Lula põe acordo de Mercosul com UE de volta no limbo
Valor Econômico
“Side letter” que pode ter se tornado um
álibi para que o acordo com o Mercosul não prospere
Tanto o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, como o da Argentina, Alberto Fernández, que dirigem as duas maiores economias do Mercosul, manifestaram disposição de rever partes do acordo com a União Europeia, concluído em junho de 2019, após duas décadas de negociações, por seus adversários políticos e antecessores, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri. Nesta semana, a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, se reuniu com Lula e polidamente divergiram. Em tese, o desejo de ambos é concluir o acordo até o fim do ano. Os obstáculos levantados por países dos dois lados colocam o objetivo em dúvida.
Apenas em março a União Europeia enviou ao
governo brasileiro uma prometida “side letter”, originalmente elaborada para
não dar carta branca, como se não tivesse relação com o acordo comercial, à
devastação ambiental ampla, geral e irrestrita promovida por Bolsonaro.
Finalizado o acordo, governos europeus, sob impacto de grandes incêndios na
Amazônia e desflorestamento desenfreado, exigiram garantias adicionais de que o
compromisso ambiental, que é um norte da política do bloco europeu, fosse
respeitado pelo governo brasileiro. Por isso até hoje o acordo não foi
ratificado pela maioria dos parlamentos.
A volta de Lula à Presidência ressuscitou a
agenda ambiental positiva do Brasil, em especial o combate à destruição da Amazônia,
mas a UE, por erro de timing ou não, insistiu na “side letter” que pode ter se
tornado um álibi para que o acordo com o Mercosul não prospere, um pretexto
para que as tendências protecionistas de Brasil e Argentina prevaleçam. Uma
“side letter”, como o nome sugere, não reabre o acordo, ou pelo menos não
deveria. Mas é para isso que está servindo.
Um capítulo à parte é saber o que está
escrito nesta carta, não divulgada. O Itamaraty critica seus termos “duros”,
com exigências de metas ambientais e sanções para seu descumprimento. Outras
fontes dizem que ela não menciona sanções nem traz exigências adicionais sobre
os itens sobre desenvolvimento sustentável inscritos no acordo e com os quais o
Brasil se comprometeu no Acordo de Paris. À primeira vista não faz sentido
endurecer os termos com governantes como Lula, que são favoráveis às causas
ambientais, ao contrário de Bolsonaro, e pôr em risco 20 anos de negociações. A
“side letter”, por outro lado, poderia ser um instrumento de governos
protecionistas europeus, como o da França, para que o acordo fracassasse. Se o
documento contém tudo o que o governo brasileiro afirma, ele então deveria ser
justamente refutado.
Lula quer mexer em um ponto já acordado, o
das compras governamentais, que passariam a ser acessíveis a empresas europeias
interessadas em disputar licitações. O presidente disse que isso inibiria
estímulos a pequenas e médias empresas nacionais e tolheria sua política de
“reindustrialização”. Não se sabe da disposição da UE em rever o assunto, abrindo
um precedente que seria seguido pela Argentina, cujo governo afirmou diversas
vezes que o entendimento é prejudicial à indústria do país. Também não se sabe
se o peronista Alberto Fernández terá tempo de insistir em suas demandas,
diante de uma eleição presidencial em breve que é bem desfavorável a seu
partido.
Em reunião com der Leyen, Lula criticou a
legislação europeia que proíbe compra de produtos de áreas desmatadas a partir
de 2020, o que inclui soja, café, carnes, palma, madeira, borracha e outros. O
Brasil tem razão ao reclamar que a nova lei, em sua interpretação, não leva em
conta o desmate de 20% da propriedade permitida no bioma. Ao atacar o
desmatamento, porém, a UE é aliada do Brasil - o desflorestamento legal na
Amazônia é ridículo diante da destruição ilegal, recorde em 2022.
O confronto Estados Unidos e China reabriu
as portas ao protecionismo, mas o acordo Mercosul-UE poderia ser um antídoto
geopolítico em mais de um sentido. Daria mais uma chance preciosa de reinserção
da indústria brasileira nas cadeias globais de produção, formando um bloco de
perto de US$ 20 trilhões com a UE, segundo parceiro comercial do Brasil - um
dos países mais fechados ao comércio exterior do mundo. De outro lado,
escaparia da opção de alinhar-se quer aos EUA, terceiro parceiro comercial,
quer à China, principal destino das exportações brasileiras, sem aliená-los das
relações comerciais. Ademais, seria o primeiro acordo comercial realmente
significativo do Brasil com o mundo desenvolvido.
A Europa tem esse objetivo geopolítico em
mente. Não pretende ficar refém da polarização e quer firmar um lugar no mundo
multipolar compatível com sua pujança militar e econômica, atraindo potências
médias, como o Brasil, para seu lado.
As desavenças podem ser aparadas com vontade política. O PT, porém, é contra o acordo - contra todos acordos comerciais com os países ricos -, com os argumentos surrados de sempre, entre eles o de que restringem a soberania nacional. Com esta mentalidade, não é de se estranhar que nenhum tenha sido feito em 13 anos de governos petistas.
Postura de Lula ameaça acordo já fechado
com EU
O Globo
Ao tentar revogar compromissos já
assumidos, presidente faz o jogo dos protecionistas europeus
É do interesse do Brasil um acordo de
livre-comércio entre Mercosul e
União Europeia (UE). Por isso causam preocupação as declarações do presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva em Brasília em encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen. Lula criticou exigências dos negociadores da UE na área ambiental e
disse querer rever um mecanismo do texto já acordado sobre a participação de
empresas europeias em compras governamentais. Não está claro se o objetivo é
aparar arestas pontuais e firmar logo o acordo ou criar empecilhos, para assim
reabrir a negociação iniciada em 1999 e concluída em 2019, adiando
indefinidamente a implementação. A segunda possibilidade seria desastrosa para
o Brasil, tanto do ponto de vista comercial como geopolítico.
O acordo firmado prevê a eliminação de
impostos de importação para mais de 90% dos bens comerciados entre os dois
blocos ao longo de um período de transição de 15 anos. Embora as vantagens
comerciais para o setor industrial sejam menores, pois as tarifas europeias já
são baixas, a implementação elevará os investimentos e favorecerá a integração
brasileira a cadeias globais. Para o setor agrícola, o ganho advém do aumento
das cotas para diversos produtos. Por tudo isso, não surpreende que entidades
representativas de empresários industriais e do campo sejam favoráveis ao
tratado.
O acordo é um primeiro passo para abrir a
economia brasileira — ainda uma das mais fechadas do planeta — à competição.
Negociações multilaterais envolvendo dezenas de países são consideradas
impossíveis na atual conjuntura internacional. As grandes potências não mostram
interesse nessa alternativa, e a Organização Mundial do Comércio (OMC) sofre há
anos uma erosão de poder. O único caminho disponível para a liberalização
comercial hoje é a assinatura de acordos entre países ou blocos.
Do ponto de vista geopolítico, também faz
sentido estreitar a aproximação com os europeus. Num momento em que a disputa
entre Estados Unidos e China só faz crescer, o Brasil precisa escapar das
armadilhas dessa bipolaridade. Estreitar os laços com os europeus seria uma
maneira salutar de evitar ser forçado a escolher um dos lados, ampliando as
opções.
A crítica de Lula às exigências ambientais
é válida. Apresentado no começo do ano, um adendo exige uma meta impraticável
para o fim do desmatamento e prevê sanções em caso de descumprimento. O
artifício parece uma maquiagem ambiental para o velho protecionismo. Reduzir o
desmatamento é interesse também do Brasil e, com boa vontade, as exigências
poderiam ser reformadas ou eliminadas.
O caso das compras governamentais é
distinto. Obcecado pela ideia de política industrial, Lula quer barrar a
participação dos europeus em licitações do governo, voltando atrás num
compromisso já assumido pela diplomacia brasileira. Se insistir, dará oportunidade
para que a UE apresente velhas e novas demandas. Já será difícil garantir todas
as aprovações necessárias para que o texto do acordo entre em vigor (27
parlamentos nacionais, fora o Parlamento Europeu). Reabrir as negociações
depois de fechado o texto só piora a situação. É tudo o que os protecionistas
europeus querem para dinamitar o acordo. Será provavelmente o fim de um tratado
fundamental para dinamizar a economia brasileira. Infelizmente, talvez seja
esse o plano de Lula.
