Folha de S. Paulo
Faz sentido Congresso continuar tratando
bolsonaristas como participantes legítimos do jogo político?
Sempre que você ouvir de um bolsonarista
que Alexandre
de Moraes ameaça o equilíbrio entre os três Poderes, lembre-se disso:
enquanto presidente, Jair
Bolsonaro mantinha um esquema clandestino de espionagem contra o
presidente da Câmara dos Deputados e os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em país sério, isso dá uma cana tão longa que
no final da pena o elemento ganha o terreno do presídio por usucapião.
As revelações são da Polícia
Federal. Segundo a PF, o esquema era comandado por Alexandre Ramagem, chefe
da Abin durante
o governo Bolsonaro.
Além de espionar o chefe dos outros Poderes, o esquema clandestino monitorava jornalistas e adversários políticos de Jair, promovia fake news e buscava informações que ajudassem os filhos de Bolsonaro a escapar da cadeia por escândalos de corrupção variados.
A existência de um esquema clandestino de
espionagem no governo Bolsonaro nunca foi segredo. Em março de 2020, o
ex-ministro Gustavo Bebianno disse, em entrevista ao programa Roda Viva, que
Carlos Bolsonaro lhe comunicou que criaria uma "Abin paralela".
Um mês depois, o próprio Bolsonaro declarou,
na famosa reunião do "passar a boiada", que tinha um sistema
particular de informações, diferente do oficial.
No dia seguinte, Sergio Moro pediu demissão
do Ministério da Justiça porque Bolsonaro queria indicar, vejam só, Alexandre
Ramagem para a direção da PF. Em seu discurso de demissão, Moro declarou que se
tratava de um aparelhamento da PF jamais visto nos governos do PT.
Não sei como Sergio Moro vai
reagir às últimas revelações da PF. Em tese, poderia dizer "eu
avisei" e sair pelo alto. Infelizmente, Moro parece ter se arrependido de
ter denunciado o aparelhamento bolsonarista. Elegeu-se senador com votos da
extrema direita. Foi ao debate do segundo turno com Jair, como um Padre Kelmon
da toga.
E agora? Moro ficou feliz porque a Federal
provou que ele tinha razão em 2020? Ou lamentou que a lei esteja sendo aplicada
a seus aliados na eleição de 2022?
De qualquer forma, acho um escândalo que
o Congresso e
o resto da classe política continuem deixando para a polícia e para o
Judiciário todo o trabalho de punir os golpistas de Bolsonaro.
Arthur Lira, Rodrigo
Pacheco, políticos do centrão, ouçam bem: se os bolsonaristas tivessem
vencido, vocês teriam sido enforcados só 15 minutos depois dos ministros do
STF. Os golpistas do 8 de janeiro pouparam o Congresso de suas depredações?
Se os golpistas partissem para cima de vocês,
qual membro da bancada bolsonarista vocês acham que teria erguido a voz para
defender a imunidade parlamentar? Faz sentido continuar tratando-os como
participantes legítimos do jogo político?
As descobertas da Polícia Federal servem
também para desmoralizar, mais uma vez, a narrativa segundo a qual uma
instituição poderosa, o Supremo Tribunal Federal, perseguiu indivíduos que se
limitavam a exercer, mesmo que de forma desastrada, seus direitos
constitucionais.
Gente como Bolsonaro, Ramagem, Daniel Silveira ou Carlos Jordy não são indivíduos oprimidos sob o peso do Estado. São conspiradores que tentaram usar todo o peso do Poder Executivo para fechar os outros Poderes e estabelecer um estado policial. Como descobrimos semana passada, o plano corria a todo vapor.
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