O Globo
Desmantelamento dos mecanismos de
transparência e ‘compliance’ começou no governo Bolsonaro e ganhou fôlego sob
Lula 3
Causou espanto ao senador Flávio Dino,
iminente ministro do STF, o rebaixamento do Brasil no Índice de Percepção da
Corrupção (IPC), elaborado pela Transparência Internacional. Depois de
qualificar o relatório como “atípico e anômalo”, com “afirmações exóticas”,
Dino incorporou o estilo da saudosa mulher sapiens, hoje presidenta do banco do
Brics, Dilma
Rousseff:
— O que mudou é que nós pusemos fim à
política de espetacularização do combate à corrupção, que é uma forma de
corrupção. Quem usa corrupção como forma de combate à corrupção, como bandeira
política, é tão corrupto quanto o corrupto.
(Só com essa declaração, o Brasil deve ter galgado 10 postos no Índice de Corrupção da Diversidade Vocabular.)
Dino talvez tenha tentado dizer que lutar
contra a corrupção corrompe — uma indireta para seu homólogo, o ex-juiz,
ex-ministro da Justiça e temporariamente senador Sergio Moro. Ou seja:
combatamos o crime organizado, mas com moderação. Muita moderação.
Seu futuro colega, o ministro Gilmar
Mendes foi mais ponderado:
— Um índice baseado em percepções precisa ser
visto com cautela. A questão exige exame mais aprofundado, a fim de evitar
conclusões precipitadas.
Quem se precipitou — ladeira abaixo — foi o
Brasil, cuja cotação no mercado da honestidade ainda não chegou às profundezas
(continua acima de países como Paraguai, Rússia, Irã, Sudão, Haiti, Coreia do
Norte, Nicarágua, Venezuela). Mas tem de melhorar para atingir o mesmo patamar
de modelos de governança como Cuba, Cazaquistão, Albânia, Belarus,
Burkina Faso e Etiópia.
O desmantelamento dos mecanismos de
transparência e compliance começou no governo Bolsonaro e ganhou fôlego sob
Lula 3. Coincidentemente (ou não), o que afeta a percepção de que uma das
nossas mais caras tradições — a impunidade — voltou com tudo é a postura do
Supremo Tribunal Federal (com destaque para os juízes indicados por Lula).
Foi Ricardo
Lewandowski quem, monocraticamente, suspendeu as restrições à
indicação de políticos para assumir cargos de direção em empresas públicas —
abrindo a porteira para o aparelhamento das estatais. Foi Dias
Toffoli quem sustou os pagamentos de acordos de leniência firmados com
a J&F (R$ 10,3 bi) e a Odebrecht (R$ 3,8 bi) — isso enquanto o governo,
para aumentar a arrecadação, taxa as brusinha da Shein. E a nomeação de Cristiano
Zanin sugere a intenção de seguir deixando passar a boiada.
Nesse ritmo, não será surpresa se — depois da
anistia ampla, geral e irrestrita aos corruptos — o contribuinte se vir
obrigado a arcar com a indenização, por danos morais e materiais, às empresas
envolvidas nos escândalos investigados no âmbito da finada Operação Lava-Jato.
Mas só os brasileiros — dificilmente Estados Unidos, México, Peru, Colômbia e a
penca de outros países aonde chegaram os tentáculos da nossa macrocorrupção
farão essa desfeita a seus cidadãos.
Sendo os eminentes ministros do STF guardiães
dos preceitos constitucionais, convém lembrar que não apenas os golpes de
Estado ameaçam a democracia. A corrupção a corrói por dentro, silente e
insidiosa. Sem a espetacularização dos vidros quebrados, telas rasgadas e
relógios partidos.
Um comentário:
Escreveu ''vir'' e não ''ver'',eu acho estranho,mas é o correto.
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