Congresso precisa apressar aprovação do
novo mercado de carbono no Brasil
O Globo
Substitutivo proposto pelo governo está no
início voltado para indústria, mas alcance precisará ser mais amplo
Depois de muita demora, o Planalto concluiu
uma minuta de substitutivo para o Projeto de Lei que cria um mercado de
créditos de carbono no país. Trata-se de instrumento essencial para financiar a
redução das emissões de gases do efeito estufa. O mercado não existe para
distribuir licença para continuar a expelir gases na atmosfera, mas para
incentivar a despoluição.
Empresas que reduzirem as emissões disporão
de um mecanismo formal para negociar esse crédito com outras que enfrentam
dificuldades para diminuir as suas. Para poder poluir mais, elas pagarão a quem
ajudar a despoluir. Isso incentivará a transição rumo à economia limpa e
tornará mais fácil a adesão brasileira ao mercado global de carbono em
negociação.
Na União Europeia, entre 2005 e 2021, o
mercado de carbono ajudou a reduzir as emissões em 35% (o objetivo europeu é
ser neutro em carbono em 2050). No Brasil, pela estimativa da Coalizão Brasil
Clima, Florestas e Agricultura, regulá-lo permitiria somar R$ 2,8 trilhões ao
PIB e gerar 2 milhões de empregos até 2030.
O Congresso precisa recuperar o tempo
perdido. As discussões estão empacadas na Câmara há um ano e meio. O ideal é
que em 2025 o país tenha o que mostrar na COP30, confirmada pelas Nações Unidas
para Belém. Será desastroso se o mercado brasileiro já não estiver negociando
volumes de carbono compatíveis com o tamanho e a relevância ambiental do país.
Do total de 2,4 bilhões de toneladas
emitidas pelo Brasil, o desmatamento responde por quase metade, seguido pelos
setores de agropecuária e energia. Apesar disso, a minuta do novo Projeto de
Lei está voltada sobretudo para a indústria, responsável pela emissão anual de
algo como 100 milhões de toneladas. São mais visadas as atividades de
siderurgia, química, petroquímica, cimento e alumínio. A adesão desses setores
será um avanço, mas o alcance precisará ser mais amplo.
Pelo projeto, nos dois primeiros anos as
empresas terão de informar ao governo suas emissões, para haver um histórico de
poluição que permita definir o teto de emissões por empresa e setor. A partir
daí, repetindo a experiência europeia, o governo emitirá os primeiros créditos
de carbono para elas se familiarizarem com o mercado. Se necessitarem de mais,
terão de cortar emissões ou comprar novos créditos de quem reduziu as suas ou
capturou carbono da atmosfera (por reflorestamento ou outros meios).
Até agora, a negociação de créditos de carbono ocorre no Brasil apenas de forma voluntária. A partir da criação do mercado, quem lançar na atmosfera mais de 10 mil toneladas por ano será obrigado a relatar suas emissões e a negociar seus direitos dentro do teto estabelecido. Os mecanismos de livre negociação funcionarão então para alimentar negócios que auxiliem a reduzir as emissões de gases. É o caminho economicamente mais sensato para limpar a atmosfera do planeta e combater o aquecimento global.
Trégua econômica
Folha de S. Paulo
Melhora de expectativas cria chance para o
governo, que precisa fixar confiança
Graças a um tanto de sorte e outro de
mérito, as últimas semanas foram de melhora das expectativas econômicas de
curto prazo.
Com a ajuda do recuo dos preços globais de
matérias-primas, o IPCA caiu a
0,23% em maio, menos do que esperava a maior parte dos analistas. As
projeções para este 2023 enfim deixaram a casa dos 6% e se encontram em torno
de 5,4% agora —o que torna mais provável o início do corte dos juros do Banco
Central.
