Conclusão da reforma tributária preocupa
Folha de S. Paulo
Passados 90 dias desde a promulgação da
emenda, não há sinal de projeto do governo ou das principais forças políticas
A aprovação da emenda constitucional da reforma tributária foi
justamente celebrada como um feito histórico no ano passado. Entretanto é
necessário lembrar que, sem uma regulamentação politicamente difícil, o novo
sistema de impostos não sairá do papel —e o andamento desse processo suscita
preocupações agora.
O Congresso promulgou a mudança na Carta em
20 de dezembro de 2023. O texto abre caminho para que a tributação do consumo
de bens e serviços, excessiva e socialmente injusta no Brasil, torne-se ao
menos mais simples e eficiente economicamente.
Passados 90 dias, porém, nada andou. Inexiste projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou proposta acordada entre as principais forças políticas do país, para colocar em prática a reforma. Sem isso, tudo fica como está.
O Brasil, como se sabe, submete seus
contribuintes a um dos modelos de taxação do consumo mais complexos do mundo,
se não o mais. Há hoje nada menos que cinco grandes tributos incidentes sobre a
venda de mercadorias e serviços, nos três níveis de governo: Cofins, PIS e IPI,
federais, ICMS, estadual, e ISS, municipal.
Esse arranjo esdrúxulo resulta num labirinto
de alíquotas, que mudam conforme o produto e a região, de regras, exceções e
regimes especiais —para nem falar em preços exagerados, empresas que se
instalam em locais inadequados e obstáculos aos investimentos.
A reforma institui apenas um grande tributo
sobre bens e serviços, compartilhado entre o governo federal e os entes
regionais, além de um imposto seletivo sobre artigos prejudiciais à saúde e ao
ambiente. A arrecadação deve permanecer a mesma para todos.
Para os desavisados, pode parecer simples,
mas a tarefa é hercúlea. Lobbies empresariais e políticos estão organizados
para manter privilégios hoje existentes, e estados e municípios disputarão
vantagens em suas receitas. Se todos forem bem-sucedidos, o sistema tributário
continuará caótico.
O governo Lula, ao qual deveria caber a
missão de negociar os termos da mudança, dá seguidas mostras de falta de planos
e de capacidade de articulação política em um Congresso pouco amigável.
É o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), quem está insistindo para apressar a discussão da
regulamentação, dados os prazos exíguos de tramitação em um ano de eleições
municipais.
Sem um amplo entendimento político, contudo,
interesses de grupos influentes podem desfigurar a reforma.
A trapalhada do ministro
Folha de S. Paulo
No afã de mostrar serviço, Lewandowski
ultrapassa fronteira com caso Marielle
Nos 17 anos em que serviu como ministro do
Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski não raramente viu-se envolvido em
polêmicas decorrentes da origem de sua indicação para o cargo, a proximidade
com o então e hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Enumeram-se entendimentos favoráveis ao
petismo, de embates pelo garantismo quando relator do mensalão ao fatiamento da
decisão sobre o impeachment de Dilma Rousseff, que permitiu à ex-presidente
manter direitos políticos.
Seus defensores sacam o notório saber
jurídico, que o destacava de outras escolhas mais políticas feitas pelo próprio
Lula à corte. Aposentado em 2023, rumava para uma lucrativa carreira privada.
Mas foi convocado pelo PT para substituir
Flávio Dino, ex-ministro da Justiça levado ao Supremo. Esperava-se uma gestão
menos estridente do que a do maranhense, mas esse primeiro mês e meio se
mostrou desafiador ao vaticínio.
Lewandowski viu-se logo confrontado com uma
crise inaudita, a fuga de dois
presos de uma penitenciária federal de segurança máxima em
Mossoró (RN). Correu a enumerar medidas e promoveu intensa mobilização
policial. Dos fugitivos, porém, não há notícia.
A pressão na área da segurança, apontada em
pesquisas como um calcanhar de Aquiles da gestão Lula, desaguou em novo
ineditismo.
Na terça (19), o ministro
fez um inusitado anúncio da homologação, pelo ministro do STF
Alexandre de Moraes, da delação premiada de Ronnie Lessa, preso sob acusação de
matar a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes,
em 2018.
