Brasil é crucial para conter crise entre Venezuela e Guiana
O Globo
Em arroubo nacionalista, Maduro convocou
plebiscito para reivindicar área petrolífera do país vizinho
Os venezuelanos deverão responder amanhã em
plebiscito se a região conhecida como Guiana Essequibo,
território da Guiana, deve ser parte da Venezuela.
A votação foi convocada pelo ditador Nicolás
Maduro na tentativa de legitimar a reivindicação dessa área
rica em recursos naturais, sobretudo petróleo. Correspondente a dois terços do
país vizinho, ela também faz fronteira com os estados brasileiros de Pará e
Roraima. Pela proximidade geográfica e pela posição de liderança regional, o
Brasil tem papel crucial a desempenhar, com apoio dos organismos
internacionais, para evitar um conflito armado desnecessário na América Latina.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva despachou para Caracas seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, com a missão de manifestar a preocupação do governo brasileiro com a escalada da tensão. Também na semana passada, o chanceler Mauro Vieira reforçou em reunião de países sul-americanos a posição brasileira em favor de solução negociada. Um reforço de 70 homens foi enviado à região fronteiriça numa medida preventiva. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, marcou reunião com Lula hoje em Dubai, em que deverá reiterar seu pedido de ajuda para evitar uma agressão venezuelana. É uma boa oportunidade para Lula exercitar a liderança brasileira no continente e aproveitar sua proximidade com Maduro para convencê-lo a recuar.
O PIB da Guiana quadruplicou nos últimos
cinco anos em razão da exploração petrolífera em alto-mar. Só neste ano
crescerá mais de 38%, pela estimativa do Fundo Monetário Internacional. Isso
fez Maduro reavivar uma disputa de 180 anos que estava adormecida desde 1966.
Ele afirma que as fronteiras então pactuadas “foram fraudadas pelo colonialismo
britânico”. Tenta inflamar o nacionalismo venezuelano para aumentar seu apoio
popular e compensar os efeitos políticos da crise econômica crônica. Na
reivindicação por Essequibo, obteve respaldo até da líder oposicionista María
Corina Machado, que ele próprio tornara inelegível. No clima político criado
pelo chavismo, o plebiscito é uma forma de proclamar que tem o povo a seu lado.
É temerário que, em pleno século XXI, haja
risco de conflito na América Latina em torno de uma questão que, por princípio,
deve ser resolvida por conversas diplomáticas. As divergências entre Venezuela
e Guiana estão na Corte Internacional de Justiça, em Haia, não reconhecida pelo
regime chavista. Enquanto o caso não é arbitrado, o tribunal decidiu ontem,
numa decisão de efeito mais simbólico que prático, que a Venezuela deve evitar
qualquer ação que “altere a situação no território em disputa”, pela qual a
Guiana “administra e exerce controle da área”, e que ambas as partes devem
evitar “agravar ou estender a disputa”.
É preciso evitar conflitos num continente que
precisa de paz para crescer e resgatar sua dívida social. Basta lembrar a
péssima experiência da Argentina em 1982, quando a ditadura militar,
enfraquecida, invadiu as Ilhas Malvinas, possessão do Reino Unido no Atlântico.
Restaram 649 argentinos mortos, na maioria jovens. Em 2016, na passagem de
Mauricio Macri pela Casa Rosada, os dois países concordaram em retomar os voos
regulares entre a Argentina e as ilhas. As lições dadas pelo passado recente
deveriam servir de alerta a Maduro sobre o risco dos arroubos nacionalistas.
Taxação de fundos offshore e exclusivos
fechados cria regra mais equânime
O Globo
Congresso reduziu as distorções e aperfeiçoou
projeto que governo enviou com objetivo de aumentar arrecadação
O Senado aprovou na quarta-feira o Projeto de
Lei (PL) que estabelece a taxação de fundos offshore (sediados no exterior) e
exclusivos fechados (destinados a poucos cotistas, em geral de alta renda ou
alto patrimônio). As mudanças são positivas por tornarem a tributação mais
justa. As regras nesses fundos eram distintas e mais vantajosas que nos fundos
comuns. Para o governo, a aprovação também significa mais arrecadação (estimada
em R$ 20 bilhões em 2024). É parte do plano para buscar cumprir as metas fiscais.
É verdade que o PL apenas tornou mais
equânimes regras cujo mérito e eficácia são discutíveis. Apenas no Brasil
existe a cobrança semestral de imposto sobre rendimentos em fundos conhecida
como “come-cotas”. Ela cria uma distorção no mercado, porque o cotista paga o
imposto antecipado (se o investimento desvaloriza no futuro, não há
ressarcimento). Noutros países, o imposto é pago quando o ativo é vendido e o
rendimento pode ser medido de modo preciso. Mas, já que o “come-cotas” vale
para fundos abertos, é justo que vigore também para os fechados.
Aprovado no final de outubro na Câmara, o
texto do PL sofreu alterações mínimas no Senado. Sob a relatoria do deputado
Pedro Paulo (PSD-RJ), a Câmara aparou as principais arestas da versão defendida
inicialmente pelo Ministério da Fazenda. Um dos problemas era a ideia de taxar
os fundos offshore em 22,5%, percentual bem acima dos 15% sugeridos para os
exclusivos fechados (alíquota idêntica à cobrada nos fundos de longo prazo no
Brasil). A intenção não declarada da Fazenda era promover repatriação dos investimentos.
Felizmente, o ataque ao princípio de uma economia aberta foi desarmado, com a
definição de 15% para ambos os tipos de fundo.
Outro ponto controverso dizia respeito às
regras de transição (tributação do rendimento acumulado nos fundos fechados
antes da aprovação da lei). O governo defendia uma taxa de 10%. Os deputados
fixaram a alíquota em 8% para investidores dispostos a pagar o valor devido em
quatro parcelas a partir de dezembro. Uma segunda opção será pagar 15% em 24
vezes mensais, começando em maio. Os cotistas de fundos offshore que optarem
por atualizar o valor também pagarão 8%.
Por fim, a Câmara achou um meio-termo para
fixar as normas dos fundos de investimento imobiliário e cadeias produtivas
agroindustriais, ambos isentos de Imposto de Renda (IR). Na opinião do governo,
a vantagem criava distorções. A sugestão da Fazenda era elevar o mínimo de
cotistas de 50 para 500. Os deputados impuseram um piso de cem participantes e
determinaram que uma família não poderá deter mais de 30% do patrimônio do
fundo, inibindo seu uso para evitar pagar IR.
No Senado, o relator, senador Alessandro
Vieira (MDB-SE), não alterou o mérito do texto, que passou por
votação simbólica (Vieira nem estava na sessão). O governo celebrou o impulso à
arrecadação. Os R$ 20 bilhões sem dúvida ajudarão, mas ainda falta muito para
alcançar a meta de déficit zero prevista para o ano que vem.
Petrobras em risco
Folha de S. Paulo
Mudança no estatuto que facilita indicação
política não é única ameaça à estatal
Não foi surpresa, infelizmente, a aprovação
com 55% dos votos de alteração no
estatuto da Petrobras com objetivo de facilitar indicações políticas para
cargos na companhia. Mais uma vez o PT insiste em enfraquecer as melhores
práticas de governança em estatais.
Nunca foi mistério que o governo Luiz Inácio
Lula da Silva e o partido tentariam
reverter as limitações trazidas pela Lei das Estatais, aprovada em
2016 como resposta aos escândalos de corrupção e má gestão que marcaram as
administrações petistas anteriores.
A tarefa foi facilitada pelo ex-ministro do
Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que antes de sua aposentadoria
suspendeu as restrições por liminar. A decisão monocrática até hoje não foi
julgada pelo plenário da corte, mas os impactos ocorrem na Petrobras e em
outras empresas nas quais a União tem participação.
Foram suprimidas do estatuto justamente as
vedações previstas na Lei das Estatais e atingidas pela liminar. Sobre
conflitos de interesse, foi inserida nova redação com veto apenas aos casos
expressamente proibidos na legislação.
Caem, assim, as barreiras principais para a
entrada de apaniguados políticos, entre elas a necessidade de quarentenas para
nomeações. Ainda há impedimento do Tribunal de Contas da União (TCU), que
deliberou que a estatal não poderá registrar a alteração aprovada antes do
julgamento final de uma ação em tramitação no tribunal.
Mas a esta altura não deverão restar maiores
obstáculos, a não ser que o plenário do Supremo derrube a liminar de
Lewandowski e restaure o texto da lei. É o que deveria ser feito, mas não se
veem sinais dos ministros nesse sentido.
A governança da Petrobras não deve retroceder
à situação de descalabro que prevaleceu nos mandatos passados de Lula e sob
Dilma Rousseff (PT), dado que o escrutínio da sociedade é maior hoje. Também
houve aperfeiçoamento dos mecanismos internos de controle, que são difíceis de
eliminar.
Entretanto há outras frentes em que os riscos
podem se acumular, caso do plano de investimentos. Há pressão do governo para
que a estatal expanda a atuação em áreas como energia renovável e
fertilizantes, além de conceder estímulo à indústria naval.
O planejamento anterior previa aportes de US$
78 bilhões em cinco anos, com foco predominante em exploração de petróleo. A
versão revisada nas últimas semanas indica US$ 91 bilhões (há US$ 11 bilhões
para novos projetos e aquisições). O risco é que desvio de foco e má gestão
tragam novos prejuízos.
Olho atento na Petrobras é o que se espera
dos órgãos de controle.
A saga dos agrotóxicos
Folha de S. Paulo
Aprovado, texto sobre pesticidas agiliza
burocracia, mas há pontos problemáticos
Impulsionado por ruralistas e rechaçado por
ambientalistas, o projeto de lei que facilita autorizações
para o comércio de agrotóxicos foi aprovado pelo Congresso, depois
de mais de duas décadas de tramitação, e vai à sanção presidencial.
O ponto mais problemático se refere ao
esvaziamento das atribuições da Anvisa e do Ibama, que assumem papel de
consultores, enquanto as liberações se concentram no Ministério da Agricultura.
Não há motivo evidente para eliminar o
sistema tripartite ora em vigor, mesmo considerando a antiga reclamação
legítima do agronegócio sobre a lentidão burocrática para a concessão de
registros.
De fato, com o avanço veloz da tecnologia, a
demora excessiva, com casos de até dez anos, é injustificável. Contudo o
problema poderia ser sanado com incrementos nos órgãos avaliadores.
Deve-se considerar que, no primeiro
semestre deste ano, foram liberados 231 produtos —ritmo similar
ao do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) e número acima da valor
anual de qualquer mandato federal do PT.
De todo modo, a estipulação no projeto de um
período para liberações é sensata. O prazo máximo pode variar de 30 dias (para
produtos destinados apenas à pesquisa) a dois anos (produtos novos).
Os senadores demonstraram sobriedade ao
aprovar o diploma com alterações e supressões sugeridas pelo parecer da
Comissão de Meio Ambiente da Casa.
Eliminou-se, assim, o temerário registro
temporário para pesticidas que não foram avaliados dentro do período
estipulado, inclusive para produtos novos com moléculas desconhecidas.
Mas outro problema não foi resolvido. A lei
atual proíbe expressamente agrotóxicos com ações teratogênica (que afetam a
formação fetal), mutagênica (dano ao DNA celular) ou carcinogênica (geração de
tumores) atestadas pela ciência.
No projeto, esse trecho foi substituído pela
proibição de produtos que apresentam "risco inaceitável". Para o
Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Ministério Público Federal, o termo
vago abre uma brecha perigosa para pesticidas de efeitos hoje vedados.
É sabido que a agricultura global não pode prescindir de agrotóxicos e que o setor precisa se manter em constante atualização tecnológica, mas espera-se que o Ministério da Agricultura não alije outras visões dos processos de registro. A sociedade só tem a ganhar quando economia, saúde e meio ambiente trabalham em conjunto.
Está aberta a porteira na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Rolo compressor do governo Lula altera
estatuto da petroleira para retirar amarras que impediam loteamento de cargos e
uso político da companhia; TCU e STF ainda podem impedir
O artigo 21, que a Petrobras jogou no lixo
nesta semana ao invalidar sua base mais sólida, é um dos mais extensos dos 60
que compõem o estatuto da companhia e ditam as normas de seu funcionamento. Ao
esmiuçar, com todos os pormenores possíveis, as exigências para validar
indicados à alta administração da empresa, esse artigo buscou interromper o
loteamento político dos cargos de comando, prática que atravessou governos, mas
ganhou dimensão piramidal nas gestões petistas.
A trava, montada em 2016, quando a reputação
da companhia havia sido puxada para o fundo do poço pelos escândalos de
corrupção e manipulação política, não chegou a durar uma década. De volta ao
poder, o governo petista, sem o menor pudor, desobedeceu à legislação logo na
chegada, indicando um petista com mandato no Senado para presidir a Petrobras.
Em seguida, instalou secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) no
Conselho de Administração. Por fim, para tornar perene a desobediência, rasga o
estatuto na parte que bloqueava a interferência política.
Para o governo não foi difícil. Embora
controle a petroleira com menos de 37% do capital total, a participação que a
União detém nas ações com direito a voto supera os 50%. Assim, o governo Lula
da Silva passou o rolo compressor na reunião de acionistas que mudou as regras
estatutárias da Petrobras. Mais especificamente as que impediam que seus
dirigentes e conselheiros representassem algum conflito de interesses para a
companhia.
O empoderamento do Comitê de Indicação,
Remuneração e Sucessão da empresa, responsável por analisar o cumprimento dos
requisitos de todos os indicados aos cargos, também desceu pelo ralo. Na
verdade, o órgão interno de governança já havia sido desautorizado antes,
quando vetou os dois conselheiros indicados pelo MME e a decisão foi revertida
por força de uma conveniente liminar do então ministro do STF Ricardo
Lewandowski, que hoje, aposentado, figura na lista de cotados por Lula para
substituir Flávio Dino no Ministério da Justiça.
A decisão isolada de Lewandowski, proferida
em março, até hoje não foi levada ao plenário da Corte. Há expectativa de que o
julgamento finalmente ocorra nos próximos dias, quase nove meses depois da
decisão monocrática do ministro que suspendeu o trecho da Lei das Estatais que
restringe indicações de conselheiros que sejam titulares de cargos públicos. Na
época, o governo usou também essa decisão para garantir a permanência de
Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES).
Agora, com base na decisão de Lewandowski, os
representantes da União no Conselho de Administração propuseram a mudança no
estatuto. E assim segue a Petrobras, com um erro sustentando o outro. Na
manobra articulada pelo governo Lula da Silva, o que menos importa é a
integridade da empresa que – é importante frisar – é uma sociedade de capital
misto, com acionistas que não estão em busca de votos, mas sim de uma gestão
eficiente.
Esses investidores não são crédulos a ponto
de comprar o discurso do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que disse
que “em absolutamente nenhum momento houve o desejo de contaminar a Petrobras
com interesse político colocando gente lá por conta dessas mudanças”. Ao que
parece, há uma presunção generalizada no governo de que qualquer meio justifica
o fim que, no caso, é a perpetuação de um projeto de poder.
Está aberta a porteira da Petrobras para a
entrada de integrantes do governo e seus aliados, políticos em exercício de
mandato, dirigentes sindicais e partidários e colaboradores de campanhas
políticas. Exatamente como ocorreu em gestões anteriores do PT, com uma
ingerência política que desconhecia limites morais, éticos e até mesmo legais,
que levou a companhia à beira do abismo.
Apenas o entendimento contrário dos ministros
do Tribunal de Contas da União (TCU) poderá interromper esse movimento
afrontoso. Como o TCU apura irregularidades na política de indicações para
cargos na empresa, somente após o julgamento, se o resultado for favorável à
União, esse desrespeito poderá ser oficializado.
Cheiro de manobra fiscal no ar
O Estado de S. Paulo
Há formas e formas de propor políticas
públicas para reduzir a evasão no ensino médio. Bolsas são meritórias, mas não
devem ser razão para o governo Lula reeditar a contabilidade criativa
O governo Lula da Silva editou uma medida
provisória que cria um programa de bolsas para incentivar alunos de baixa renda
a concluírem o ensino médio. A proposta é meritória, sem sombra de dúvidas,
haja vista os elevados índices de evasão e abandono escolar registrados no
ensino público, especialmente entre jovens vulneráveis.
Um estudo do Serviço Social da Indústria no
Rio de Janeiro (Firjan Sesi), realizado em parceria com o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), constatou que 500 mil jovens acima dos 16
anos desistem dos estudos anualmente. A probabilidade de que um jovem na faixa
dos 20% mais pobres termine o ensino médio é de apenas 45%, ante 94% entre os
20% mais ricos.
A evasão tem múltiplas causas, mas aumenta
muito no primeiro ano do ensino médio. Fica claro, portanto, que os jovens que
chegam até essa etapa precisam de incentivo para não abandoná-la. Concluir o
ensino médio não é garantia de condições de vida melhores, mas certamente torna
a mobilidade social um pouco menos desafiadora.
Dito isso, há formas e formas de propor
políticas públicas para solucionar um mesmo problema. E o governo não escolheu
a melhor delas. Em vez de inserir o programa no Orçamento e tratá-lo com a
prioridade e a transparência que ele requer, o Executivo optou por criar um
fundo privado para financiar as bolsas. Administrado pela Caixa, ele receberá
até R$ 20 bilhões em aportes da União, ações de estatais e recursos arrecadados
em leilões de petróleo.
O governo se limitou a publicar a medida
provisória que cria o programa em edição extra do Diário Oficial da União. Não
detalhou como o fundo será gerido, quanto pretende aportar neste ano e se esses
recursos serão contabilizados dentro ou fora do limite de despesas. Mas o
Senado respondeu a todas essas questões ao aprovar um projeto de lei
complementar nesta semana. Serão R$ 6 bilhões neste ano fora do limite de
gastos, na primeira deturpação no arcabouço fiscal.
Supõe-se que Lula da Silva decidiu cumprir a
promessa de campanha que garantiu a ele o apoio da então candidata Simone Tebet
no segundo turno da eleição. Mas o programa de bolsas defendido pela atual
ministra do Planejamento tinha como base o Projeto de Lei de Responsabilidade
Social (PL 5343/2020), do ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Parece a mesma coisa, mas não é. Em vez de um
fundo privado, a proposta do ex-senador mantinha tudo dentro do Orçamento, com
total observância das metas fiscais. Os benefícios teriam múltiplas fontes de
financiamento, entre as quais recursos de emendas parlamentares. O projeto
previa, também, o corte de subsídios para abrir espaço para o programa no
Orçamento. Isso demanda tempo para debate e negociação – tudo que uma medida
provisória não oferece.
O ex-senador nunca escondeu que sua fonte de
inspiração era uma proposta dos economistas Fernando Veloso, Marcos Mendes e
Vinícius Botelho, publicada pelo Centro de Debates de Políticas Públicas
(CDPP). É justamente por essa razão que não se deve ignorar a crítica de Marcos
Mendes à iniciativa do governo, uma desfiguração da ideia original das bolsas.
