Folha de S. Paulo
Propostas para elevar receitas patinam no
Congresso com riscos para a credibilidade do arcabouço e governo
O ministro Fernando
Haddad (Fazenda) pode ter vencido por ora a batalha para manter a meta
de zerar o déficit do governo em 2024, mas agendou um inevitável acerto de
contas sobre o tema.
Por um lado, a preservação do alvo recoloca o governo na busca pelo equilíbrio fiscal após o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter criado tumulto ao lançar a chance de mudança. Ele afirmou que a meta não precisaria ser zero, que alcançar esse objetivo seria muito difícil e que um déficit de até 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) não seria nada.
Com as declarações, Lula já ameaçava
abandonar o objetivo de buscar mais receitas sem
mal começar a persegui-lo. O país ia perdendo mais uma oportunidade de
enfrentar com efeitos práticos a discussão histórica sobre quem precisa pagar
mais ao Estado enquanto outros ainda precisam dele.
Agora, postergando o debate sobre a meta,
Haddad ganha tempo para buscar receitas que vem defendendo como forma de
compensar a expansão de gastos observada na virada de 2022 para 2023 e que teve
como principal justificativa a proteção dos mais vulneráveis.
Entre as propostas de arrecadação, estão as
que miram o andar de cima —como a taxação de fundos exclusivos e offshores (que
podem render R$ 20 bilhões). Também estão na lista o projeto acerca dos juros
sobre capital próprio (que pode gerar outros R$ 10 bilhões) e a mudança nas
regras de benefícios do ICMS (com expectativa de R$ 35 bilhões em arrecadação).
Por outro lado, essas propostas vêm patinando
no Congresso em
sucessivas discussões entre governo e líderes e, em grande parte, sem votação.
Dúvidas e resistências são naturais do
processo democrático, mas a articulação por elas precisa ser intensificada caso
o governo não queira sofrer consequências maiores em março.
É nesse mês que o Executivo precisará
divulgar o primeiro Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas
Primárias do ano —conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. O
documento mostra, em números, se é preciso contingenciar recursos de forma a
cumprir a meta do ano —ou seja, caso haja previsão de menos arrecadação do que
gasto, será necessário bloquear verbas.
A expectativa de analistas e no próprio
governo é que vai ser preciso contingenciar recursos, o que joga contra a
vontade declarada em diferentes momentos por Lula de fazer obras pelo país na
maior escala possível.
Economistas têm falado hoje em bloqueio de ao
menos R$ 40 bilhões, embora a equipe econômica ainda possa manobrar para
reduzir o valor. Para evitar esse bloqueio, aí sim entraria o plano comentado
nos bastidores de alteração da meta em março.
De qualquer forma, o prazo final já bate à
porta. Em tese, o Congresso tem data para encerrar as atividades de 2023 em
pouco mais de um mês, voltando apenas em 2 de fevereiro. Isso tira mais de 40
dias do calendário. E depois ainda há um Carnaval no meio do caminho.
Um governo que participa do jogo das emendas,
abriga partidos em ministérios por apoio parlamentar e entrega o controle da
Caixa Econômica Federal ao centrão corre risco real de não ver aprovadas suas
principais demandas já no primeiro ano de mandato.
O cenário até março gera risco não só para as receitas, mas também para a credibilidade do arcabouço fiscal e do governo como um todo.
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