Ressalvando desconhecer seu teor, disse que a
delação "traz elementos importantíssimos que nos levam a crer que
brevemente teremos a solução do assassinato".
Não é papel de um ministro do Executivo
antecipar investigações criminais. Pior, sugere afã de atender à cobrança de
Lula por mais divulgação do governo, ante a queda de sua popularidade. O pasmo foi
expresso até pela viúva de Marielle, Mônica Benício, que sentiu
cheiro de exploração política.
Além de inapropriada, a fala tem o duplo
condão de arriscar o ministro ao vexame, caso não haja avanços no necessário
esclarecimento do crime, e o de politizar quaisquer elucidações.
O show de Lewandowski
O Estado de S. Paulo
Foi constrangedor ver um ministro outrora
conhecido por sua discrição servir de mestre de cerimônias do espetáculo
político em que governo Lula transformou a resolução do caso Marielle
Na campanha em que se elegeu presidente, Lula
da Silva prometeu a solução do caso Marielle Franco. Na verdade, para o chefão
petista a investigação era só protocolar, porque ele já declarava, no palanque,
que o assassinato da vereadora carioca fora obra da “gente dele”, em referência
ao então presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é antiga e notória a exploração
política do crime por parte de Lula, mas agora a coisa toda descambou para um
espetáculo vergonhoso, tendo como mestre de cerimônias o ministro da Justiça,
Ricardo Lewandowski, outrora conhecido por sua discrição.
Anteontem, de supetão, Lewandowski anunciou
que faria um pronunciamento no fim daquela tarde sobre o caso Marielle. As
atenções do País, é óbvio, voltaram-se para o acontecimento. Afinal, não é todo
dia que um ministro de Estado anuncia do nada um pronunciamento, sobretudo a
respeito de tema tão sensível para a sociedade brasileira. Decerto não foram
poucos os que esperaram que o governo federal fosse anunciar, enfim, quem havia
mandado matar a vereadora Marielle Franco e por qual motivo.
Como o País inteiro pôde ver, foi um
anticlímax. O ministro da Justiça apequenou-se. Lewandowski se limitou a
informar que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
havia homologado o acordo de colaboração premiada firmado entre a PF e o
ex-policial militar Ronnie Lessa, agora assassino confesso da vereadora e do
motorista dela. Em tempos menos espalhafatosos, uma informação como essa
chegaria a público numa entrevista rotineira dada por subordinados do ministro,
sem a pompa de um pronunciamento oficial.
No horário marcado, Lewandowski surgiu diante
das câmeras, anunciou a homologação do acordo, elogiou o trabalho da PF e disse
que “a elucidação do caso está próxima” – gerando mais expectativas na
sociedade e, mais grave, nos familiares das vítimas. Em menos de quatro
minutos, virou as costas e foi embora. Coberta de razão, a vereadora Monica
Benício (PSOL-RJ), viúva de Marielle, afirmou que a fala do ministro “em nada
colabora, apenas aumenta as especulações e uma disputa de protagonismo político
que não honram as duas pessoas assassinadas”.
Compreende-se a reação de Monica Benício.
Após a posse de Lula, sobretudo a partir da transferência das investigações
para a PF, subordinada administrativamente ao Ministério da Justiça e Segurança
Pública, o governo federal transformou o caso Marielle num circo. No afã de
transmitir ao País a ideia de que o governo Lula da Silva está trabalhando na
área da segurança pública, um de seus flancos mais vulneráveis, parece que vale
tudo. Em meados de janeiro, convém lembrar, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues,
disse estar “convicto” de que o caso Marielle estaria resolvido até o fim de
março. Para um inquérito que corre sob sigilo, o delegado foi bastante loquaz,
outra evidência de que a instrumentalização da morte de Marielle para fins
políticos veio para ficar.
