Valor Econômico
Rio se transformou no laboratório das dificuldades deste governo em ocupar os espaços abertos pela crise do bolsonarismo
O Rio se transformou no laboratório das
dificuldades deste governo em ocupar os espaços abertos pela combustão do
bolsonarismo. Da crise na saúde ao cerco sobre a milícia, a semana foi pródiga
em exemplos. O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela suspeita de
fraude no programa nacional de imunizações deveria evidenciar o contraste com
uma gestão de devotos do SUS. Só que não.
Na sexta passada, a ministra Nísia Trindade publicou uma portaria criando um comitê gestor dos hospitais federais do Rio. Estava, na prática, criando uma instância acima do departamento que passou a centralizar as compras das unidades hospitalares, fatura que chega a R$ 1 bilhão por ano. Determinada por uma portaria assinada em 23 de fevereiro e publicada cinco dias depois, a centralização retomava uma prática de governos anteriores do PT, descontinuada nas gestões Temer e Bolsonaro, quando os hospitais federais passaram para a algibeira do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Mas não apenas.
No dia seguinte à assinatura desta portaria,
o deputado federal e vice-presidente do PT, Washington Quaquá, pediu a demissão
de Nísia Trindade, a quem chamou de “inoperante”. Quaquá parece preferir o
antecessor, o deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ). No início deste
governo, a dupla apareceu abraçada nas redes sociais do dirigente petista.
Ambos têm indicados nos hospitais federais do Rio.
No domingo, o “Fantástico”, da TV Globo,
publicou uma reportagem sobre o caos crônico desses hospitais. As imagens com a
presença de uma consultora que visitou o hospital de Bonsucesso, zona norte do
Rio, antes de formalizada sua contratação emergencial pelo comitê gestor,
derrubaram seu coordenador. Helvécio Magalhães, que também acumulava a
Secretaria de Assistência Especializada à Saúde, a maior do ministério, já
tinha uma passagem pela pasta na gestão Alexandre Padilha.
Na véspera, o ex-presidente ficou longe de
repetir o evento de fevereiro na avenida Paulista. Escolheu a quadra da
Mocidade Independente de Padre Miguel para lançar Alexandre Ramagem à
Prefeitura do Rio. Apesar de a quadra ser vizinha à Vila Militar, sua base
eleitoral, Bolsonaro só conseguiu encher um terço do espaço. A “família
militar” ainda parecia impactada com o divórcio de seus ex-comandantes do
golpismo bolsonarista. Não havia dúvida, portanto, que a notícia do fim de
semana era o caos nos hospitais.
Foi sob seu impacto que se deu a reunião
ministerial. A cobrança sobre Nísia levou-a a demitir tanto Magalhães quanto o
diretor do departamento responsável imediato pela centralização das compras,
Alexandre Telles, um professor da UFRJ que também foi dirigente do sindicato
dos médicos do Rio. Também adiou a vigência do decreto para 8 de abril, para
melhor negociá-lo com os diretores desses hospitais, que têm, na gerência de
compras, seus cargos mais disputados.
O foco na ministra da Saúde deixou passar
despercebido o novo núcleo de poder que a reunião pareceu evidenciar com o
ministro da Articulação, Alexandre Padilha, Jorge Messias (AGU) e, no vértice,
Fernando Haddad (Fazenda). Maior aliado de Nísia na Esplanada, Padilha
sustentou a artilharia redobrada do Centrão e do PT sobre a ministra. A pressão
não se resume às compras hospitalares. O apetite vai além da execução das
emendas. Chega aos recursos da administração direta da pasta vigiados pelas
instâncias tripartites há muito enraizadas na gestão da saúde pública.
Os problemas da Saúde não se limitam às
pressões sobre Nísia. Mesmo seus defensores atestam a demora da ministra em
reagir às crises que acabaram se avolumando na pasta, dos hospitais federais à
dengue, passando pela mortandade dos Yanomamis. Ainda titubeia, por exemplo, na
decretação de emergência nacional de dengue, a despeito do parecer favorável de
seus secretários. Só agora, passado mais de um ano da posse, Nísia saiu em
busca dos conselhos de antecessores.
Só agora, também, surge numa solução de mais
longo prazo para as contratações. Como a criação de uma fundação depende de
lei, avança a ideia de colocar os hospitais sob a gestão da Empresa Brasileira
de Serviços Hospitalares, que administra 40 hospitais universitários, com
contratações via CLT. As resistências sindicais são gigantescas.
E só agora, também, Nísia parece ter sido
capaz de dobrar o médico, professor de administração hospitalar da FGV-SP e
ex-secretário de saúde de Curitiba, Adriano Massuda, para que ele assuma a
secretaria que tem os hospitais federais no seu portfólio. É um nome capaz de
dar ao ministério a agilidade que lhe tem faltado.
Herança do Rio capital federal, os hospitais
são uma anomalia na estrutura do SUS, que repassou sua gestão a Estados e
municípios. Já se tentou passá-los tanto para uma instância quanto para a
outra, mas as unidades acabaram sendo devolvidas ao governo federal.
A homologação da delação do ex-PM Ronnie
Lessa pode ser um golpe no conluio entre Polícia Militar e milícias, que forrou
a cama para a ascensão de Bolsonaro a partir do Rio. O atendimento às
insatisfações onde germina a oposição vai além. Esbarra em dois problemas que
sobrevivem no partido do presidente, o corporativismo de servidores e a ânsia
por uma boquinha na administração pública. Sem superar ambos, não vai desalojar
o bolsonarismo de seu berço político.
Um comentário:
Rio de Janeiro,por sua topografia e por ser a capital cultural do País,devia ser a cidade mais progressista da nação,no entanto...
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