O Globo
Enquanto Haddad reverte má vontade de
agentes econômicos, presidente não consegue nem demitir ministra inoperante
administrativa e politicamente
Passado quase meio ano, as expectativas
para o governo Lula se inverteram e, hoje, as boas notícias vêm da economia,
enquanto a política inspira cuidados.
Enquanto Fernando Haddad conseguiu superar
uma enorme má vontade dos agentes econômicos quando de sua indicação para a
Fazenda e articulou não apenas o projeto do arcabouço fiscal, mas um plano de
aonde quer chegar ao fim de quatro anos, os demais ministros patinam entre
propostas do passado — as que outrora deram certo e até aquelas que já se
mostraram equivocadas quando eram novas — e a dificuldade de fazer deslanchar
as políticas públicas em suas áreas.
Foi o economista José Roberto Mendonça de Barros quem fez essa síntese que me deu o mote para a coluna. Louvado sempre por seu tirocínio político, Lula não consegue, no momento, sequer decidir se demite uma ministra até aqui inoperante administrativa e politicamente como Daniela Carneiro.
Haddad conseguiu superar primeiro o fogo
amigo petista, atiçado com lança-chamas já na transição. Ali ele ganhou créditos
para validar seu projeto de arcabouço e enviá-lo ao Congresso. Obteve êxito
naquilo que o resto do governo está longe de alcançar: convencer Arthur Lira a
trabalhar quase de graça pela aprovação da matéria. Agora arranca palavras
elogiosas até de Roberto Campos Neto, que, de forma infantil, Lula e o PT
tentaram transformar em inimigo público número um nos primeiros dias de
mandato.
Isso não significa que o ministro da
Fazenda seja um gênio, mas que ele fez aquilo que se imaginava que o presidente
e os demais ministros fariam: olhou o cenário do país polarizado, avaliou até
onde poderia ir, reconheceu que teria contra si uma enorme desconfiança e traçou
um plano para cada um desses obstáculos. Para alguém que já foi acusado de
perder a reeleição para prefeito de São Paulo em parte pela arrogância de achar
que seus projetos eram visionários demais para ser compreendidos pelo eleitor,
é uma evolução e tanto.
O que impediu o ministro da Educação,
Camilo Santana, de ter, ao assumir o MEC destruído por Jair Bolsonaro, um plano
acabado para a alfabetização — tendo como ponto de largada os ótimos resultados
da experiência no Ceará — e um caminho sobre o que fazer com o ensino médio?
Só agora saiu o Compromisso Nacional
Criança Alfabetizada, que tem a ambiciosa meta de zerar o analfabetismo de
crianças até o 2º ano do ensino fundamental em quatro anos e estabelece
recursos para isso, mas que deixa de fora o domínio de matemática básica,
enquanto o mundo considera, para efeito de rankings e estatísticas,
proficiência nas duas áreas.
Na novela do ensino médio, foi dado mais
prazo para uma consulta que parece destinada a dar tempo ao governo, ciente de
que sua base política exige uma revogação total da reforma feita em 2017, que o
Congresso nunca aprovará. Mais eficaz, corajoso e justo com os alunos seria
admitir essa realidade política — que, ademais, é a síntese da relação
Executivo-Legislativo — e propor o que fazer.
A ausência de políticas públicas
consistentes na largada da maioria das pastas, conjugada com a dificuldade de
montar um primeiro escalão que se reflita em maioria no Congresso, é hoje
entrave para que Lula possa surfar na fase de boas notícias na economia.
Essas são impulsionadas, em parte, pelo
ganho de confiança na Fazenda e no restante da equipe econômica. Permitem
vislumbrar, sem estridência, um horizonte para a tão sonhada queda dos juros a
partir de agosto e um crescimento em 2023 superior a 2%, suficiente para que o
presidente volte a construir uma popularidade sólida.
Eis um modelo para que o governo não apenas
troque nomes de lugar e fique eternamente ajoelhado no altar de exigências de
Lira, mas faça uma reforma mais profunda, de eixo e de propósitos.
Um comentário:
Fato.
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