Nem se discute aqui se a entrada da PF no
caso era necessária e se, a partir disso, as investigações avançaram em relação
aos achados da Polícia Civil do Rio. O fato é que o que nasceu como uma ambição
política, e não técnico-policial, evoluiu naturalmente para a
espetacularização, não raro vulgar e, principalmente, desrespeitosa à memória
das vítimas e ao sofrimento de seus familiares. Assim foi quando o ministro da
Justiça e Segurança Pública era Flávio Dino, um notório caçador de holofotes, e
assim continua sendo na gestão de Lewandowski.
Comportamentos como o de Lewandowski, mas não
só, evidenciam que objetivos político-partidários sobrepujaram a condução
republicana de uma investigação policial, como se a solução do caso Marielle
fosse uma encomenda, tal como o próprio crime. Até o STF parece ter sido
contaminado por esse mau direcionamento. O caso chegou ao Supremo faz pouco
mais de uma semana. E em apenas cinco dias Moraes homologou um acordo que
envolve uma complexa investigação de seis anos.
É preciso acelerar a reforma tributária
O Estado de S. Paulo
Há muito a ser feito e pouco tempo para
concluir os trabalhos para regulamentar a reforma. Governo e Legislativo não
podem titubear nem se perder em disputas de poder inócuas
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
cobrou o governo sobre o envio dos projetos de leis complementares para
regulamentar a reforma tributária sobre o consumo. Para Lira, essa fase precisa
ser encerrada ainda neste ano, sob pena de que a proposta venha a naufragar.
Tem razão o presidente da Câmara ao fazer um
apelo público ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. À primeira vista, o
calendário para a aprovação dos projetos parece confortável, uma vez que a
reforma entrará em vigor somente em 2026.
No entanto, a disputa eleitoral deve encurtar
o ano no Legislativo. Com deputados e senadores dedicados a apoiar prefeitos em
suas bases, o governo teria apenas o primeiro semestre para tocar os projetos
de seu interesse no Congresso.
Os 19 grupos técnicos responsáveis pela
elaboração dos anteprojetos, no entanto, ainda não concluíram os trabalhos, e
os textos ainda terão de ser submetidos a Haddad antes que eles se tornem
projetos aptos a serem enviados ao Legislativo.
Todas essas discussões não podem se estender
além deste ano. Em 2025, será preciso regulamentar a reforma por meio de normas
infralegais que dependem dos projetos de lei. Além disso, será preciso testar
os sistemas para garantir que a transição entre o modelo atual e o novo ocorra
sem contratempos.
Não será uma tarefa trivial, dado que a
reforma aprovada pelo Congresso, que cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
e unifica cinco tributos federais, estaduais e municipais, representa uma
verdadeira revolução diante do caótico modelo tributário brasileiro.
A emenda constitucional, no entanto, deu
apenas as diretrizes gerais que agora precisam ser devidamente detalhadas,
discutidas e aprovadas. Entre os temas pendentes está a governança do Comitê
Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo cuja arrecadação será
dividida entre Estados e municípios.
Será preciso garantir a não cumulatividade
dos tributos, que corrói a competitividade dos produtos brasileiros no
exterior, estabelecer os itens da cesta básica que serão ou não desonerados e
discutir os detalhes dos regimes específicos, diferenciados ou favorecidos para
alguns setores econômicos.
Também será preciso decidir quais serão alvo
do Imposto Seletivo, cuja alíquota será de até 1% sobre a produção.
Naturalmente, todos os setores que potencialmente possam se tornar alvo dessa
cobrança têm trabalhado para se livrar dela, como a indústria de alimentos
ultraprocessados e de bebidas açucaradas e os setores de mineração e petróleo.
Disso dependerá a alíquota padrão do IVA,
que, aliás, o governo ainda não divulgou. Antes da aprovação da reforma, o
Ministério da Fazenda a havia estimado em 27,5%, mas as mudanças no texto
durante a fase final de tramitação ainda não haviam sido incorporadas quando
tal porcentual foi divulgado.
Críticos da reforma podem até argumentar que
esse porcentual colocaria o País na liderança das alíquotas mais elevadas do
mundo, mas nenhum deles arriscaria dizer qual o nível de tributação do modelo
atual – não por incompetência, mas porque as distorções do sistema atual
tornaram uma tarefa tão simples como essa simplesmente impossível.
