quarta-feira, 14 de junho de 2023

Lu Aiko Otta - No fim da temporada, inflação e juro caem

Valor Econômico

No Ministério da Fazenda, a avaliação é de que o início de ano muito ruim parece estar ficando para trás

Era janeiro de 2003 e nevava levemente em Davos, na Suíça, quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi ao hospital local visitar o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que na véspera lesionara o pé ao escorregar no chão congelado. Na salinha destinada aos fumantes, o médico sanitarista que vinha surpreendendo o mercado no comando da economia afirmou que o Brasil cumpriria, sim, seu contrato com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse era um ponto de preocupação naquele momento. Depois, daria um “obrigado” e um “até logo”.

Vinte anos depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não perde oportunidade para frisar que o Brasil não deve ao FMI. Dessa forma, deixa clara a diferença da situação atual em relação aos anos 1980, quando o slogan “Fora FMI” foi um hit dos movimentos de esquerda.

No entanto, o Brasil segue como membro do organismo. No mês passado, uma missão técnica esteve no país para uma avaliação de rotina e sugeriu que fosse considerada a adoção de uma meta de inflação de médio prazo. Metas anuais, comentou o organismo, são formas menos eficientes de ganhar flexibilidade diante de choques.

Essa mudança tem sido defendida por Haddad há algum tempo. É tema que pode estar na pauta da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) do próximo dia 29, assim como a meta de inflação para 2026.

Além do Brasil, só Turquia e Tailândia adotam o ano-calendário para meta de inflação, argumenta-se entre os técnicos da área econômica.

A adoção da meta contínua nem seria uma mudança tão drástica do ponto de vista operacional, visto que o Banco Central já opera olhando 18 meses à frente, comentam.

Eles avaliam que a mudança não causaria ruído. Em conversas com agentes de mercado, perceberam que a mudança é vista como um aprimoramento do sistema de metas de inflação.

Finalmente, não parece haver dúvidas nos bastidores de que a meta de inflação será fixada em 3%. Esse já é o nível estabelecido para 2024 e 2025, numa indicação de que a ideia era mesmo mantê-la assim, comenta-se.

Nas últimas semanas, economistas de diversas instituições financeiras indicaram à equipe econômica que estão apenas aguardando essa decisão para cortar suas previsões para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) da casa de 4% para 3%.

O resultado desse índice para maio, divulgado na semana passada, uma alta de 0,23%, apenas reforçou algo que já se observa com quase euforia na área econômica: os sucessivos cortes nas projeções da inflação.

Além da inflação em queda, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) trouxe informações que podem reforçar o esperado movimento de corte na taxa de juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em agosto. Ou junho, como gente boa do mercado não descarta.

Como se sabe, o crescimento de 1,9% no primeiro trimestre foi puxado pelo desempenho da agropecuária, que avançou 21,6%, ante expectativas na casa dos 8% a 10%.

Outra surpresa, menos comentada, foi o desempenho do setor de serviços, que avançou magro 0,6%, liderado por transportes. Isso reflete, de novo, o desempenho do agronegócio brasileiro.

Diferentemente do que esperava o próprio governo, o aumento do salário mínimo não impulsionou comércio e serviços.

Do ponto de vista da atividade econômica, é má notícia. Do ponto de vista de inflação e juros, é ótima, comenta-se nos bastidores.

Os dados mostram que os serviços adjacentes, a parte mais difícil de combater do processo inflacionário, retraiu-se. É sinal de preços comportados à frente.

Quer dizer também que há espaço para recuperar comércio e serviços no segundo semestre sem pressionar a inflação.

O crescimento forte, explicam os técnicos, veio concentrado no setor agropecuário, em produtos como soja e milho. Com isso, houve queda no preço da carne no atacado. Trata-se de um vetor contrário à inflação.

Em suma, a abertura dos dados do PIB mostra um cenário “ótimo” para baixar juros, avalia-se. As perspectivas para a decisão do Copom melhoraram “muito”.

À perspectiva de juros mais baixos, junta-se o início do programa Desenrola e a queda dos spreads no mercado de capitais, num indício que o susto com o caso Americanas está passando. Inadimplência e crédito são os dois problemas a serem atacados em 2023, segundo os técnicos.

Assim, avalia-se na Fazenda, o início de ano muito ruim parece estar ficando para trás.

Final da primeira temporada, mas não da série. Se o arcabouço fiscal caminha para ser aprovado antes do recesso parlamentar, ainda faltam medidas que darão suporte aos objetivos ambiciosos estabelecidos nele.

A reforma tributária, por sua vez, está deixando o terreno relativamente confortável das linhas gerais para a batalha dos diabos que moram nos detalhes.

As perspectivas estão melhores apesar dos ruídos em torno da autonomia do Banco Central, dos muxoxos do PT à nova regra fiscal, do ponto fora da curva que foi o programa do “carro popular”. A estratégia econômica não precisava desse tipo de fogo amigo.

 

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