quarta-feira, 14 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula põe acordo de Mercosul com UE de volta no limbo

Valor Econômico

“Side letter” que pode ter se tornado um álibi para que o acordo com o Mercosul não prospere

Tanto o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, como o da Argentina, Alberto Fernández, que dirigem as duas maiores economias do Mercosul, manifestaram disposição de rever partes do acordo com a União Europeia, concluído em junho de 2019, após duas décadas de negociações, por seus adversários políticos e antecessores, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri. Nesta semana, a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, se reuniu com Lula e polidamente divergiram. Em tese, o desejo de ambos é concluir o acordo até o fim do ano. Os obstáculos levantados por países dos dois lados colocam o objetivo em dúvida.

Apenas em março a União Europeia enviou ao governo brasileiro uma prometida “side letter”, originalmente elaborada para não dar carta branca, como se não tivesse relação com o acordo comercial, à devastação ambiental ampla, geral e irrestrita promovida por Bolsonaro. Finalizado o acordo, governos europeus, sob impacto de grandes incêndios na Amazônia e desflorestamento desenfreado, exigiram garantias adicionais de que o compromisso ambiental, que é um norte da política do bloco europeu, fosse respeitado pelo governo brasileiro. Por isso até hoje o acordo não foi ratificado pela maioria dos parlamentos.

A volta de Lula à Presidência ressuscitou a agenda ambiental positiva do Brasil, em especial o combate à destruição da Amazônia, mas a UE, por erro de timing ou não, insistiu na “side letter” que pode ter se tornado um álibi para que o acordo com o Mercosul não prospere, um pretexto para que as tendências protecionistas de Brasil e Argentina prevaleçam. Uma “side letter”, como o nome sugere, não reabre o acordo, ou pelo menos não deveria. Mas é para isso que está servindo.

Um capítulo à parte é saber o que está escrito nesta carta, não divulgada. O Itamaraty critica seus termos “duros”, com exigências de metas ambientais e sanções para seu descumprimento. Outras fontes dizem que ela não menciona sanções nem traz exigências adicionais sobre os itens sobre desenvolvimento sustentável inscritos no acordo e com os quais o Brasil se comprometeu no Acordo de Paris. À primeira vista não faz sentido endurecer os termos com governantes como Lula, que são favoráveis às causas ambientais, ao contrário de Bolsonaro, e pôr em risco 20 anos de negociações. A “side letter”, por outro lado, poderia ser um instrumento de governos protecionistas europeus, como o da França, para que o acordo fracassasse. Se o documento contém tudo o que o governo brasileiro afirma, ele então deveria ser justamente refutado.

Lula quer mexer em um ponto já acordado, o das compras governamentais, que passariam a ser acessíveis a empresas europeias interessadas em disputar licitações. O presidente disse que isso inibiria estímulos a pequenas e médias empresas nacionais e tolheria sua política de “reindustrialização”. Não se sabe da disposição da UE em rever o assunto, abrindo um precedente que seria seguido pela Argentina, cujo governo afirmou diversas vezes que o entendimento é prejudicial à indústria do país. Também não se sabe se o peronista Alberto Fernández terá tempo de insistir em suas demandas, diante de uma eleição presidencial em breve que é bem desfavorável a seu partido.

Em reunião com der Leyen, Lula criticou a legislação europeia que proíbe compra de produtos de áreas desmatadas a partir de 2020, o que inclui soja, café, carnes, palma, madeira, borracha e outros. O Brasil tem razão ao reclamar que a nova lei, em sua interpretação, não leva em conta o desmate de 20% da propriedade permitida no bioma. Ao atacar o desmatamento, porém, a UE é aliada do Brasil - o desflorestamento legal na Amazônia é ridículo diante da destruição ilegal, recorde em 2022.