Apesar de a demora dos grupos técnicos do
governo para concluir os anteprojetos ser evidente, o Congresso também deveria
fazer a sua parte e colaborar com o avanço da reforma. Lira já poderia ter
definido o relator dos textos na Câmara, mesmo porque mais de 70 pontos
precisam de legislação complementar.
Além disso, seria prudente que os
parlamentares recuassem da proposta paralela que articulam para impor travas ao
Imposto Seletivo e reduzir as prerrogativas da Receita Federal sobre o tema.
Trata-se de clara e indevida invasão de competências por parte dos
parlamentares, que não merece prosperar.
Há muito a ser feito e pouco tempo para
concluir os trabalhos. Mas governo e Congresso não podem titubear nem se perder
em disputas de poder inócuas. É hora de avançar com a reforma tributária e
colocá-la em prática para que o País possa iniciar uma nova fase de
desenvolvimento.
O presidente da Câmara defendeu que a
“regulamentação da tributária não pode naufragar por falta de calendário”.
Segundo ele, se o governo deixar a proposta para depois de 2024, “fica
complicado”.
Um conto de dois governos
O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que, para o mercado financeiro, Fernando Haddad vai bem; e Lula, mal
Para o mercado financeiro, Lula da Silva e
Fernando Haddad não fazem parte do mesmo governo. Em pesquisa da Genial/Quaest
com 101 gestores, economistas, analistas e operadores de fundos de investimento
em São Paulo e Rio de Janeiro, o presidente da República é reprovado por 64% –
patamar 12 pontos porcentuais maior do que o verificado em um levantamento de
novembro. Já o ministro da Fazenda é aprovado por 50% dos consultados, uma alta
de 7 pontos porcentuais em relação à pesquisa de novembro.
O resultado traduz claramente o contraste
entre o pragmatismo do ministro, em sua cruzada pelo equilíbrio fiscal, e o
desvario populista e estatista de Lula, em franca campanha por mais um mandato.
Pesaram especialmente a interferência de Lula na gestão da Petrobras e a
pressão exercida sobre a Vale.
É compreensível o fato de o mercado
financeiro rechaçar com vigor cada vez maior as premissas defendidas por Lula
da Silva e pelo PT, calcadas num desenvolvimentismo mal-ajambrado, ao mesmo
tempo que endossa o trabalho de Haddad. Afinal, frequentemente metralhado pelo
fogo amigo do PT, o próprio ministro se distancia cada vez mais da visão
econômica antediluviana do partido.
O embate público entre a presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, e Haddad, há pouco mais de dois meses, deixou às claras a
incompatibilidade largamente conhecida nos bastidores do governo. Gleisi fez
constar em resolução do partido que o País precisava se libertar do
“austericídio fiscal”, referindo-se à política econômica da Fazenda. Na
primeira oportunidade, Haddad rebateu, em entrevista, reclamando que “o PT acha
tudo errado”.
As farpas trocadas apenas evidenciaram o que
já era notório: a banda do PT não toca a mesma partitura usada por Haddad. E o
PT é Lula. Por isso, não surpreende que o mercado, que tem horror ao dirigismo
econômico e à intromissão política do Estado na governança das empresas, esteja
dissociando claramente as ações do ministro da Fazenda das intenções do PT e de
Lula.
Por enquanto, parece prevalecer o autoengano
no mercado, mas é evidente que, no limite, todos sabem que Haddad fará o que
Lula mandar. A prioridade do presidente e do PT é ganhar as eleições, as
próximas e as futuras, e para isso não terão nenhum problema em atropelar metas
fiscais e restrições à interferência em estatais e nas grandes companhias
nacionais. A título de impedir um eventual triunfo bolsonarista na disputa
presidencial de 2026 – que, no discurso petista, representaria uma ameaça à
democracia –, o lulopetismo faz o que sempre soube fazer bem: causar crises e
inibir investimentos privados.
Lula da Silva, recorde-se, classificou o mercado financeiro como um “dinossauro voraz” em razão da reação negativa contra a mão pesada do Estado na retenção de boa parte dos dividendos da Petrobras. Uma amostra de como encara com desdém as relações de mercado, negligencia o ambiente de negócios e seus investidores e expõe uma visão abusiva de Estado. A avaliação negativa de seu governo entre os que investem no Brasil, portanto, não é gratuita.