O Produto Interno Bruto do primeiro
trimestre também se mostrou melhor que a encomenda, graças a um
desempenho excepcional do setor agropecuário. As estimativas para o
ano, que chegaram a ficar abaixo de um vexatório 0,8%, agora caminham para algo
mais próximo de 2% ou mais.
Têm sido bons, ademais, os resultados do
comércio exterior, a despeito das incertezas quanto à conjuntura internacional.
As exportações somaram US$ 136,1 bilhões de janeiro a maio, em alta de 3,6%
sobre o mesmo período de 2022, e a balança teve superávit de expressivos US$
34,9 bilhões.
Os temores mais sombrios para o início do
mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram dissipados —e, se o presidente
não voltar a tensionar o ambiente, um ciclo mais virtuoso pode ter início.
Será um erro imaginar que as dificuldades
ficaram para trás. A inflação permanece acima da meta e ainda exige atenção do
BC. Os números do PIB mostram fraqueza do consumo e queda de investimentos, e o
saldo do segundo trimestre provavelmente será pior.
Como sugere estudo recém-publicado pela
FGV, o desemprego só não subiu mais neste ano porque cerca de 3 milhões de
brasileiros deixaram a força de trabalho —vale dizer, não estão mais ocupados
nem procurando vagas.
A atual trégua econômica, pois, não exime o
governo de fixar bases mais sólidas de confiança para prazos maiores. A
providência imediata é reforçar a credibilidade do objetivo de eliminar o
déficit das contas do Tesouro em 2024.
De acordo com pesquisa do Ministério da
Fazenda, as projeções de analistas no início de maio ainda apontavam para um
rombo em torno dos R$ 80 bilhões no próximo ano. É preciso demonstrar intenção
e viabilidade de ao menos reduzir drasticamente esse montante, inclusive
contendo despesas.
O avanço da reforma tributária e a conclusão
do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia são outros passos
importantes —além, é claro, do cuidado em não caminhar para trás, como já se
ensaiou neste início de governo.
Lula ao vivo
Folha de S. Paulo
Petista avança em relação a lives de
Bolsonaro, mas falta interação com imprensa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
realizou, na manhã desta terça (13), o que deve ser a primeira de uma série de
transmissões ao vivo por redes sociais. É uma estratégia da
Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) para ampliar o
diálogo com a população.
No primeiro programa, disse que anunciará em
julho a retomada de grandes obras de infraestrutura, prometeu
políticas públicas para a classe média e comentou sobre o acordo comercial
entre o Mercosul e a União Europeia.
É positivo que o presidente esteja
interessado em estabelecer um canal de comunicação com os brasileiros. O
diálogo por certo é preferível à atitude, comum em governantes, de encastelar-se
no poder sem a preocupação de dar satisfação merecida aos cidadãos.
O formato da transmissão, uma entrevista
concedida a um jornalista que faz parte dos quadros da administração,
também representa um
avanço em relação às chamadas "lives" da gestão anterior,
em que Jair Bolsonaro (PL) falava diretamente a apoiadores em transmissões de
vídeo por Facebook e Youtube, sem questionamentos.
Contudo a fórmula petista ainda está longe
da ideal. Em democracias mais maduras, é tradicional que mandatários participem
periodicamente de entrevistas individuais ou coletivas conduzidas pela imprensa
profissional.
É fácil prometer mundos e fundos quando se
fala sozinho. A consistência dessas promessas, ou a falta dela, fica mais clara
quando o governante se submete ao escrutínio de jornalistas que se prepararam
para o debate e têm o papel de fiscalizar o poder público.
No presente caso, quando Lula falou em
reeditar programas de obras que tiveram sucesso em suas gestões anteriores,
teria sido oportuno perguntar ao presidente se ele está ciente de que a
situação fiscal do Estado brasileiro hoje não é a mesma do início do milênio, o
que pode ser um complicador para seus planos.
Se mostrasse que o governo levou isso em
consideração no desenho da proposta, ela se mostraria mais sólida aos olhos do
público. Caso contrário, revelaria um caráter populista da medida. Ruim para
ele se tal dúvida fosse propagada, mas positivo para o país.
No final de dezembro, pouco antes de
assumir e falando a apoiadores, Lula pediu que fosse cobrado.
Disse que seu governo não precisava de "puxa-sacos" e que a cobrança
é uma forma de evitar o erro e aprimorar a gestão. Lula deveria ouvir a si
mesmo e interagir mais com a imprensa profissional.
Ministério da Saúde na quitanda do Centrão
O Estado de S. Paulo
Os olhos de Arthur Lira e aliados cresceram
sobre uma das pastas mais importantes do governo. Pelo bem do País, é bom que
Lula resista a cedê-la à sanha patrimonialista do Centrão
Em meio às pressões por uma reforma
ministerial que estabeleça novas bases para um duvidoso apoio congressual ao
governo, os olhos do Centrão, mais especificamente do ajuntamento político
liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cresceram sobre o
Ministério da Saúde. Até agora, o presidente Lula da Silva tem resistido bem às
chantagens de alguns parlamentares oportunistas pela tomada de uma das pastas
mais importantes – e ricas – da Esplanada. Para o bem do País, e pelo futuro de
um governo que ainda dá seus primeiros passos, é bom que Lula não baixe a
guarda.
Se ceder o Ministério da Saúde à sanha
patrimonialista de Lira e seus aliados, Lula selará o destino de seu terceiro
mandato presidencial. Ao fim e ao cabo, o presidente não perderá apenas o
controle sobre uma pasta que é vital para o sucesso de qualquer governo, em
qualquer país, como se isso já não fosse grave o bastante; Lula sinalizará ao
Congresso uma fraqueza política que certamente será tida como irreversível e
encaminhará o que resta de sua administração rumo à desventura.
Não se trata de envolver a Saúde em uma
redoma inexpugnável que torne a pasta imune às barganhas políticas próprias da
democracia, sobretudo em regimes presidencialistas multipartidários, como é o
caso brasileiro. A titular da pasta, ministra Nísia Trindade, por acaso é
socióloga e não é filiada a partido político. Está onde está como coroação de
sua trajetória de dedicação à saúde pública, em especial por sua gestão da
Fiocruz durante a pandemia de covid-19. Mas ela poderia estar envolvida na
política partidária e continuar ostentando as mesmas credenciais que a
habilitam para o cargo de ministra da Saúde. Houve políticos que estiveram à
frente da pasta, médicos ou não, que realizaram um excelente trabalho. O caso
mais notável é o do ex-senador José Serra (PSDB-SP), engenheiro civil por
formação.
A questão, portanto, não é a barganha
política envolvendo o Ministério da Saúde; são seus termos e seu objetivo. O
que está por trás da cobiça do Centrão decerto não é a intenção de fazer pela
saúde pública do País algo muito melhor do que o que já esteja sendo feito pela
ministra Nísia e sua equipe. Em entrevistas e conversas de bastidor relevadas
pela imprensa, Lira jura de pés juntos que seu indicado para o Ministério da
Saúde seria alguém afeito à área. Se é assim, por que, então, substituir a
atual ministra? A pergunta é retórica.
Evidentemente, depois que o Supremo
Tribunal Federal determinou o fim do orçamento secreto, ou o fim do esquema tal
como ele fora engendrado pelo governo Bolsonaro, o que atrai esse grupo de
parlamentares ligados a Lira é o orçamento da Saúde – quase R$ 150 bilhões em
2023, sem contar os recursos adicionais que podem ser acrescidos ao longo do
ano desde a promulgação da chamada PEC da Transição. É de dinheiro que se
trata.
A questão é que o Ministério da Saúde não
está à venda e não deveria estar a serviço de outros interesses que não o
interesse público. Faz pouquíssimo tempo que a pasta foi dizimada pelo governo
anterior. Permanecerá na história do País como marca indelével da desumanidade
de Jair Bolsonaro a submissão do Ministério da Saúde aos interesses
particulares do ex-presidente em meio à mais dramática crise sanitária a se
abater sobre o País na história recente. O esforço do atual governo deve ser no
sentido de reconstruir a Saúde e recolocar a pasta nos trilhos de uma administração
técnica e responsável.
