“Passagem do saber ao
compreender, ao sentir, e, vice-versa, do sentir ao compreender, ao saber. O
elemento popular “sente”, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento
intelectual “sabe”, mas nem sempre compreende e, menos ainda, “sente”. Os dois
extremos são, portanto, por um lado, o pedantismo e o filisteísmo, e, por
outro, a paixão cega e o sectarismo. Não que o pedante não possa ser apaixonado,
ao contrário; o pedantismo apaixonado é tão ridículo e perigoso quanto o
sectarismo e a mais desenfreada demagogia. O erro do intelectual consiste em
acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e
estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber),
isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um intelectual (e não um mero
pedante) mesmo quando distinto e destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir
as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e
justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando-as
dialeticamente com as leis da história, com uma concepção do mundo superior,
científica e coerentemente elaborada, com o “saber”; não se faz
política-história sem esta paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre
intelectuais e povo-nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual
com o povo-nação são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente
burocrática e formal; os intelectuais se tornam uma casta ou um sacerdócio (o
chamado centralismo orgânico). Se a relação entre intelectuais e povo-nação,
entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados, é dada graças a
uma adesão orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-se compreensão e, desta
forma, saber (não de uma maneira mecânica, mas vivida), só então a relação é de
representação, ocorrendo a troca de elementos individuais entre governantes e
governados, entre dirigentes e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do
conjunto, a única que é força social; cria-se o “bloco histórico”. De Man
“estuda” os sentimentos populares; não concorda com eles para dirigi-los e
conduzi-los a uma catarse de civilização moderna: sua posição é semelhante à do
estudioso do folclore, que teme continuamente que a modernidade destrua o
objeto da sua ciência. Por outro lado, existe em seu livro o reflexo pedante de
uma exigência real: a de que os sentimentos populares sejam conhecidos e
estudados tais como se apresentam objetivamente e não considerados como algo
negligenciável e inerte no movimento histórico.”
Antonio Gramsci (1891-1937).
Cadernos do Cárcere, v.1. p.221-2. Civilização Brasileira, 2006.
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