Crise na saúde exige do governo respostas
técnicas
O Globo
Permanência de Nísia no comando do ministério
deve significar respeito à boa ciência e à boa gestão
A ministra da Saúde, Nísia
Trindade, se emocionou depois de admoestada em público pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva na reunião ministerial de segunda-feira. Está sob a alçada dela a pasta
com um dos maiores orçamentos da Esplanada, às voltas com problemas que vão da
avassaladora epidemia de dengue à situação lastimável dos hospitais federais do
Rio. Não bastasse a bronca, Nísia foi chamada para uma conversa privada no dia
seguinte. A convocação, num clima de pressão de políticos de vários partidos —
inclusive do PT —, levantou suspeitas de que ela poderia cair. Por enquanto,
Nísia obteve de Lula o aval para permanecer no cargo, mas a situação está longe
de pacificada.
Ela assumiu o ministério depois de quatro
anos caóticos. Na pandemia, a gestão Jair Bolsonaro ignorou o conhecimento
científico, e a pasta virou refúgio para esquemas sombrios. Na época presidente
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia se destacou pelo perfil técnico e
pela competência como gestora ao garantir vacinas que salvaram milhares de
vidas. Uma vez no comando do ministério, seus desafios se tornaram maiores e
mais complexos.
Embora seja a face mais visível e aguda, a
explosão de casos de dengue não é o único. A crise na Saúde se agrava diante
das disputas por cargos e verbas numa área cobiçada devido aos orçamentos
generosos. Derivam daí problemas crônicos de gestão, má alocação de verbas ou
mesmo corrupção.
Um exemplo é a situação alarmante dos
hospitais federais do Rio, tema de reportagem no Fantástico. Além de leitos
desativados e equipamentos quebrados, instalações elétricas precárias aumentam
o risco de incêndios e ameaçam a segurança. O desperdício é flagrante. Por
falta de material, doentes aguardam anos para se submeter a cirurgias
ortopédicas, enquanto caixas com próteses vencidas, que custaram mais de R$ 20
milhões, estão empilhadas num depósito. É evidente a inépcia na gestão de um
orçamento que passa de R$ 860 milhões.
Logo depois da posse de Nísia, o ministério
fez um relatório apontando o estado de calamidade dos seis hospitais federais
do Rio. Andares inteiros fechados, mais de 200 leitos desativados, equipamentos
deteriorados, obras paralisadas, serviços como emergência pediátrica, unidade
coronariana ou CTI suspensos. Uma medida adotada para resolver o descalabro foi
a centralização das compras no Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), de modo
a evitar desperdício e desabastecimento. O ministério também criou um comitê
para discutir a reformulação dos hospitais federais e preparou edital para
contratar 500 profissionais.
Na segunda-feira, Nísia exonerou o diretor do
DGH, Alexandre Telles, e o secretário de Atenção Especializada à Saúde,
Helvécio Magalhães Júnior. Para o lugar de Telles foi indicada,
provisoriamente, Cida Diogo, ex-deputada petista. Mau sinal, já que Telles,
exonerado, foi o autor do relatório apontando os descalabros. A cessão de um
cargo estratégico pode ter sido o preço a pagar pela permanência no ministério.
Independentemente das circunstâncias políticas, a Saúde precisa se guiar por
decisões técnicas, tanto na ciência quanto na gestão. Só assim é possível
reverter a calamidade que aflige os brasileiros. Foi pelo perfil técnico, cujo
êxito foi comprovado na pandemia, que Lula escolheu o nome de Nísia — e é por
isso que deve mantê-la. Do contrário, quem pagará a conta é o cidadão.
