Folha de S. Paulo
Ninguém parece contestar a expansão do
semiparlamentarismo de proveitos e ameaças
O fato não é novo, mas o dinâmico ministro da
Justiça continua devendo maiores esclarecimentos sobre um ponto deixado em
suspenso: o seu não comparecimento, no dia aprazado, a uma sessão da CPI dos
atos golpistas na Câmara de Deputados, por alegadas razões de segurança. É
certo que ele depois se fez presente, mas ninguém pareceu querer inteirar-se
dos detalhes. Sabe-se que em Brasília o ministro virou alvo preferencial de
amigos e inimigos. De ataques verbais, supõe-se. Segurança pessoal é outra
coisa.
Não se trata de buscar cabelo em ovo, mas o episódio tem gravidade peculiar. Fica na mente a dúvida sobre se o perigo estaria no trajeto ou no interior da Câmara. Uma ameaça real ou suposta a um dos mais relevantes membros do governo deixa inquieta a cidadania democrática. Estranhamente, os parlamentares ouviram a justificativa, e o assunto morreu ali mesmo, por pouco relevante. É como se a lealdade cívica estivesse restrita à esfera da pequena política legislativa.
Afinal, é um novo tipo, inflado, de poder, e
ninguém parece contestar a expansão desse semiparlamentarismo de devorismo,
arroubos, proveitos e ameaças. Histórico: o governo anterior cavou a brecha,
abriram-se jogos vorazes por verbas, e o parlamento emparedou o governo. Os
métodos ultrapassam a razoabilidade legislativa. São democratas eleitos pelo
povo, dirão os otimistas.
E também democratas semileais, como define
Juan Linz, corroborado por Steve Levitsky e Daniel Ziblatt: "membros do
establishment político que parecem agir de acordo com as regras da democracia,
mas que, discretamente, as violam" (em "Como Salvar a
Democracia"). Para esses autores, é gente ambígua e perigosa, que
desempenha papel vital no colapso democrático.
O conceito submete-se à prova. Semileais são
aqueles, parlamentares ou não, que "negam ou diminuem a importância dos
atos violentos ou antidemocráticos cometidos por seus aliados".
Empresários e outros membros do establishment podem até não participar
diretamente desses ataques, mas semilealdade comporta tolerância e silêncio
para com o extremismo. Tentam limpar as mãos com a letra da lei, mesmo cientes
de que estão violando o seu espírito, a exemplo dos que investem contra o
jornalismo investigativo.
A semilealdade é caminho institucional para a
infiltração de organizações criminosas no poder público ou para ciladas
burocráticas como a visita da "dama do tráfico" a um ministério. É
também porta aberta para violência e ameaças, que perturbam tanto instituições
como a política de paz implícita na lealdade democrática. A mesma da frase
presidencial aos recém-chegados da Palestina: "Que vocês encontrem no
Brasil a paz que nunca tiveram em Gaza".
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