O Globo
Nesta semana, o ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, convocou a imprensa para anunciar que a delação
premiada do ex-PM Ronnie Lessa, assassino de Marielle
Franco e Anderson Gomes, foi homologada pelo ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de
Moraes.
Com uma expressão vitoriosa, Lewandowski
afirmou que a delação “traz elementos importantíssimos que nos levam a crer que
em breve teremos a solução do assassinato”. E mais não disse, nos parcos
minutos em que ocupou o microfone.
A notícia gerou uma onda de otimismo com a perspectiva de, finalmente, sabermos quem mandou matar Marielle e por quê. É um alento para os familiares, para os amigos e também para a sociedade brasileira, especialmente considerando o que ocorreu no país depois do crime mais emblemático de nossa História política recente.
Embora não se saiba ainda o que motivou os 13
tiros de submetralhadora disparados contra o carro onde estavam a vereadora e
seu motorista, não há dúvida de que o assassinato é produto da contaminação do
sistema político e judicial pelo crime organizado.
Desde que Marielle morreu, em 2018, as
milícias ampliaram seu poder se juntando a facções do tráfico e mergulhando
numa disputa territorial por mais territórios contra os grupos inimigos. A
guerra produziu vítimas na favela e no asfalto.
Em outubro do ano passado, quatro
médicos paulistas foram atacados à bala na orla da Barra da
Tijuca, em frente ao hotel de alto padrão onde estavam hospedados
para um congresso. Um deles morreu apenas porque se parecia muito com um
bandido procurado pelos traficantes.
Semanas depois, o Rio parou por causa do
ataque à frota de ônibus da cidade em represália contra a morte de um miliciano
nas mãos da Polícia Civil.
As conhecidas conexões de Ronnie Lessa com
esse submundo levaram muita gente a especular que em sua delação pode estar a
chave que poderá começar a desmantelar essa engrenagem criminosa.
“A investigação do caso Marielle e Anderson
trouxe um ponto de inflexão na estrutura do crime organizado no Rio de
Janeiro”, disse a promotora Simone Sibilio, figura fundamental para
o avanço desse trabalho, em entrevista ao Estúdio i, da GloboNews.
“Até o caso Marielle, Lessa não tinha nenhuma
condenação. Em razão do caso Marielle, ele já foi condenado por organização
criminosa, obstrução de Justiça e tráfico internacional”.
A autoridade de Sibilio nesse tema é
inquestionável, e não se pode perder de vista o avanço que testemunhamos. Ainda
assim, nada nos autoriza a dizer que a solução do caso Marielle imporá uma
derrota permanente ao crime organizado e a seus tentáculos.
A experiência demonstra que as grandes máfias
revidam sempre que acuadas, com mais agressividade ainda se o oponente é fraco
ou está capturado.
É o caso do Rio de Janeiro, onde o sistema
político acaba de se unir para proteger uma deputada estadual acusada pela PF
de colocar seu cargo e a estrutura da Assembleia Legislativa a serviço de uma
das maiores milícias do Rio.
A PF demonstrou que Lucinha (PSD),
chamada de Madrinha pelo chefe da quadrilha, seguia suas ordens, trabalhou para
tirar dos cargos os policiais que poderiam atrapalhar os negócios da
organização e interferiu
politicamente para soltar milicianos presos em flagrante.
Em virtude dessa investigação, a deputada foi
afastada em dezembro pelo Tribunal de Justiça do Rio, mas no final de fevereiro
retomou o mandato com o aval da própria Alerj e
o voto favorável de 52 de seus 70 colegas deputados.
Ontem, enquanto a delação de Ronnie Lessa
ainda repercutia, uma operação comandada pelo Ministério Público Estadual
prendeu 17 policiais militares que faziam a segurança do bicheiro Rogério
Andrade, o mais poderoso do estado, hoje em prisão domiciliar.
Trata-se de uma realidade complexa, diante da
qual a última coisa que se deve fazer é proselitismo político. Daí a reação da
viúva de Marielle, Monica
Benício, ao ver Lewandowski convocar as câmeras de TV apenas para
dar a notícia de um acordo de delação que ele não negociou, não homologou e,
segundo ele mesmo, nem sabe que informações traz.
“Esse pronunciamento do ministro em nada
colabora com a esperança, apenas aumenta as especulações e uma disputa de
protagonismo político que não honram as duas pessoas assassinadas”, escreveu
Benício, hoje também vereadora pelo PSOL.
Como ela própria definiu, quando um grupo se
sente autorizado a usar a violência e a morte como forma de fazer política, é a
própria democracia que está em xeque. Ocupar as câmeras de TV para fazer
oba-oba em nada ajuda a mudar esse quadro e ainda escancara o tamanho da nossa
fragilidade.
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