Indiciamento é mais um entre vários problemas
de Bolsonaro na Justiça
O Globo
É escandaloso o ex-presidente ser acusado de
falsificar comprovantes de uma vacina que sempre condenou
À primeira vista, o indiciamento do
ex-presidente Jair
Bolsonaro e de mais 16 pessoas pela Polícia
Federal (PF), sob a acusação de falsificar comprovantes de
vacinação, pode parecer fato menor diante dos demais inquéritos que pesam
contra ele. Afinal, Bolsonaro é investigado pela suspeita de ter planejado um
golpe de Estado em 2022. A impressão logo se dissipa quando confrontada com os
fatos. Se qualquer cidadão fosse acusado de associação criminosa e inserção de
dados falsos em sistema público, já seria reprovável. Que dizer de um
presidente? Em especial, de um presidente cuja gestão negacionista e inepta
durante a pandemia deixou um rastro de mais de 700 mil vítimas de Covid-19?
As circunstâncias também são relevantes. Na
época, vários países exigiam o comprovante para permitir a entrada de
visitantes. Para a PF, há conexão entre os dados de vacinação e o planejamento
de quebra da ordem constitucional. A fraude, diz o inquérito, “pode ter sido
utilizada pelo grupo para permitir que seus integrantes, após tentativa inicial
de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para
cumprir eventuais requisitos legais para a entrada e permanência no exterior”.
A conclusão dos investigadores aponta Bolsonaro como mandante. A defesa nega. O
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de 15 dias
para a Procuradoria-Geral da República avaliar se apresenta denúncia.
As informações mais comprometedoras do
inquérito derivam da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens da Presidência. Ele afirmou que Bolsonaro determinou que
comprovantes de vacinação dele e de sua filha menor de idade fossem forjados.
Os dados falsos foram inseridos no sistema do Ministério da Saúde em 21 de
dezembro de 2022, com o login de um secretário da prefeitura de Duque de Caxias
(RJ). No dia
seguinte, os comprovantes foram impressos no Palácio da Alvorada e, segundo
Cid, entregues em mãos a Bolsonaro. A partir do depoimento de
Cid, a PF buscou evidências que confirmassem sua versão dos fatos. Encontrou
mensagens, registros do banco de dados de vacinação do SUS e da impressão.
Desde que saiu da Presidência, Bolsonaro foi
condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ataques ao sistema eleitoral e
ficou inelegível até 2030. Depois do indiciamento pela falsificação dos
comprovantes, a PF projeta apresentar as conclusões de dois outros inquéritos
até julho, as suspeitas de participação em planejamento para dar um golpe de
Estado e de envolvimento no contrabando de joias sauditas. As investigações
devem prosseguir.
Bolsonaro sempre atacou as vacinas contra a Covid-19, apesar das evidentes vantagens da imunização. Se tivesse se vacinado, protegeria a própria vida e a dos próximos. Como presidente, daria um exemplo que teria ajudado a salvar milhares de vidas. Desgraçadamente, esse não foi o caminho que escolheu. Que agora seja acusado formalmente de ter usado o cargo para falsificar os comprovantes é escandaloso.
Avanços na economia e reveses políticos nos
100 dias de Milei
Valor Econômico
Javier Milei ainda não acertou o passo com a
política e não conseguiu apoio parlamentar que lhe dê sinal verde para seu
extenso programa de reformas
Cem dias após sua posse, o presidente
argentino, Javier Milei, continua com bom apoio popular, quase da mesma
proporção (56%) que o levou à Casa Rosada em 10 de dezembro passado. Não é um
dado trivial diante do enorme choque que aplicou na economia, provocando a
maior queda salarial desde o início da ditadura militar, um recuo de 26% do
consumo, megadesvalorização cambial e o mergulho da maioria da população
argentina na faixa de pobreza. Há sinais de progresso na inflação e nas contas
públicas e derrotas em série na arena política - tudo o que o governo fez até
agora só foi possível por causa de um decreto de urgência, semelhante a uma
medida provisória, que foi rejeitada no Senado e não foi votada pela Câmara.