Em entrevista ao Estadão, Mendes questionou a
sistemática do fundo e a forma como o benefício será financiado. “Isso tem
nome: se chama contabilidade criativa, despesa extraorçamentária, política
parafiscal. Esse filme a gente já viu”, disse.
A baixa escolaridade está na origem de muitos
outros obstáculos que se interpõem na passagem da infância e adolescência para
a vida adulta. Dificulta a inserção no mercado de trabalho, empurra os jovens
para a informalidade, impõe rendimentos menores e não proporciona uma rede de
proteção social.
Por tudo isso, enfrentar a evasão no ensino
médio é urgente. É algo que beneficiará não apenas os jovens vulneráveis, mas
toda a sociedade brasileira. Reconhecer um grave problema social, no entanto,
requer escolhas, ou seja, criar condições para custeá-lo no Orçamento sem
recorrer a manobras e atropelar as regras fiscais. Essa alternativa sinaliza a
escolha de um caminho perigoso, e o País sabe onde ele termina.
Faroeste amazônico
O Estado de S. Paulo
Omissão do Estado amplia domínio e violência
do crime organizado sobre a Amazônia Legal
O fato de a Amazônia Legal brasileira ter
sido dominada pelo crime organizado, sob o vácuo da presença do Estado, está
consumado. Se havia dúvidas sobre a dimensão das atividades criminosas de 22
facções nacionais e estrangeiras, sobretudo nas faixas de fronteira, o Fórum de
Segurança Pública (FSP) as dirimiu em sua segunda edição do relatório
Cartografias da Violência na Amazônia. Não há no País região mais violenta nem
menos preparada para o combate aos cartéis fortemente armados. Enraizados há
anos no lucrativo trânsito de drogas, seus negócios abarcam hoje toda sorte de
crimes contra o meio ambiente e aterrorizam a população local.
Os estarrecedores dados do relatório
pressionam as três esferas de governo a reforçar e integrar seus contingentes
policiais, militares e de órgãos ambientais. Diante das discussões em curso na
Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Dubai, a COP-28, o
alerta do FSP de que a preservação da floresta em pé está sob a ameaça dos
cartéis impõe ao poder público o dever de apresentar respostas eficazes e
efetivas. “Não há como avançar na agenda ambiental se o projeto de mudança
pensado para o bioma não contemplar segurança pública como uma das dimensões
que precisam ser consideradas urgentes”, advertem os pesquisadores do Fórum.
Não só a dimensão ambiental se impõe em tal
desafio. As populações de 178 municípios da Amazônia Legal – 23% do total –
tornaram-se reféns de facções como o PCC, o Comando Vermelho, a Família do
Norte e os cartéis mexicanos e colombianos. Comunidades urbanas, rurais,
indígenas e quilombolas vivem cotidianamente sob a ameaça de garimpeiros, de
madeireiros e de traficantes de drogas e armas – todos com poder de vida e de
morte. Prova disso está no crescimento de 76,7% no índice de assassinatos no
Norte de 2011 a 2022, enquanto no Brasil, como um todo, recuou 5,2%. As mortes
violentas na região alcançaram 36,5 por 100 mil habitantes no ano passado,
patamar muito acima da média brasileira de 23,3 por 100 mil.
A pequena Floresta do Araguaia (PA), com 18
mil habitantes, lidera o infame ranking do FSP das cidades mais violentas da
região, com 128,6 assassinatos por 100 mil habitantes. Está mergulhada no
terror. O quadro de barbaridades completa-se com os níveis mais elevados de
estupros e feminicídios na Amazônia Legal, quando comparados aos do restante do
País, e a incontornável exposição da população local aos delitos secundários
das facções, que vão da lavagem de dinheiro ao tráfico humano, passando pela
exploração sexual e o trabalho escravo.
A vida dos brasileiros nesse verdadeiro faroeste amazônico está sob perigo sem precedentes. Os mais de 9.000 assassinatos na região no ano passado, entre os quais os do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, atestam os riscos. A omissão dos governos federal e estaduais já constitui grave irresponsabilidade humanitária e ambiental. Se continuar, equivalerá também à entrega da soberania brasileira sobre a Amazônia Legal aos cartéis do crime organizado.
Contagem regressiva para uma tragédia
ambiental
Correio Braziliense
Desde 2019, vários bairros se tornaram fantasma. Mais de 14 mil imóveis estão ameaçados e 54 mil pessoas foram afetadas. A Brasken tem 35 minas de sal-gema espalhadas em Maceió, com profunidade média de 886 metros
De acordo com a Defesa Civil de Maceió, o
desmoronamento de uma das minas de sal-gema da Braskem na capital alagoana pode
tragar, a qualquer momento, parte considerável do bairro de Mutange, nas
proximidades da Lagoa do Mundaú. O deslocamento vertical acumulado da Mina 18 é
de 1,42m e a velocidade vertical, de 2,6cm por hora. A população remanescente
do bairro foi avisada na quarta-feira, por SMS, que deveria abandonar
imediatamente suas casas devido ao risco de desabamento, largando tudo para
trás.
Desde junho de 2019, Pinheiro, Mutange e
Bebedouro se tornaram bairros fantasmas. Parte do Bom Parto e do Farol também.
Mais de 14 mil imóveis estão ameaçados e 54 mil pessoas foram afetadas. A
Braskem tem 35 minas de sal-gema espalhadas em Maceió, com profundidade média
de 886 metros, mas algumas chegam a mais de 1,6 mil metros de profundidade.
Desde novembro, cinco tremores de terras
provocaram um alerta de risco iminente de colapso da Mina 18, no Mutange;
outras duas podem desmoronar. A extração de sal-gema, utilizada na fabricação
de soda cáustica, plástico para embalagens e PVC, começou na década de 1970,
com a Salgema Indústrias Químicas S/A, que se tornaria a Braskem. O método de
extração é muito predatório: injetar água para dissolver e bombear o sal.
As rachaduras surgiram em fevereiro de 2018,
uma delas com 280 metros de extensão. No mês seguinte, houve o primeiro tremor,
com novas rachaduras, abertura de crateras e danos aos imóveis do bairro
Pinheiro. Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) confirmou que a
instabilidade no solo foi causada pela mineração.
Desde então, a Braskem vem tentando tamponar
as minas que ameaçam desabar com areia, porque isso era feito apenas com água e
deu errado. Entretanto, o fracasso dessa alternativa foi varrido para debaixo
do tapete. As soluções pactuadas com a Prefeitura de Maceió e órgãos ambientais
foram insatisfatórias. Não existe transparência em relação às medidas tomadas e
a população é mantida à margem dessas tratativas.
Repete-se a mesma situação de Mariana e
Brumadinho, em Minas Gerais, onde as represas de resíduos de ferro da Vale se
romperam, provocando destruição e morte, por irresponsabilidade da empresa e
falta de fiscalização ambiental adequada. Até agora, ninguém morreu nas áreas
afetadas de Maceió, mas os prejuízos econômicos são enormes. Agora, tragédia
ambiental iminente pode ser de proporções inéditas no mundo: as águas da lagoa
do Mundaú podem ser sugadas pelas minas.
A Braskem afirma que "a área de serviço
da empresa, onde são executados os trabalhos de preenchimento dos poços, está
isolada desde a tarde da terça-feira, em cumprimento às ações definidas nos
protocolos de segurança". A empresa diz que 99,3% dos imóveis da área de
risco foram realocados, desde novembro de 2019.
Ainda segundo a Braskem, os dados de monitoramento demonstram que a acomodação do solo segue concentrada na área desta mina, mas pode ser abrupta. Com escritórios e plantas nas Américas, na Europa e na Ásia, a Braskem atende clientes em mais de 70 países. É a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas e líder mundial na produção de biopolímeros.
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