Valor Econômico
No Brasil, perigo pode ser exacerbado por
iniciativas que partem tanto do governo quanto da oposição
A polarização social cada vez mais
cristalizada polui a visão da opinião pública sobre a guerra de Gaza e alimenta
dois monstros: o antissemitismo e a islamofobia. Esse é um fenômeno mundial e
esperado, uma vez que não há questão internacional que mobilize tanto a atenção
quanto às relacionadas a Israel e Palestina. No Brasil, contudo, esse perigo
pode ser exacerbado por iniciativas que partem tanto do governo quanto da
oposição.
A começar da oposição: há uma apropriação
evidente da identidade judaica e do sionismo pelo arco de forças unidos no
bolsonarismo, com um estímulo muito mal disfarçado do governo de Israel. O
processo teve um ponto de aceleração no dia 8, quando a administração de
Netanyahu tomou duas atitudes que o colocaram no debate político brasileiro.
Naquela quarta-feira, o embaixador de Israel, Daniel Zonshine, encontrou-se publicamente com o ex-presidente Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados. No mesmo dia, a conta oficial nas redes sociais de Netanyahu anunciou que o Mossad tinha colaborado com a Polícia Federal para frustrar ataques terroristas do Hezbollah no Brasil.
O governo brasileiro ignorou a primeira
afronta, mas passou recibo da segunda. “Nenhum representante de governo
estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pelo
governo federal ainda em andamento”, escreveu o ministro da Justiça Flávio Dino
em redes sociais.
Na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva subiu o tom. Estabeleceu uma equivalência entre o país e o Hamas,
basicamente acusando o país de responder com terrorismo ao terrorismo. “É
verdade que houve um ataque terrorista do Hamas, mas o comportamento de Israel,
fazendo o que está fazendo com mulheres e crianças, é igual ao terrorismo. A
atitude de Israel é igual terrorismo, não tem como dizer outra coisa”.
É uma declaração que foge da diplomacia. “O nivelamento de Israel com o Hamas se faz no sentido popular. Não dá para comparar um Estado com uma organização sectária”, comenta o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout, um especialista em política externa que condena a ação militar israelense.
“Lula lida bem com acordos e mal com
guerras”, disse o coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da
UFRJ, Michel Gherman, um defensor do cessar-fogo imediato no conflito. Para
Gherman, se a pretensão do Brasil é ter lugar em um futuro acordo para a
aproximação entre opostos no conflito, algo que parece distante, “a narrativa
de quem está em Gaza não pode ser a narrativa do governo federal”.
O aceno de Lula para o público interno foi
neutralizado nessa quinta-feira em um diálogo de 40 minutos com o presidente de
Israel, Isaac Herzog, de ala política oposta a Netanyahu. Na conversa, Lula
comprometeu-se a atuar para a libertação dos reféns israelenses em poder do
Hamas. Um gesto positivo para o governo se descolar do jogo destrutivo da
polarização.
Gherman vê um diálogo tácito entre os
extremos dos polos. A armadilha montada pela articulação da extrema-direita
israelense com a brasileira confunde Netanyahu e Israel como se fossem uma
coisa só. Por esse raciocínio, opor-se à ação do governo de Israel significa
opor-se a Israel.
Propor que se tome o todo pela parte é um
risco. Ao se vulgarizar o conceito, eis a porta aberta para a relativização do
antissemitismo. Dados divulgados pela Confederação Israelita do Brasil e pela
Federação Israelita de São Paulo na semana passada mostraram o tamanho do
estrago já feito: foram recebidas 467 denúncias de antissemitismo em outubro
desse ano, face a 44 em outubro do ano passado.
Tanto de um lado como do outro dos polos
ideológicos tem gente falando coisas descompassadas com a realidade e o espaço
para se fazer análise diminui, aponta Kalout. Antissemitismo e islamofobia, na
opinião dele, são sentimentos latentes na sociedade brasileira há muito tempo e
as origens mais remotas do preconceito aos judeus não estão na esquerda, frisa.
A estigmatização contra muçulmanos ganhou
impulso mundial depois do 11 de setembro e pode avançar no Brasil caso se
comprove a atuação do Hezbollah para organizar atentados terroristas no Brasil.
Suspeitas sobre a presença da organização terrorista libanesa no país são
investigadas desde 2002. Os atentados contra uma entidade judaica e a Embaixada
de Israel na Argentina na década de 90 sugerem um risco que não pode ser
negligenciado.
De novo a grande armadilha que se pode cair é
a tomada do todo pela parte. Basta uma pesquisa nada extensiva em redes sociais
para se encontrar manifestações de claro preconceito a árabes em geral e
palestinos em particular. E processos correm na Justiça. Na terça, o Ministério
Público Federal apresentou denúncia contra um internauta de Guarulhos (SP), que
gravou em 2019 vídeo em um cemitério islâmico.
PGR
Integrantes da cúpula do Ministério Público que estão fora da corrida pela vaga de procurador-geral da República se mostram muito confortáveis com a demora já de 51 dias para Lula tomar uma decisão. A equipe administrativa montada pelo ex-PGR Augusto Aras está mantida e a procuradora interina Elizeta Ramos não posterga decisões. Não se sente nenhuma solução de continuidade.
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