O governo continua em liberdade condicional
para implantar seu plano econômico, cujos pilares estão claros desde o início,
embora não se vislumbre nele ainda uma estratégia de crescimento. São medidas
de choque que provocaram uma parada súbita nas atividades econômicas. O governo
cortou de imediato os investimentos públicos, repasses extras para os Estados,
retirou subsídios de energia e transporte, liberou todos os preços e estancou o
que era um dos principais fatores de impulso inflacionário: a emissão de moeda
pelo Banco Central, que financiava déficits crescentes. A crise, que já vinha
do governo peronista de Alberto Fernández, se aprofundou, com o Estado se
retirando do jogo econômico, onde sempre teve papel relevante. As estimativas
de queda do PIB estão aumentando, partindo de 3,5% para até 7%, quase da
magnitude da ocorrida durante a pandemia em 2020-21.
Para se livrar do cerco de escassez de
divisas que asfixia a Argentina, o peso foi desvalorizado em 54,2%,
reduziram-se ao máximo os gastos que eram cobertos por emissões e foram
rolados, com apoio de 77% dos credores da dívida (70% deles estatais ou paraestatais
e 7% privados), US$ 50 bilhões de obrigações em pesos que venciam este ano. Com
queda enorme da renda e impulso fiscal negativo, a inflação mensal recuou dos
25% de dezembro para 20,6% em janeiro e 13,2% em fevereiro. A inflação em 12
meses continua uma aberração: 276,2%. O governo cortou a taxa de juros de 100%
para 80%. Em plena recessão, o país obteve o primeiro superávit primário desde
2011, seguido por outro resultado positivo em fevereiro. Segundo o ministro da
Economia, Luis Caputo, houve também superávit nominal, que considera o
pagamento de juros.
A arrecadação caiu 6% nos dois primeiros
meses, mas os gastos primários diminuíram 36,4%. O saldo primário de fevereiro
foi de 0,2% do PIB, ou US$ 1,2 bilhão. O financeiro, de US$ 33,8 milhões. No
primeiro bimestre, o resultado primário subiu para 0,5% do PIB. Os motivos dos
dados auspiciosos formam um roteiro que não pode ser repetido por muito tempo.
A inflação derrubou os gastos estatais com aposentadorias e pensões em 38%, o
fator de maior peso para o resultado. O governo também atrasou pagamentos a geradoras
de energia e petroleiras e não apenas deu uma tesourada nos subsídios, como
aumentou tarifas para torná-las mais justas, em imóveis de alta renda,
indústria, colégios, clubes e hospitais.
Com redução da inflação e superávit fiscal, o
câmbio paralelo deixou de se desgarrar do oficial e manteve-se a uma distância
quase constante de 20%. O risco-país, por volta de 2.500 pontos perto da posse
de Milei, recuou abaixo dos 1.500 ontem (1.496). O fim da pior seca do país em
décadas permitiu a volta de exportações robustas do agro, que engrossaram as
reservas em US$ 7 bilhões, enquanto o estado de inanição da economia doméstica
fez despencar as importações, trazendo de volta superávits comerciais no primeiro
bimestre e menor penúria de dólares a curto prazo.
Com um diagnóstico correto dos principais
problemas econômicos, Milei ainda não acertou o passo com a política - não
conseguiu apoio parlamentar que lhe dê sinal verde para o extenso programa de
reformas que almeja. A “casta”, que atacou ferozmente nas eleições e que
continua a atacar - incluindo seus aliados de centro-direita, alvo frequente
das críticas -, derrubou seu decreto de urgência, o mesmo que lhe permite fazer
o que está fazendo. Caso não passe na Câmara, onde a situação lhe é um pouco
mais favorável, terá de rever sua estratégia e reduzir o ritmo de mudanças - e
tempo é fator crucial de que não dispõe. Por isso, Milei busca um desvio de
rota com seu Pacto de Maio, um conjunto de dez pontos com os quais pretende
angariar apoio dos governadores, dos quais tem divergido também. Entre os
pontos estão reformas política, previdenciária e trabalhista, equilíbrio fiscal
“inegociável”, redução dos gastos públicos a 25% do PIB e abertura comercial.
Milei não tem acertado na articulação política com seu temperamento autoritário e avesso a negociações. Até agora, mostram as pesquisas, há descontentamento, mas também forte apoio, em especial das camadas mais pobres, vitais para influenciar a oposição peronista a ceder. Se prosseguir com ultimatos e ameaças, porá a perder os passos positivos para a reconstrução da Argentina que já deu. Milei correria o risco de ver rejeitadas pelo Congresso todas as suas iniciativas e tornar-se um presidente impotente.