Não resta dúvida de que coalizões de
governo implicam divisão de poder e recursos com partidos políticos. Mas essas
negociações devem se dar em termos republicanos, vale dizer, tendo como norte o
interesse público. Além disso, devem estar coadunadas com uma estratégia
nacional de desenvolvimento. Do que se sabe dessas barganhas que tratam a Saúde
como mais uma mercadoria no varejão da política, ao contrário, sobressaem
interesses paroquiais de parlamentares que se julgam em posição de manter uma
faca na jugular do governo a fim de saciá-los. E que se dane o cidadão que
adoece.
A chance do Brasil
O Estado de S. Paulo
Oferta da UE para investimento em
hidrogênio verde no Brasil mostra o grande potencial do País na corrida pela
produção de energia limpa e eficiente, que hoje mobiliza o planeta
O anúncio da presidente da União Europeia
(UE), Ursula von der Leyen, de que o bloco investirá € 2 bilhões (R$ 10,5
bilhões) para incentivar a produção de hidrogênio verde no Brasil teve ares de
afago ao presidente Lula da Silva, com vista a facilitar a assinatura do acordo
com o Mercosul. Mas a intenção de investimento europeu, que a executiva trouxe
na bagagem esta semana em sua visita oficial, não é um favor, e sim uma oportunidade
de negócios. E das mais rentáveis.
Na jornada mundial em busca de uma matriz
energética mais limpa e sustentável, o hidrogênio verde vem se firmando como
uma das alternativas mais potentes de substituição aos combustíveis fósseis,
como gasolina, diesel e óleo combustível. Em recente relatório distribuído a
investidores, o Boston Consulting Group (BCG), uma das três maiores
consultorias estratégicas do mundo, estimou que, entre 2025 e 2050, governos e
empresas devem destinar entre US$ 6 trilhões e US$ 12 trilhões na produção e
transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono.
É uma realidade que está batendo à porta e
com pesquisas avançadas, que vêm reduzindo custos de produção. Com a vantagem
de contar com uma matriz energética diversificada e já bastante limpa, com
farta geração de energia hídrica, além da solar e eólica, o Brasil é um
parceiro cobiçado para projetos de transição energética. Ao contrário de países
que precisam se amparar predominantemente na eletrificação dos carros para
cumprir o compromisso de zerar a emissão de gases do efeito estufa, como é o
caso dos membros da União Europeia, temos outras portas de saída.
Como disse, em entrevista ao Estadão,
Gastón Diaz Perez, CEO da Bosch na América Latina, o centro das discussões
ambientais é a descarbonização, e não a eletrificação. Ele ressaltou que, com o
uso do etanol e carros flex, o Brasil já reduziu em 60% as emissões de carbono,
comparativamente à utilização de motores a gasolina. “Há várias opções para
descarbonização”, disse. “Cada uma delas é uma carta. Muitos países têm uma só
carta. O Brasil tem o baralho completo.”
Obtido por meio da eletrólise da água – um
processo químico que utiliza a corrente elétrica para separar as moléculas de
oxigênio e hidrogênio – com o uso da energia renovável de hidrelétricas, usinas
eólicas, solares ou ainda de biomassa e biogás, o hidrogênio verde vem sendo
pesquisado e desenvolvido há duas décadas. Mas os recursos orçamentários para
acelerar a formação do mercado no País ainda são escassos. Há apenas um ano o
BNDES lançou linhas específicas de financiamento para o setor. Neste caso, uma
política pública consistente de subsídios refletiria uma visão de futuro, ao
contrário de apostas antiquadas nos incentivos setoriais à indústria para
fomentar o desenvolvimento.
Enquanto o governo engatinha, empresas
estrangeiras, como o grupo francês Qair, a mineradora australiana Fortescue e o
grupo alemão Linde, controlador da White Martins, já estão investindo bilhões
de reais no ganho de escala na produção de hidrogênio verde no Brasil, para uso
tanto no transporte quanto na indústria. A primeira planta em larga escala está
prevista para 2027, em Camaçari, na Bahia, num investimento da fabricante de
fertitilizantes Unigel.
O estudo Building the Green Hydrogen Economy
(Construindo a Economia do Hidrogênio Verde), do BCG, destaca que esse
combustível terá papel fundamental na descarbonização de indústrias com maior
dificuldade de reduzir suas emissões, como a siderúrgica, a química e aviação,
por exemplo. Por tudo isso, prevê uma explosão de demanda, passando dos 94
milhões de toneladas de 2021 para mais de 350 milhões de toneladas/ano a partir
de 2025, devendo chegar a 2050 em 530 milhões de toneladas/ano.
Como se vê, trata-se de um mercado rentável
e promissor que está apenas começando. Portanto, a oferta de Ursula von der
Leyen, que não tem nada de desinteressada, mostra como o Brasil tem tudo para
ser a grande usina de energia limpa para o mundo. Logo, deve concentrar suas
atenções na matriz energética do futuro, abandonando, o mais rápido possível,
os investimentos em energia poluente do século passado.
A sorte está lançada na Ucrânia
O Estado de S. Paulo
Se bem-sucedida, a contraofensiva dividirá
os russos; se fracassar, é o Ocidente que se dividirá
Na semana passada teve início a esperada
contraofensiva ucraniana, crucial para o desfecho do conflito. A configuração
plena dos planos de Kiev ainda não é clara. Até o momento, nenhum dos lados
empregou suas forças principais. Ambos estão envolvidos em um xadrez. A Ucrânia
parece testar as defesas inimigas antes de uma ofensiva massiva, que pode se
prolongar ao longo do verão.
Um dos objetivos certamente é retomar a
região de Donbass ou ao menos reverter parte dos ganhos russos. O outro é
empurrar as linhas russas no sul. Se a Ucrânia recuperar um pedaço de sua costa
no Mar de Azov, estará em condições de obstruir a entrega de suprimentos russos
para a Crimeia, ocupada em 2014.
Nada está definido. A Rússia tem vantagens
no número de soldados e em poder de fogo. Por outro lado, a maior vantagem
ucraniana tem sido a obstinação de seu povo. Reservistas russos foram
recrutados e precariamente treinados para uma guerra de ocupação por razões que
não entendem completamente. Os ucranianos lutam pela sobrevivência de seu país.
Se, no pior cenário, a contraofensiva
malograr, os russos resgatariam o moral abalado. Recriminações de parte a parte
entre os aliados da Ucrânia teriam um efeito divisivo. A pressão de
isolacionistas à esquerda e à direita nos EUA aumentaria, especialmente se a
candidatura de Donald Trump à presidência ganhar tração. Vozes que advogam um
cessar-fogo imediato – como a do presidente Lula da Silva – ganhariam força,
com o risco de deixar os russos em posse de 20% do território ucraniano, sem
promessas confiáveis de uma paz definitiva.
Por outro lado, no melhor cenário, se os
ucranianos forçarem uma retirada em massa dos russos, seria um revés humilhante
para Vladimir Putin. Ele já perdeu mais de 100 mil homens, consumiu dezenas de
bilhões de dólares em equipamentos de eficácia duvidosa e incinerou suas
relações com o Ocidente. Mesmo com os poderes autocráticos acumulados por
Putin, sua propaganda triunfalista desmoronaria e a frustração dos
nacionalistas russos o deixaria numa situação periclitante.
Ainda que não seja certo que o colapso de
uma barragem em Kakhova, no sul, que devastou dezenas de cidades, tenha sido
sabotagem russa, ela é mais do que plausível. Seria uma continuidade da
estratégia russa: destruir a infraestrutura ucraniana e aterrorizar a
população. Se confirmada a sabotagem, seria o maior dos crimes cometidos por
Putin, revelando que o golpe ucraniano foi sentido, mas também até onde o
déspota está disposto a ir.
Por tudo isso é tão importante que os aliados
de Kiev galvanizem seu apoio. A curto prazo, com mais armas para que os
ucranianos possam recobrar o máximo de territórios. Se isso acontecer,
tratativas de longo prazo para integrar a Ucrânia na União Europeia e na Otan –
ainda que, em tese, abasteçam a narrativa de Putin de que sua guerra de
agressão é uma “operação especial” preventiva contra ameaças ocidentais –
terão, na prática, um efeito dissuasório que ajudaria a estabilizar a região,
permitindo à Ucrânia reconstruir as bases de sua soberania.
É preciso estar preparado para El Niño
Correio Braziliense
O anúncio da chegada do El Niño, em 8 de
junho, pode representar, ironicamente, um jato de água fria nas perspectivas de
crescimento da economia global e, consequentemente, da economia brasileira
O anúncio da chegada do El Niño, em 8 de
junho, pode representar, ironicamente, um jato de água fria nas perspectivas de
crescimento da economia global e, consequentemente, da economia brasileira.
Isso porque o efeito climático, marcado pelo aquecimento das águas do Oceano
Pacífico, provoca alteração nas temperaturas e nas chuvas em todo o mundo. No
Brasil, o fenômeno é marcado por temporais na Região Sul, em partes do Sudeste
e do Centro-Oeste, e secas mais rigorosas no Norte e Nordeste. Esses efeitos
podem causar perdas para o agronegócio que, nos últimos três anos, se
beneficiou de La Niña, que no Brasil representa chuvas abundantes.
Ainda não é possível estimar perdas, uma
vez que elas dependem da intensidade das secas ou das enchentes. Mas é certo
que o governo poderá ser obrigado a socorrer os agricultores, principalmente os
familiares, em caso de efeito severo das mudanças provocadas pelo El Niño.
Deverá estar preparado também para socorrer cidades e cidadãos afetados por
chuvas intensas e riscos de desmoronamento de encostas, como também os que
forem atingidos por estiagens prolongadas.
O governo deve estar atento para evitar que
eventuais quebras de safra, seja no Brasil, seja em outras regiões do mundo,
desestabilizem os preços dos alimentos no mercado nacional, causando um efeito
indesejado sobre a inflação justamente no momento em que ela cede e abre espaço
para o corte de juros. As previsões são de que o fenômeno climático possa
causar situações extremas, com as temperaturas do planeta batendo recorde no
próximo ano. Esses efeitos devem se prolongar pelos próximos dois a sete anos,
se tornando mais intensos a partir de agosto ou setembro.
Embora não existam levantamentos sistemáticos
dos impactos econômicos do El Niño no Brasil, um estudo divulgado recentemente
conduzido por pesquisadores da Universidade Dartmouth (EUA) mostra que os
efeitos e os custos do fenômeno podem durar por vários anos, elevando as
perdas. O estudo divulgado na revista Science estima que os custos do El Niño
neste século podem chegar a US$ 83 trilhões (R$ 413 trilhões). Até o fim desta
década, serão R$ 3 trilhões (R$ 14,7 trilhões) de perdas.
A base da pesquisa foi medições das
consequências do fenômeno em 1982 e 1983, e entre 1997 e 1998, entre os mais
intensos registrados. O resultado foi a apuração, respectivamente, de perdas de
US$ 4,1 trilhões e US$ 5,7 trilhões (R$ 28 trilhões). De acordo com os
pesquisadores, países equatoriais, como Brasil, Indonésia e Equador,
enfrentaram, respectivamenteo, redução entre 5% e 19% da riqueza nos anos
seguintes a 1997 e 1998. Isso porque a economia mundial registra desaceleração
por até cinco anos após o evento climático.
As águas do Pacífico estão aquecendo e as chances de que o El Niño se confirme a partir de setembro são de 80%. São previsões e há os que digam que elas podem não se confirmar, mas com as mudanças climáticas é necessário que agricultores e psicultores se preparem para efeitos mais severos e evitem ser surpreendidos. No governo, da mesma forma, é preciso que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Ministério da Agricultura e Pecuária monitorem os efeitos e deem suporte aos produtores rurais, a fim de inimizar as perdas, principalmente com as chuvas torrenciais, que envolvem vidas. É preciso se antecipar ao El Niño, para atravessá-lo com o menor prejuízo possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário