Valor Econômico
Mundo de fragmentação geoeconômica e blocos
comerciais liderados por China e EUA pode causar grandes perdas permanentes de
bem-estar para a Europa
A Comissão Europeia, braço executivo da UE,
considera que o desafio para se chegar à “última milha” das negociações para o
acordo birregional está do lado do Mercosul. As barganhas finais, quando os
políticos são chamados, não aconteceu no Rio nesta semana por causa da situação
na Argentina.
O Brasil, que passa a presidência do Mercosul para o Paraguai, acelerou as negociações nos últimos dois meses, mas sinaliza que não se podia atropelar os parceiros. Fonte em Brasília diz que o governo brasileiro respeita tanto o governo argentino atual (que não quis se comprometer com acordo às vésperas da posse de Javier Milei) como o governo francês (que anunciou publicamente ser contra o acordo). E que nem o Brasil nem a Comissão Europeia têm o poder nem deveria ter a “insensatez” de forçar um acordo antes da hora. Tudo tem seu momento, diz a fonte, insistindo que os dois blocos fizeram progressos nos textos e acordos estão perto de uma conclusão.
O lado europeu multiplica declarações de que
não poupará esforços para que “esse acordo histórico seja concluído o mais
rápido possível”. Em Bruxelas, o sentimento é de que agora a situação
envolvendo o futuro do acordo é puramente política, podendo mudar extremamente
rápido para ambas direções, de paralisia ou conclusão.
O novo drama das negociações UE-Mercosul
coincidiu com a publicação do estudo “Repensando a Geoeconomia: cenários de
política comercial para a economia da Europa” pelo Instituto Ifo, na Alemanha,
e que dá uma ideia também sobre desafios para o Brasil. Um dos autores é
Lisandra Flach, diretora do Centro de Economia Internacional do Ifo e
professora da Universidade de Munique. Ela é catarinense, está há 15 anos na
Alemanha, onde fez doutorado, e depois passou por Harvard e Universidade da
Califórnia para o pós-doutorado.
Pelas simulações do Ifo, um mundo de
fragmentação geoeconômica e blocos comerciais entre Oriente, liderado pela
China, e o Ocidente, liderado pelos EUA (incluindo a UE), causaria grandes
perdas permanentes de bem-estar para a Europa. Essas perdas seriam maiores se a
UE seguisse estratégia de “reshoring” (trazer a produção de volta para casa) e
se desvinculasse do comércio mundial. Isso acarretaria custos econômicos
significativos e prejudicaria a competitividade europeia. Parte dos insumos de
fora da UE seria substituída por produção local, mais cara. Um “reshoring”
unilateral da UE representaria perda de renda real para o bloco de até 4,7%.
A fragmentação geoeconômica da economia
mundial com base no conceito de “friendshoring” (encorajar empresas a voltar a
produzir em casa ou em países amigos próximos) levaria a uma redução permanente
considerável do bem-estar da UE, mas em um nível mais baixo que nos cenários de
“reshoring” completo. Em comparação com a UE, as perdas de bem-estar dos EUA
são menores e representam cerca de metade da dos europeus.
As três maiores economias globais - EUA,
China, UE -- compartilham importantes interdependências comerciais. Mas, ao
contrário da tendência da UE, a dependência da China em relação à demanda
externa e aos insumos estrangeiros vem caindo nos últimos anos e hoje está
abaixo dos respectivos níveis da UE.
A economia dos EUA tem menos exposição
comercial ao bloco oriental do que muitos países europeus. Para a China, no
entanto, o declínio na renda real seria ainda maior que para a UE.
A imposição de barreiras entre os dois
grandes blocos, liderados por EUA e China, torna o comércio entre eles muito
mais caro. Esses países precisam procurar alternativas de comércio, e isso pode
gerar até um ganho de renda para países não alinhados como Brasil, Índia e
México. O Brasil pode suprir mercados nos quais não seria competitivo de outra
forma. Setores de indústria que têm baixa competitividade no mercado externo
poderiam eventualmente se beneficiar.
O cenário mais vantajoso para o Brasil é,
portanto, buscar fazer comércio com todo mundo, como faz hoje. A questão é até
que ponto isso seria possível com um acirramento das tensões globais. O Ifo
examinou o cenário em que é provável que os países “não alinhados” têm que
escolher um dos lados em algum momento.
Um alinhamento com o bloco chinês seria o
pior cenário para o Brasil, com perda de “welfare” permanente de quase 2%. Já
alinhamento com o Ocidente teria perda menor, de cerca de 1%. Apesar de
atualmente a China ser o principal mercado de destino de produtos brasileiros,
os resultados demonstram a importância do comércio com EUA e UE.
No caso de alinhamento com o Ocidente, o
comércio entre Brasil e EUA/UE se intensificaria em razão da composição
setorial: o setor agrícola perderia 1% da renda real, chegando a -14% no caso
de grãos, pois o aumento de vendas para o Ocidente não seria suficiente para
cobrir a redução de vendas ao mercado chinês. Já o setor de minérios e a
indústria teriam ganhos porque aumentariam as vendas para o Ocidente de alguns
produtos antes exportados do Oriente, como indústria química, metalúrgica,
autopeças e máquinas e equipamentos.
Os tomadores de decisão são aconselhados a
repensar o campo de jogo da geoeconomia e estar preparados para diferentes
cenários de política comercial que podem surgir de novos riscos geopolíticos.
Uma melhor coordenação da diplomacia econômica e estratégia compartilhada para
reduzir os riscos geoeconômicos são decisivas para o desenvolvimento futuro do
projeto da UE - e vale para o Mercosul.
*Assis Moreira é correspondente em Genebra
2 comentários:
Este artigo deste Assis Moreira, o artigo encima deste, de Maria Cristina, e o artigo de Armínio Fraga se somam.
Por outro lado a política francesa de Marine Le Pen criou antes da disputa do 2⁰ turno das últimas eleições presidenciais o movimento social, que logo após sua eleição a Deputada, passou a presidência às mãos de Jordan Bardella o "rassemblement National" preocupados com as garantias do poder de compra da população francesa, qual já vem merecendo uma internacionalização do movimento, que vai levar seu lider a disputa de uma cadeira no Senado .
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