O confronto Estados Unidos e China reabriu as portas ao protecionismo, mas o acordo Mercosul-UE poderia ser um antídoto geopolítico em mais de um sentido. Daria mais uma chance preciosa de reinserção da indústria brasileira nas cadeias globais de produção, formando um bloco de perto de US$ 20 trilhões com a UE, segundo parceiro comercial do Brasil - um dos países mais fechados ao comércio exterior do mundo. De outro lado, escaparia da opção de alinhar-se quer aos EUA, terceiro parceiro comercial, quer à China, principal destino das exportações brasileiras, sem aliená-los das relações comerciais. Ademais, seria o primeiro acordo comercial realmente significativo do Brasil com o mundo desenvolvido.

A Europa tem esse objetivo geopolítico em mente. Não pretende ficar refém da polarização e quer firmar um lugar no mundo multipolar compatível com sua pujança militar e econômica, atraindo potências médias, como o Brasil, para seu lado.

As desavenças podem ser aparadas com vontade política. O PT, porém, é contra o acordo - contra todos acordos comerciais com os países ricos -, com os argumentos surrados de sempre, entre eles o de que restringem a soberania nacional. Com esta mentalidade, não é de se estranhar que nenhum tenha sido feito em 13 anos de governos petistas.

Postura de Lula ameaça acordo já fechado com EU

O Globo

Ao tentar revogar compromissos já assumidos, presidente faz o jogo dos protecionistas europeus

É do interesse do Brasil um acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). Por isso causam preocupação as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília em encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Lula criticou exigências dos negociadores da UE na área ambiental e disse querer rever um mecanismo do texto já acordado sobre a participação de empresas europeias em compras governamentais. Não está claro se o objetivo é aparar arestas pontuais e firmar logo o acordo ou criar empecilhos, para assim reabrir a negociação iniciada em 1999 e concluída em 2019, adiando indefinidamente a implementação. A segunda possibilidade seria desastrosa para o Brasil, tanto do ponto de vista comercial como geopolítico.

O acordo firmado prevê a eliminação de impostos de importação para mais de 90% dos bens comerciados entre os dois blocos ao longo de um período de transição de 15 anos. Embora as vantagens comerciais para o setor industrial sejam menores, pois as tarifas europeias já são baixas, a implementação elevará os investimentos e favorecerá a integração brasileira a cadeias globais. Para o setor agrícola, o ganho advém do aumento das cotas para diversos produtos. Por tudo isso, não surpreende que entidades representativas de empresários industriais e do campo sejam favoráveis ao tratado.

O acordo é um primeiro passo para abrir a economia brasileira — ainda uma das mais fechadas do planeta — à competição. Negociações multilaterais envolvendo dezenas de países são consideradas impossíveis na atual conjuntura internacional. As grandes potências não mostram interesse nessa alternativa, e a Organização Mundial do Comércio (OMC) sofre há anos uma erosão de poder. O único caminho disponível para a liberalização comercial hoje é a assinatura de acordos entre países ou blocos.

Do ponto de vista geopolítico, também faz sentido estreitar a aproximação com os europeus. Num momento em que a disputa entre Estados Unidos e China só faz crescer, o Brasil precisa escapar das armadilhas dessa bipolaridade. Estreitar os laços com os europeus seria uma maneira salutar de evitar ser forçado a escolher um dos lados, ampliando as opções.

A crítica de Lula às exigências ambientais é válida. Apresentado no começo do ano, um adendo exige uma meta impraticável para o fim do desmatamento e prevê sanções em caso de descumprimento. O artifício parece uma maquiagem ambiental para o velho protecionismo. Reduzir o desmatamento é interesse também do Brasil e, com boa vontade, as exigências poderiam ser reformadas ou eliminadas.

O caso das compras governamentais é distinto. Obcecado pela ideia de política industrial, Lula quer barrar a participação dos europeus em licitações do governo, voltando atrás num compromisso já assumido pela diplomacia brasileira. Se insistir, dará oportunidade para que a UE apresente velhas e novas demandas. Já será difícil garantir todas as aprovações necessárias para que o texto do acordo entre em vigor (27 parlamentos nacionais, fora o Parlamento Europeu). Reabrir as negociações depois de fechado o texto só piora a situação. É tudo o que os protecionistas europeus querem para dinamitar o acordo. Será provavelmente o fim de um tratado fundamental para dinamizar a economia brasileira. Infelizmente, talvez seja esse o plano de Lula.

Congresso precisa apressar aprovação do novo mercado de carbono no Brasil

O Globo

Substitutivo proposto pelo governo está no início voltado para indústria, mas alcance precisará ser mais amplo

Depois de muita demora, o Planalto concluiu uma minuta de substitutivo para o Projeto de Lei que cria um mercado de créditos de carbono no país. Trata-se de instrumento essencial para financiar a redução das emissões de gases do efeito estufa. O mercado não existe para distribuir licença para continuar a expelir gases na atmosfera, mas para incentivar a despoluição.

Empresas que reduzirem as emissões disporão de um mecanismo formal para negociar esse crédito com outras que enfrentam dificuldades para diminuir as suas. Para poder poluir mais, elas pagarão a quem ajudar a despoluir. Isso incentivará a transição rumo à economia limpa e tornará mais fácil a adesão brasileira ao mercado global de carbono em negociação.

Na União Europeia, entre 2005 e 2021, o mercado de carbono ajudou a reduzir as emissões em 35% (o objetivo europeu é ser neutro em carbono em 2050). No Brasil, pela estimativa da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, regulá-lo permitiria somar R$ 2,8 trilhões ao PIB e gerar 2 milhões de empregos até 2030.

O Congresso precisa recuperar o tempo perdido. As discussões estão empacadas na Câmara há um ano e meio. O ideal é que em 2025 o país tenha o que mostrar na COP30, confirmada pelas Nações Unidas para Belém. Será desastroso se o mercado brasileiro já não estiver negociando volumes de carbono compatíveis com o tamanho e a relevância ambiental do país.

Do total de 2,4 bilhões de toneladas emitidas pelo Brasil, o desmatamento responde por quase metade, seguido pelos setores de agropecuária e energia. Apesar disso, a minuta do novo Projeto de Lei está voltada sobretudo para a indústria, responsável pela emissão anual de algo como 100 milhões de toneladas. São mais visadas as atividades de siderurgia, química, petroquímica, cimento e alumínio. A adesão desses setores será um avanço, mas o alcance precisará ser mais amplo.

Pelo projeto, nos dois primeiros anos as empresas terão de informar ao governo suas emissões, para haver um histórico de poluição que permita definir o teto de emissões por empresa e setor. A partir daí, repetindo a experiência europeia, o governo emitirá os primeiros créditos de carbono para elas se familiarizarem com o mercado. Se necessitarem de mais, terão de cortar emissões ou comprar novos créditos de quem reduziu as suas ou capturou carbono da atmosfera (por reflorestamento ou outros meios).

Até agora, a negociação de créditos de carbono ocorre no Brasil apenas de forma voluntária. A partir da criação do mercado, quem lançar na atmosfera mais de 10 mil toneladas por ano será obrigado a relatar suas emissões e a negociar seus direitos dentro do teto estabelecido. Os mecanismos de livre negociação funcionarão então para alimentar negócios que auxiliem a reduzir as emissões de gases. É o caminho economicamente mais sensato para limpar a atmosfera do planeta e combater o aquecimento global.

Trégua econômica

Folha de S. Paulo

Melhora de expectativas cria chance para o governo, que precisa fixar confiança

Graças a um tanto de sorte e outro de mérito, as últimas semanas foram de melhora das expectativas econômicas de curto prazo.

Com a ajuda do recuo dos preços globais de matérias-primas, o IPCA caiu a 0,23% em maio, menos do que esperava a maior parte dos analistas. As projeções para este 2023 enfim deixaram a casa dos 6% e se encontram em torno de 5,4% agora —o que torna mais provável o início do corte dos juros do Banco Central.

O Produto Interno Bruto do primeiro trimestre também se mostrou melhor que a encomenda, graças a um desempenho excepcional do setor agropecuário. As estimativas para o ano, que chegaram a ficar abaixo de um vexatório 0,8%, agora caminham para algo mais próximo de 2% ou mais.

Têm sido bons, ademais, os resultados do comércio exterior, a despeito das incertezas quanto à conjuntura internacional. As exportações somaram US$ 136,1 bilhões de janeiro a maio, em alta de 3,6% sobre o mesmo período de 2022, e a balança teve superávit de expressivos US$ 34,9 bilhões.

Os temores mais sombrios para o início do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram dissipados —e, se o presidente não voltar a tensionar o ambiente, um ciclo mais virtuoso pode ter início.

Será um erro imaginar que as dificuldades ficaram para trás. A inflação permanece acima da meta e ainda exige atenção do BC. Os números do PIB mostram fraqueza do consumo e queda de investimentos, e o saldo do segundo trimestre provavelmente será pior.

Como sugere estudo recém-publicado pela FGV, o desemprego só não subiu mais neste ano porque cerca de 3 milhões de brasileiros deixaram a força de trabalho —vale dizer, não estão mais ocupados nem procurando vagas.

A atual trégua econômica, pois, não exime o governo de fixar bases mais sólidas de confiança para prazos maiores. A providência imediata é reforçar a credibilidade do objetivo de eliminar o déficit das contas do Tesouro em 2024.

De acordo com pesquisa do Ministério da Fazenda, as projeções de analistas no início de maio ainda apontavam para um rombo em torno dos R$ 80 bilhões no próximo ano. É preciso demonstrar intenção e viabilidade de ao menos reduzir drasticamente esse montante, inclusive contendo despesas.

O avanço da reforma tributária e a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia são outros passos importantes —além, é claro, do cuidado em não caminhar para trás, como já se ensaiou neste início de governo.

Lula ao vivo

Folha de S. Paulo

Petista avança em relação a lives de Bolsonaro, mas falta interação com imprensa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou, na manhã desta terça (13), o que deve ser a primeira de uma série de transmissões ao vivo por redes sociais. É uma estratégia da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) para ampliar o diálogo com a população.

No primeiro programa, disse que anunciará em julho a retomada de grandes obras de infraestrutura, prometeu políticas públicas para a classe média e comentou sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

É positivo que o presidente esteja interessado em estabelecer um canal de comunicação com os brasileiros. O diálogo por certo é preferível à atitude, comum em governantes, de encastelar-se no poder sem a preocupação de dar satisfação merecida aos cidadãos.

O formato da transmissão, uma entrevista concedida a um jornalista que faz parte dos quadros da administração, também representa um avanço em relação às chamadas "lives" da gestão anterior, em que Jair Bolsonaro (PL) falava diretamente a apoiadores em transmissões de vídeo por Facebook e Youtube, sem questionamentos.

Contudo a fórmula petista ainda está longe da ideal. Em democracias mais maduras, é tradicional que mandatários participem periodicamente de entrevistas individuais ou coletivas conduzidas pela imprensa profissional.

É fácil prometer mundos e fundos quando se fala sozinho. A consistência dessas promessas, ou a falta dela, fica mais clara quando o governante se submete ao escrutínio de jornalistas que se prepararam para o debate e têm o papel de fiscalizar o poder público.

No presente caso, quando Lula falou em reeditar programas de obras que tiveram sucesso em suas gestões anteriores, teria sido oportuno perguntar ao presidente se ele está ciente de que a situação fiscal do Estado brasileiro hoje não é a mesma do início do milênio, o que pode ser um complicador para seus planos.

Se mostrasse que o governo levou isso em consideração no desenho da proposta, ela se mostraria mais sólida aos olhos do público. Caso contrário, revelaria um caráter populista da medida. Ruim para ele se tal dúvida fosse propagada, mas positivo para o país.

No final de dezembro, pouco antes de assumir e falando a apoiadores, Lula pediu que fosse cobrado.
Disse que seu governo não precisava de "puxa-sacos" e que a cobrança é uma forma de evitar o erro e aprimorar a gestão. Lula deveria ouvir a si mesmo e interagir mais com a imprensa profissional.

Ministério da Saúde na quitanda do Centrão

O Estado de S. Paulo

Os olhos de Arthur Lira e aliados cresceram sobre uma das pastas mais importantes do governo. Pelo bem do País, é bom que Lula resista a cedê-la à sanha patrimonialista do Centrão

Em meio às pressões por uma reforma ministerial que estabeleça novas bases para um duvidoso apoio congressual ao governo, os olhos do Centrão, mais especificamente do ajuntamento político liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cresceram sobre o Ministério da Saúde. Até agora, o presidente Lula da Silva tem resistido bem às chantagens de alguns parlamentares oportunistas pela tomada de uma das pastas mais importantes – e ricas – da Esplanada. Para o bem do País, e pelo futuro de um governo que ainda dá seus primeiros passos, é bom que Lula não baixe a guarda.

Se ceder o Ministério da Saúde à sanha patrimonialista de Lira e seus aliados, Lula selará o destino de seu terceiro mandato presidencial. Ao fim e ao cabo, o presidente não perderá apenas o controle sobre uma pasta que é vital para o sucesso de qualquer governo, em qualquer país, como se isso já não fosse grave o bastante; Lula sinalizará ao Congresso uma fraqueza política que certamente será tida como irreversível e encaminhará o que resta de sua administração rumo à desventura.

Não se trata de envolver a Saúde em uma redoma inexpugnável que torne a pasta imune às barganhas políticas próprias da democracia, sobretudo em regimes presidencialistas multipartidários, como é o caso brasileiro. A titular da pasta, ministra Nísia Trindade, por acaso é socióloga e não é filiada a partido político. Está onde está como coroação de sua trajetória de dedicação à saúde pública, em especial por sua gestão da Fiocruz durante a pandemia de covid-19. Mas ela poderia estar envolvida na política partidária e continuar ostentando as mesmas credenciais que a habilitam para o cargo de ministra da Saúde. Houve políticos que estiveram à frente da pasta, médicos ou não, que realizaram um excelente trabalho. O caso mais notável é o do ex-senador José Serra (PSDB-SP), engenheiro civil por formação.

A questão, portanto, não é a barganha política envolvendo o Ministério da Saúde; são seus termos e seu objetivo. O que está por trás da cobiça do Centrão decerto não é a intenção de fazer pela saúde pública do País algo muito melhor do que o que já esteja sendo feito pela ministra Nísia e sua equipe. Em entrevistas e conversas de bastidor relevadas pela imprensa, Lira jura de pés juntos que seu indicado para o Ministério da Saúde seria alguém afeito à área. Se é assim, por que, então, substituir a atual ministra? A pergunta é retórica.

Evidentemente, depois que o Supremo Tribunal Federal determinou o fim do orçamento secreto, ou o fim do esquema tal como ele fora engendrado pelo governo Bolsonaro, o que atrai esse grupo de parlamentares ligados a Lira é o orçamento da Saúde – quase R$ 150 bilhões em 2023, sem contar os recursos adicionais que podem ser acrescidos ao longo do ano desde a promulgação da chamada PEC da Transição. É de dinheiro que se trata.

A questão é que o Ministério da Saúde não está à venda e não deveria estar a serviço de outros interesses que não o interesse público. Faz pouquíssimo tempo que a pasta foi dizimada pelo governo anterior. Permanecerá na história do País como marca indelével da desumanidade de Jair Bolsonaro a submissão do Ministério da Saúde aos interesses particulares do ex-presidente em meio à mais dramática crise sanitária a se abater sobre o País na história recente. O esforço do atual governo deve ser no sentido de reconstruir a Saúde e recolocar a pasta nos trilhos de uma administração técnica e responsável.

Não resta dúvida de que coalizões de governo implicam divisão de poder e recursos com partidos políticos. Mas essas negociações devem se dar em termos republicanos, vale dizer, tendo como norte o interesse público. Além disso, devem estar coadunadas com uma estratégia nacional de desenvolvimento. Do que se sabe dessas barganhas que tratam a Saúde como mais uma mercadoria no varejão da política, ao contrário, sobressaem interesses paroquiais de parlamentares que se julgam em posição de manter uma faca na jugular do governo a fim de saciá-los. E que se dane o cidadão que adoece.

A chance do Brasil

O Estado de S. Paulo

Oferta da UE para investimento em hidrogênio verde no Brasil mostra o grande potencial do País na corrida pela produção de energia limpa e eficiente, que hoje mobiliza o planeta

O anúncio da presidente da União Europeia (UE), Ursula von der Leyen, de que o bloco investirá € 2 bilhões (R$ 10,5 bilhões) para incentivar a produção de hidrogênio verde no Brasil teve ares de afago ao presidente Lula da Silva, com vista a facilitar a assinatura do acordo com o Mercosul. Mas a intenção de investimento europeu, que a executiva trouxe na bagagem esta semana em sua visita oficial, não é um favor, e sim uma oportunidade de negócios. E das mais rentáveis.

Na jornada mundial em busca de uma matriz energética mais limpa e sustentável, o hidrogênio verde vem se firmando como uma das alternativas mais potentes de substituição aos combustíveis fósseis, como gasolina, diesel e óleo combustível. Em recente relatório distribuído a investidores, o Boston Consulting Group (BCG), uma das três maiores consultorias estratégicas do mundo, estimou que, entre 2025 e 2050, governos e empresas devem destinar entre US$ 6 trilhões e US$ 12 trilhões na produção e transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono.

É uma realidade que está batendo à porta e com pesquisas avançadas, que vêm reduzindo custos de produção. Com a vantagem de contar com uma matriz energética diversificada e já bastante limpa, com farta geração de energia hídrica, além da solar e eólica, o Brasil é um parceiro cobiçado para projetos de transição energética. Ao contrário de países que precisam se amparar predominantemente na eletrificação dos carros para cumprir o compromisso de zerar a emissão de gases do efeito estufa, como é o caso dos membros da União Europeia, temos outras portas de saída.

Como disse, em entrevista ao Estadão, Gastón Diaz Perez, CEO da Bosch na América Latina, o centro das discussões ambientais é a descarbonização, e não a eletrificação. Ele ressaltou que, com o uso do etanol e carros flex, o Brasil já reduziu em 60% as emissões de carbono, comparativamente à utilização de motores a gasolina. “Há várias opções para descarbonização”, disse. “Cada uma delas é uma carta. Muitos países têm uma só carta. O Brasil tem o baralho completo.”

Obtido por meio da eletrólise da água – um processo químico que utiliza a corrente elétrica para separar as moléculas de oxigênio e hidrogênio – com o uso da energia renovável de hidrelétricas, usinas eólicas, solares ou ainda de biomassa e biogás, o hidrogênio verde vem sendo pesquisado e desenvolvido há duas décadas. Mas os recursos orçamentários para acelerar a formação do mercado no País ainda são escassos. Há apenas um ano o BNDES lançou linhas específicas de financiamento para o setor. Neste caso, uma política pública consistente de subsídios refletiria uma visão de futuro, ao contrário de apostas antiquadas nos incentivos setoriais à indústria para fomentar o desenvolvimento.

Enquanto o governo engatinha, empresas estrangeiras, como o grupo francês Qair, a mineradora australiana Fortescue e o grupo alemão Linde, controlador da White Martins, já estão investindo bilhões de reais no ganho de escala na produção de hidrogênio verde no Brasil, para uso tanto no transporte quanto na indústria. A primeira planta em larga escala está prevista para 2027, em Camaçari, na Bahia, num investimento da fabricante de fertitilizantes Unigel.

O estudo Building the Green Hydrogen Economy (Construindo a Economia do Hidrogênio Verde), do BCG, destaca que esse combustível terá papel fundamental na descarbonização de indústrias com maior dificuldade de reduzir suas emissões, como a siderúrgica, a química e aviação, por exemplo. Por tudo isso, prevê uma explosão de demanda, passando dos 94 milhões de toneladas de 2021 para mais de 350 milhões de toneladas/ano a partir de 2025, devendo chegar a 2050 em 530 milhões de toneladas/ano.

Como se vê, trata-se de um mercado rentável e promissor que está apenas começando. Portanto, a oferta de Ursula von der Leyen, que não tem nada de desinteressada, mostra como o Brasil tem tudo para ser a grande usina de energia limpa para o mundo. Logo, deve concentrar suas atenções na matriz energética do futuro, abandonando, o mais rápido possível, os investimentos em energia poluente do século passado. 

A sorte está lançada na Ucrânia

O Estado de S. Paulo

Se bem-sucedida, a contraofensiva dividirá os russos; se fracassar, é o Ocidente que se dividirá

Na semana passada teve início a esperada contraofensiva ucraniana, crucial para o desfecho do conflito. A configuração plena dos planos de Kiev ainda não é clara. Até o momento, nenhum dos lados empregou suas forças principais. Ambos estão envolvidos em um xadrez. A Ucrânia parece testar as defesas inimigas antes de uma ofensiva massiva, que pode se prolongar ao longo do verão.

Um dos objetivos certamente é retomar a região de Donbass ou ao menos reverter parte dos ganhos russos. O outro é empurrar as linhas russas no sul. Se a Ucrânia recuperar um pedaço de sua costa no Mar de Azov, estará em condições de obstruir a entrega de suprimentos russos para a Crimeia, ocupada em 2014.

Nada está definido. A Rússia tem vantagens no número de soldados e em poder de fogo. Por outro lado, a maior vantagem ucraniana tem sido a obstinação de seu povo. Reservistas russos foram recrutados e precariamente treinados para uma guerra de ocupação por razões que não entendem completamente. Os ucranianos lutam pela sobrevivência de seu país.

Se, no pior cenário, a contraofensiva malograr, os russos resgatariam o moral abalado. Recriminações de parte a parte entre os aliados da Ucrânia teriam um efeito divisivo. A pressão de isolacionistas à esquerda e à direita nos EUA aumentaria, especialmente se a candidatura de Donald Trump à presidência ganhar tração. Vozes que advogam um cessar-fogo imediato – como a do presidente Lula da Silva – ganhariam força, com o risco de deixar os russos em posse de 20% do território ucraniano, sem promessas confiáveis de uma paz definitiva.

Por outro lado, no melhor cenário, se os ucranianos forçarem uma retirada em massa dos russos, seria um revés humilhante para Vladimir Putin. Ele já perdeu mais de 100 mil homens, consumiu dezenas de bilhões de dólares em equipamentos de eficácia duvidosa e incinerou suas relações com o Ocidente. Mesmo com os poderes autocráticos acumulados por Putin, sua propaganda triunfalista desmoronaria e a frustração dos nacionalistas russos o deixaria numa situação periclitante.

Ainda que não seja certo que o colapso de uma barragem em Kakhova, no sul, que devastou dezenas de cidades, tenha sido sabotagem russa, ela é mais do que plausível. Seria uma continuidade da estratégia russa: destruir a infraestrutura ucraniana e aterrorizar a população. Se confirmada a sabotagem, seria o maior dos crimes cometidos por Putin, revelando que o golpe ucraniano foi sentido, mas também até onde o déspota está disposto a ir.

Por tudo isso é tão importante que os aliados de Kiev galvanizem seu apoio. A curto prazo, com mais armas para que os ucranianos possam recobrar o máximo de territórios. Se isso acontecer, tratativas de longo prazo para integrar a Ucrânia na União Europeia e na Otan – ainda que, em tese, abasteçam a narrativa de Putin de que sua guerra de agressão é uma “operação especial” preventiva contra ameaças ocidentais – terão, na prática, um efeito dissuasório que ajudaria a estabilizar a região, permitindo à Ucrânia reconstruir as bases de sua soberania. 

É preciso estar preparado para El Niño

Correio Braziliense

O anúncio da chegada do El Niño, em 8 de junho, pode representar, ironicamente, um jato de água fria nas perspectivas de crescimento da economia global e, consequentemente, da economia brasileira

O anúncio da chegada do El Niño, em 8 de junho, pode representar, ironicamente, um jato de água fria nas perspectivas de crescimento da economia global e, consequentemente, da economia brasileira. Isso porque o efeito climático, marcado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, provoca alteração nas temperaturas e nas chuvas em todo o mundo. No Brasil, o fenômeno é marcado por temporais na Região Sul, em partes do Sudeste e do Centro-Oeste, e secas mais rigorosas no Norte e Nordeste. Esses efeitos podem causar perdas para o agronegócio que, nos últimos três anos, se beneficiou de La Niña, que no Brasil representa chuvas abundantes.

Ainda não é possível estimar perdas, uma vez que elas dependem da intensidade das secas ou das enchentes. Mas é certo que o governo poderá ser obrigado a socorrer os agricultores, principalmente os familiares, em caso de efeito severo das mudanças provocadas pelo El Niño. Deverá estar preparado também para socorrer cidades e cidadãos afetados por chuvas intensas e riscos de desmoronamento de encostas, como também os que forem atingidos por estiagens prolongadas.

O governo deve estar atento para evitar que eventuais quebras de safra, seja no Brasil, seja em outras regiões do mundo, desestabilizem os preços dos alimentos no mercado nacional, causando um efeito indesejado sobre a inflação justamente no momento em que ela cede e abre espaço para o corte de juros. As previsões são de que o fenômeno climático possa causar situações extremas, com as temperaturas do planeta batendo recorde no próximo ano. Esses efeitos devem se prolongar pelos próximos dois a sete anos, se tornando mais intensos a partir de agosto ou setembro.

Embora não existam levantamentos sistemáticos dos impactos econômicos do El Niño no Brasil, um estudo divulgado recentemente conduzido por pesquisadores da Universidade Dartmouth (EUA) mostra que os efeitos e os custos do fenômeno podem durar por vários anos, elevando as perdas. O estudo divulgado na revista Science estima que os custos do El Niño neste século podem chegar a US$ 83 trilhões (R$ 413 trilhões). Até o fim desta década, serão R$ 3 trilhões (R$ 14,7 trilhões) de perdas.

A base da pesquisa foi medições das consequências do fenômeno em 1982 e 1983, e entre 1997 e 1998, entre os mais intensos registrados. O resultado foi a apuração, respectivamente, de perdas de US$ 4,1 trilhões e US$ 5,7 trilhões (R$ 28 trilhões). De acordo com os pesquisadores, países equatoriais, como Brasil, Indonésia e Equador, enfrentaram, respectivamenteo, redução entre 5% e 19% da riqueza nos anos seguintes a 1997 e 1998. Isso porque a economia mundial registra desaceleração por até cinco anos após o evento climático.

As águas do Pacífico estão aquecendo e as chances de que o El Niño se confirme a partir de setembro são de 80%. São previsões e há os que digam que elas podem não se confirmar, mas com as mudanças climáticas é necessário que agricultores e psicultores se preparem para efeitos mais severos e evitem ser surpreendidos. No governo, da mesma forma, é preciso que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Ministério da Agricultura e Pecuária monitorem os efeitos e deem suporte aos produtores rurais, a fim de inimizar as perdas, principalmente com as chuvas torrenciais, que envolvem vidas. É preciso se antecipar ao El Niño, para atravessá-lo com o menor prejuízo possível.

 

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