a eleição do ano que vem, Biden e Trump seguem empatados. Em 2020, o democrata se apresentou como salvador da democracia. No ano que vem, terá um mandato para ser avaliado. Mesmo considerando a possibilidade de Trump se enrolar ainda mais com a Justiça, a eleição de 2024, vista de hoje, deverá ser mais apertada do que os democratas gostariam.
Intolerável intolerância progressista
O Estado de S. Paulo
Cada vez mais a esquerda iliberal se crê
autorizada a empregar todo e qualquer meio, solapando a ordem jurídica e o
processo democrático, para impor seus fins messiânicos
Está em curso uma campanha, em boa parte
promovida pelos integrantes do Executivo, de discriminação e no limite
criminalização das pautas de direita, como se a disputa entre progressistas e
conservadores fosse uma batalha existencial da civilização contra a barbárie.
A pretensão do PT ao monopólio do bem e da
verdade é constitutiva. Expoentes da direita sempre foram demonizados como
“fascistas” e “inimigos do povo”. Mesmo a outros progressistas a oferta do
partido se resume à vassalagem ou à apostasia. Toda crítica é desmoralizada
como conspiração das “elites”. Ainda hoje o partido exige reparações pelo
“golpe” do Legislativo e do Judiciário em Dilma Rousseff e por sua “perseguição
política” a Lula e outros “guerreiros do povo brasileiro” flagrados em tramoias
antirrepublicanas, como no mensalão e no petrolão.
O jihadismo esquerdista encabeçado pelo
lulopetismo frequentemente foi propagado por setores que, marcados, por razões
históricas e sociológicas, por uma hegemonia progressista, funcionam como sua
caixa de ressonância, como a academia, redações ou a chamada classe artística.
Na última geração, a intolerância maniqueísta das vanguardas da “luta de
classes” foi inflamada pelas pautas identitárias da nova esquerda.
Para a esquerda iliberal, as
responsabilidades individuais são dissolvidas em “estruturas” de opressão.
Nesse estado de espírito paranoico, não basta não ser racista, misógino,
homofóbico; quem não é ostensivamente “anti”, quem não milita pela causa, quem
não faz rituais de expiação pelo mero fato de ter uma determinada cor de pele,
pertencer a um gênero ou ter uma orientação sexual é desmoralizado como uma
peça da máquina de opressão. A política é submetida a emoções tribais e quem
questiona a pureza ideológica dos redentores deve ser disciplinado, punido ou
mesmo eliminado do debate público por tribunais midiáticos e campanhas de
“cancelamento”.
Considerem-se alguns debates recentes, como a
exploração de novas fronteiras petrolíferas, a demarcação de reservas indígenas
ou a legalização do aborto. Em todos esses casos, não há uma disputa inequívoca
entre o bem e o mal, mas zonas de conflito entre bens juridicamente tutelados.
No caso da exploração de petróleo na Margem Equatorial, por exemplo, há uma
equação entre riscos ambientais e ganhos socioeconômicos; no caso das reservas
indígenas, entre os direitos dos povos originários e os de proprietários
(muitas vezes indígenas aculturados) de boa-fé; no caso do aborto, entre a
autonomia das mulheres e a vida do nascituro. Além do mérito, há a questão da
competência para arbitrar esses conflitos, por exemplo, entre o Legislativo e o
Judiciário.
Mas os progressistas iliberais se creem
portadores de verdades absolutas e condutores da História legitimados a
empregar quaisquer meios para a consumação de seus fins. O mero questionamento
é denunciado como “violência”. A reação em defesa de direitos plausivelmente
legítimos é anatematizada como reacionarismo. As teses de quem advoga por
explorar as riquezas do petróleo, por garantir as propriedades de agricultores
ou por preservar a vida do nascituro não são meramente objetadas, com base na
Constituição, em função de supostas lesões a direitos do meio ambiente, dos
indígenas ou das mulheres, mas recriminadas como ataques de predadores
desalmados.
Isso exprime uma visão da vida pública típica
de um Estado confessional, do tipo que o liberalismo veio a superar com a
instauração do Estado Democrático de Direito e o princípio de que o progresso
humano deve ser conquistado por debates, negociações e reformas. A direita
iliberal representa uma ameaça a esse marco civilizacional, como se viu no 8 de
Janeiro. Mas, ao equiparar todos os seus críticos a “extremistas” dignos de
serem alijados da vida pública, a esquerda iliberal também é uma ameaça, não
tanto pelos seus ideais, em princípio tão legítimos quanto os de seus
adversários, mas pelos seus métodos: a intimidação, a censura, a ruptura, a imposição.
Numa democracia, essa intolerância é intolerável.
Precatório não é empréstimo
O Estado de S. Paulo
Tratar uma discussão tão relevante como o
pagamento dos precatórios de forma binária é incorrer em novo erro. Nesse caso,
como em outros, nem Lula nem Bolsonaro têm razão
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério
Ceron, ficou incomodado com as críticas que recebeu por sua proposta para
quitar o passivo de precatórios acumulado nos últimos anos. Em entrevista ao
Estadão, ele disse não haver nenhuma “pegadinha” ou “picaretagem” no plano que
o governo apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no escopo das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) que tramitam sobre o tema e frisou que
o País está em moratória parcial perante investidores.
A forma como o secretário se expressou mostra
que ele tampouco entendeu o teor das críticas que recebeu. Ninguém nega que é
preciso dar fim ao vergonhoso calote nos precatórios patrocinado pelo desespero
eleitoral do expresidente Jair Bolsonaro. Ainda que constitucional, a proposta
foi uma evidente pedalada fiscal de R$ 200 bilhões a explodir em 2027, e
representou, sim, uma quebra de contrato.
Corrigir esse erro e regularizar os
pagamentos é uma medida justa para com credores que travam verdadeiras batalhas
nos tribunais para garantir seus direitos. Uma vez que a sentença de cada um
desses longos processos tenha finalmente transitado em julgado, não cabe ao
Executivo fugir de seus compromissos, mas apenas e tão somente quitá-los.
Fosse esse o plano do governo Lula, não
caberia qualquer tipo de censura. Mas não é o caso. Para quitar o estoque
acumulado, a ideia é segregar os precatórios, separando o valor do principal,
que continuaria a ser classificado como despesa primária, dos juros e correção
monetária, que passariam a ser considerados gastos financeiros.
Há um grave problema conceitual nessa
descrição. Precatórios, quase sempre, são passivos trabalhistas e
previdenciários. São, portanto, despesas primárias que não foram reconhecidas
no momento em que deveriam, o que obriga os cidadãos prejudicados a reivindicar
seus direitos na Justiça.
A passagem do tempo entre o pedido inicial e
a decisão judicial é longa. A incidência de juros é simplesmente uma forma de
compensar o credor pelo período em que foi financeiramente prejudicado. A
menção ao termo juro, no entanto, não tem o condão de converter o precatório em
um empréstimo e o cidadão em um banco. A situação é em tudo distinta dos juros
atrelados a operações bancárias ou títulos públicos, estes sim,
indubitavelmente, uma despesa financeira.
Por essa lógica, o governo também teria de
aceitar reclassificar várias de suas receitas. Quando os cidadãos optam por
parcelar o saldo devido do Imposto de Renda da Pessoa Física em até oito vezes,
por exemplo, há incidência de juros sobre o principal. Esses recursos,
atualmente, entram integralmente como receitas primárias e ajudam a reduzir o
déficit fiscal. Estaria o governo disposto a segregá-los para considerá-los, em
parte, receitas financeiras?
A preocupação não vem apenas dos
especialistas em contas públicas, que veem na medida a reedição da chamada
contabilidade criativa. Há um patente desconforto em Brasília em relação à
proposta. O fato de o Ministério do Planejamento e Orçamento não ter emitido
parecer favorável ao plano é daquelas circunstâncias em que o silêncio é
ensurdecedor. Segundo a colunista Adriana Fernandes, haveria restrições,
também, no próprio Ministério da Fazenda, no Palácio do Planalto e até no Banco
Central (BC) – algo muito problemático, considerando que o BC é o órgão
responsável pelas estatísticas financeiras oficiais.
Como não poderia deixar de ser, o Congresso,
em pé de guerra com o STF, também se sentiu desrespeitado com a condução que o
governo deu ao tema. Afinal, a pedalada bolsonarista que transformou o Brasil
num país caloteiro recebeu amplo apoio entre os parlamentares. Seria preferível
revertê-la na Câmara e no Senado, e não no Supremo.
O certo é que a estratégia do governo foi
bastante desastrada. Não há apenas dois caminhos – calote ou maquiagem – para
lidar com o problema dos precatórios. Tratar uma discussão tão relevante de
forma binária é incorrer em novo erro. Nesse episódio, como em muitos outros,
nem Lula nem Bolsonaro estão com a razão.
Fim da ‘pedalada climática’
O Estado de S. Paulo
Brasil resgata compromisso de corte de
emissões de gases do efeito estufa firmado em 2015
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
anunciou no último dia 20, em Nova York, a correção da meta brasileira de
redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. O gesto está longe de
elevar a ambição do compromisso do Brasil com a Convenção das Nações Unidas
para a Mudança do Clima, firmado em 2015. No entanto, enterra uma das mais
desonestas manobras do governo de Jair Bolsonaro para diminuir a contribuição
brasileira ao combate ao aquecimento global, completada pela pusilanimidade de
não admitir o malfeito. Não por acaso, a tramoia tornou-se conhecida como
“pedalada climática”.
Não poderia ser diferente em se tratando da
gestão Bolsonaro, em que a agenda ambiental se pautava pela defesa do
relaxamento normativo para garantir a impunidade de quem desmatava. Seu legado
de destruição na Amazônia, de elevação das emissões brasileiras de carbono, de
invasões a terras indígenas e expansão do garimpo ilegal e de complacência com
o crime ambiental não só rebaixou a imagem do Brasil, como contrariou integralmente
os interesses nacionais.
Data de abril de 2022 a iniciativa do governo
Bolsonaro de reajustar a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em
inglês) do Brasil, no âmbito do Acordo de Paris. Em porcentuais, os
compromissos originais de redução das emissões aumentariam para 37% até 2025 e
em 43% no fim da década. A equação, porém, trazia como base para os cortes um
inventário defasado das emissões em 2005. O resultado foi a vexatória
diminuição das obrigações do País.
Na recente Cúpula da Ambição Climática, Marina Silva informou que o Brasil deverá oficializar na ONU a redução de 48% em 2025 e de 53% em 2030, levando em conta uma base de cálculo sob a qual não pairam dúvidas. O efeito será a retomada do compromisso de 2015, o que não é pouco diante dos objetivos do governo Lula da Silva de restaurar a credibilidade do País, impulsionar a transformação verde de sua economia e, obviamente, manter uma carta na manga para as futuras negociações multilaterais do clima.
O empenho do atual governo será averiguado no
saldo a ser apresentado pelo País na Conferência da ONU sobre Mudanças
Climáticas de Belém, a COP 30. É indiscutível que resultados efetivos do país
anfitrião no combate ao desmatamento – não só na Amazônia, como nos demais
biomas – podem calibrar a cobrança por compromissos mais ambiciosos de países
que emitem há dois séculos e dos que despejam volumes acentuados de carbono há
menos tempo.
Contribuir para que a temperatura do planeta não escale ainda mais até o fim deste século já seria honroso objetivo do Brasil. Há de se notar, porém, que a preservação ambiental é requisito para a proteção da sociedade brasileira dos efeitos do aquecimento e para a sobrevivência da biodiversidade e de atividades econômicas essenciais, como a produção de alimentos. Como tal, desvios e negligência nessa política pública, como os vistos em passado recente, não são admissíveis. O chamado é à responsabilidade.
Amor pela cidade
Correio Braziliense
Ou se impõe a preservação do Plano Piloto em
todas as suas escalas, ou será o fim de uma cidade planejada
Um dos pré-requisitos para a escolha de um
candidato a governador de Brasília, e de todas as capitais do país, deveria ser
seu amor pela cidade. Mas como essa é uma condição, que no mundo da política,
nunca é levada em consideração, a melhor forma de escolha do pretendente acaba
sendo feita pelo poder de pressão dos partidos. Com isso, a ligação do futuro
administrador com a cidade é finalizada de acordo com o modelo traçado pelos
caciques políticos, que convenhamos, passa longe daquilo que sonhava a
população.
Sem uma ligação afetiva à cidade, que também
é organismo dotado de vida própria, a administração logo passa a apresentar
falhas, mostrando o desleixo, a tolerância excessiva com o desvirtuamento
urbano, entre outras mazelas, que pouco a pouco vão tornando a cidade um lugar
menos acolhedor, para dizer o mínimo. Para esses administradores da vida
urbana, a palavra preservação, que no caso de uma cidade como Brasília é
sinônimo da nova capital, passa ser um empecilho ao governo e às suas metas de
gestão.
Para aqueles que entendem minimamente da
complexidade urbana, chegará um dia em que, pelo crescimento desordenado e
acelerado que a cidade tomou nesses últimos 20 anos, o Plano Piloto, como o
conhecemos, deverá ser apartado do restante da Grande Brasília, sob pena de
sucumbir às várias alterações que são impostas ao traçado original.
Ou se impõe a preservação do Plano Piloto, em
todas as suas escalas, ou será o fim de uma cidade planejada, joia mundial da
arquitetura moderna. Para se ter uma breve visão de como a cidade está em
caminhando para ser desfigurada, basta percorrer as W3 Sul e Norte, ainda a
principal via de comércio da capital, observando como a permissividade, no
trato da coisa pública, vem destruindo o traçado original de Brasília.
Nas áreas reservadas aos pontos de ônibus, e
que deveriam servir apenas a esse propósito, erguem-se a cada dia mais,
barracos de lata, que vendem de tudo. Na W3 Norte existe, inclusive,
construções de alvenaria, fincadas lado a lado com as paradas.
Por todo o canto da cidade esses barracos de
lata vão sendo construídos, também nas entre quadras, com jardins, alvenarias
ou latas estrangulando o passeio público. Trata-se de uma situação anômala, que
vai se espalhando e que tem como razão a geração de emprego para populações de
baixa renda.
O que ocorre de fato é que a visão política
sobre administração de cidade tem que levar em conta o planejamento urbano.
Fazer das áreas públicas uma moeda de troca para atendimento de pleitos
particulares, mesmo de cunho social é aviltar a cidade e, sobretudo, seus
cidadãos, que pagam os mais impostos do país. O que tem feito a administração
do Plano Piloto, que não tem impedido a proliferação dessas construções de
lata, verdadeiros aleijões arquitetônicos.
É sabido que desde a maioridade política da capital as influências político-partidárias têm exercido pressão na escolha de muitos gestores. Esse fato, tem por seus resultados vistos, ajudado a desfigurar a cidade que é Patrimônio Cultural da Humanidade. Para os políticos, fatos como esse interessam menos do que o atendimento de pleitos de seus eleitores. O que não entendem ou percebem é que a cidade é dos brasilienses e de todos os brasileiros e não pertencem à classe política, formadas, na sua maioria, por quem não demonstra respeito nem amor por uma espaço que é de todos, inclusive, da Humanidade, conforme decidiu a Unesco.
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