O Globo
A economia americana manteve o desemprego em
3,7% e criou 353 mil empregos em janeiro, contra expectativa de 185 mil. Os
salários estão em alta, e o crescimento no quarto trimestre chegou a 3,3%,
acima do esperado. Não faz muito tempo esses indicadores seriam entendidos como
um bilhete premiado para uma candidatura à reeleição. Mas nada indica que os
democratas são favoritos contra Donald Trump, que deve conquistar a indicação
pelo partido Republicano para a eleição de novembro.
Na visão do economista Alberto Ramos, diretor
de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs para a América Latina, o governo
Joe Biden ainda tem um calcanhar de Aquiles na economia: embora a taxa de
inflação tenha saído de um patamar de 9% para 3,4%, a memória inflacionária no
eleitorado permanece viva e é motivo de insatisfação.
— O americano vai ao mercado e vê uma caixa de morangos a US$ 9. Parou de subir. Mas ele se lembra que a mesma caixa custava US$ 5. Então a inflação continua sendo um problema para o governo e vai levar tempo até que as pessoas se acostumem com esse novo patamar de preços — disse o economista.
Apesar disso, Ramos, que mora em Nova York,
entende que a pauta econômica terá uma função lateral na disputa, com temas
como imigração e segurança ocupando um papel central pela preferência dos
eleitores.
— Claramente há uma dissociação grande entre
a performance da economia, com criação de emprego, renda, PIB forte, e o
mandato de Joe Biden, que vem perdendo popularidade.
O entendimento é o mesmo do cientista
político Felipe Nunes, sócio da Quaest e um dos autores do livro “Biografia do
Abismo”. Assim como no Brasil, pautas como valores, costumes e questões
identitárias estão prevalecendo sobre a economia.
— Os eleitores do Brasil e dos EUA passam
pelo mesmo processo de calcificação das preferências políticas. A inflação
sempre é um ponto importante nas análises, mas essa visão está cada vez mais
sendo substituída por uma visão afetiva — afirmou Nunes.
A boa performance da economia pode ter
deixado de ser o principal motivador do voto. Mas é fato que governantes em
tempos de crise enfrentam uma situação mais adversa nas urnas. No Brasil, cabe
ao PT não atrapalhar o Ministério da Fazenda, caso queira vencer novamente o
bolsonarismo, que permanece forte, apesar da inelegibilidade do ex-presidente
Jair Bolsonaro.
Efeito imediato
O gráfico mostra o efeito que o dado de
emprego nos EUA teve sobre o dólar índice (DXY), que mede a força da moeda
americana em relação a uma cesta de moedas no mundo. Assim que foram divulgados
os números acima do esperado, o dólar passou por forte valorização. Com o
mercado de trabalho dando sinais de aquecimento, diminuem as chances de cortes
de juros pelo Fed nas reuniões de março e maio. Isso também dificulta que o
nosso BC consiga acelerar o ritmo de cortes, de 0,5 ponto para 0,75, como
deseja o Ministério da Fazenda.
Impacto limitado
O banco ABC Brasil fez um estudo para
analisar o impacto do aumento do frete mundial sobre a inflação brasileira,
decorrente dos ataques a embarcações comerciais no Mar Vermelho. Por enquanto,
o efeito é limitado e a projeção para o IPCA do ano se mantém em 4%. Os
números, contudo, chamam atenção. Em dezembro, houve aumento de 71% no preço do
frete na região, por onde passam 12% do comércio mundial e cargas avaliadas em
US$ 1 trilhão por ano. Em janeiro, o número havia caído para 34%. “Por ora o
choque não impõe grande risco à trajetória benigna da inflação doméstica, sob a
hipótese de que as tensões sejam controladas no curto prazo e que não gerem
grandes atrasos ou paralisias à cadeia global de produção”, diz o banco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário