O Estado de S. Paulo
A oposição entre os livros e a ação prática serve apenas para reafirmar velhos preconceitos
“Entre escritor / e leitor / posta-se o intermediário / e o gosto / do intermediário / é bastante intermédio.” Esses são os versos iniciais do poema Incompreensível para as massas, de Vladimir Maiakovski e traduzido pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. A diatribe do russo era uma reposta às críticas que censuravam sua obra por não “ter consciência de classe suficientemente proletária”. Lá se vão cem anos...
Mas voltemos à resposta de Maiakovski aos
censores. “Camponeses – ele dizia dos críticos – só viu antes da guerra”, em
uma dacha ao comprar “mocotós de vitela”. “Operários? / Viu menos. / Deu com
dois / uma vez / por ocasião da cheia, / dois pontos / numa ponte /
contemplando o terreno, / vendo a água subir / e a fusão das geleiras.”
Pois assim enxergam o País alguns em Brasília, como dois pontos distantes, vislumbrados somente quando alguma crise desperta a atenção dos que se refestelam nas mesas do poder. Fernando Haddad deve saber disso. O ministro leu livros. A começar de Maiakovski.
Candidato ao governo de São Paulo ao mesmo tempo que Lula disputava a Presidência, Haddad distribuiu aos professores paulistas uma lista de livros que – também um professor – acreditava todos devessem ler. Os poemas do russo ocupavam o primeiro lugar da lista. Seguiam-nos algumas leituras curiosas para alguém que foi parar na Esplanada. Ali estavam O Processo, de Kafka; Memórias Póstumas de Brás Cubas, História Geral da África, A Revolução dos Bichos, Cem Anos de Solidão, Ficções, Budapeste e Leite Derramado. Por fim, o candidato ao governo paulista indicava um livro de sua autoria: O terceiro excluído. O homem que fazia política com livros não foi eleito. Lula foi.
Alguém poderia dizer que a pratica é o único
critério da verdade, que foi em relação à ela que o presidente se referiu em
oposição às teorias contidas apenas nos livros. Turiferários dispostos a tudo
perdoar e a explicar enxergariam toda uma lição sobre a práxis em duas frases
de Lula, como se estivéssemos em 1845, quando Marx escreveu suas Teses sobre
Feuerbach.
Este é um país em que o mercado de livros
conheceu uma queda de 7,13% em 2023, uma retração de 4,4 milhões nos exemplares
vendidos. A palavra presidencial não devia se transformar em desestímulo à
cultura e às leituras. Um presidente deve ter bons modos, sem os quais pode
sentir-se à vontade até para dizer: “Eu não sou coveiro”.
Resta ao ministro lembrar ao chefe os conselhos do candidato Haddad e responder ao presidente como Maiakovski aos censores russos: “O livro bom / é claro / e necessário / a vós, / a mim, / ao camponês / e ao operário”. E também aos parlamentares e a quem com eles deve lidar.
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