Correio Braziliense
Mesmo tendo o maior potencial hídrico do
planeta, o Brasil tem perdido oportunidades importantes para preservar esse bem
tão precioso e cada vez mais escasso
O Dia Mundial da Água será comemorado amanhã,
mas são poucas as razões para celebrar. Mesmo tendo o maior potencial hídrico
do planeta, o Brasil tem perdido oportunidades importantes para preservar esse
bem tão precioso e cada vez mais escasso. Desde 2014, o país vem convivendo com
períodos de seca extrema em várias regiões, levando a racionamentos em grandes
centros urbanos, um tormento, sobretudo, para as populações mais pobres, menos
assistidas pelo poder público.
Há razões de sobra para explicar os motivos
de tantas pessoas conviverem com a escassez de água. O primeiro, e mais
importante, é a falta de gestão. Há deficiências enormes no controle e na
distribuição do recurso hídrico. Estima-se que o Brasil desperdice quase 38% da
água que deveria chegar às casas da população. Tal perda corresponde a 8 mil
piscinas olímpicas por dia. Se economizada, essa quantidade de água seria
suficiente para atender 67 milhões de brasileiros em um ano.
Ao mesmo tempo em que joga fora bilhões de
litros, o país convive com uma concentração de água na região menos povoada.
Quer dizer: 70% de todos os rios e lagos estão na região Amazônica, que abriga
20% da população. Até por razões ambientais, é difícil fazer parte dessa água
chegar onde está o grosso dos consumidores, as regiões Sudeste e Nordeste. Essa
última tem parte do território composto pelo semiárido, onde a seca é
persistente.
Mais assustador é saber que cerca de 30
milhões de pessoas sequer têm água potável encanada. São, principalmente,
mulheres e crianças, negras e pardas. É a desigualdade escancarada. Pelo novo
marco legal do saneamento, aprovado pelo Congresso em 2020, o país terá de
atender 99% da população com esse recurso natural até 2033. Pouca gente
acredita que essa meta será alcançada, tal a incapacidade dos setores público e
privado de tocarem os investimentos necessários.
Ao descaso, soma-se à falta de educação da
população para enfrentar os desafios de preservar os recursos hídricos,
ameaçados pelas rápidas mudanças climáticas. É preciso implantar ações
imediatas para conter a devastação de nascentes e florestas. Os brasileiros
precisam aprender a poupar água, mas não só em períodos de racionamento, como
se viu no Distrito Federal e em São Paulo. Cada cidadão do país consome, em
média, 148,2 litros de água por dia, quando o recomendável pela Organização das
Nações Unidas (ONU) é de, no máximo, 110 litros.
Essa conscientização deve começar muito cedo,
nos bancos das escolas, mostrando, por exemplo, a importância do reuso, do
reaproveitamento e do acúmulo adequado das águas das chuvas. Há projetos
espetaculares país afora que podem servir de referência, como o de um
agricultor do Mato Grosso, que decidiu "plantar água". Com recursos
próprios, ele construiu mais de 40 açudes no seu terreno. A água acumulada
pelas chuvas vai se infiltrando no solo, repondo os aquíferos e fazendo
renascer nascentes.
Ou seja, basta ter vontade e compreensão de
que todos, sem exceção, devem fazer a sua parte para que, num futuro próximo, a
falta de água não seja uma rotina, um tormento. Instrumentos há de sobras,
projetos vitoriosos, também. Nas universidades, pesquisadores têm recorrido à
tecnologia para ampliar o acesso à água, inclusive, por meio da dessanilização,
num país com mais de 7 mil quilômetros de costa marítima. Não há mais desculpas
para o desperdício. A hora é agora.
A guerra por água já começou em várias partes do mundo, levando ao êxodo de milhões de pessoas. São movimentos assustadores, que vão se tornar frequentes. O Brasil ainda está em uma situação privilegiada, mas, em pouco tempo, poderá ser obrigado a prestar contas com o fracasso. E a fatura será cara, muito cara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário