Johanns Eller /O Globo
Levantamento do Dieese mostra aumento de 12%.
Lideranças sindicais afirmam que retorno do PT ao poder criou ambiente mais
favorável à mobilização do funcionalismo público e que este ano atos devem se
intensificar
O número de greves no setor público
registradas em 2023, primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, superou ligeiramente as do mesmo período do governo Jair
Bolsonaro. Os dados são do do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que monitora a atividade
grevista a nível nacional.
Segundo o levantamento antecipado à equipe do
blog , foram 629 greves registradas em 2023, frente a 566 no primeiro ano de
mandato de Bolsonaro – um aumento de 12%.
A tendência de alta é constatada num ambiente
de paralisações em órgãos estratégicos que, para sindicalistas e especialistas
ouvidos pela equipe do blog, deve se intensificar ainda mais em 2024.
Entre as mobilizações do ano passado, no
entanto, apenas 12% se prolongaram para além de 12 dias – patamar similar ao do
governo anterior. Ainda segundo o Dieese, praticamente metade (47%) foram
greves de advertência, com tempo de duração pré-determinado.
São situações bem diferentes, por exemplo, da
greve na rede federal de ensino. Só os técnico-administrativos estão
paralisados há mais de 40 dias. Segundo fontes do governo federal relataram à
equipe do blog, a categoria é a mais delicada por ser a maior do funcionalismo
público: são 200 mil servidores, quase 40% do efetivo total da máquina federal.
Só nestes quatro primeiros meses de 2024, o governo federal tem sido pressionado por paralisações de profissionais no Ibama, ICMBio, Comissão de Valores Monetários (CVM), Banco Central, auditores fiscais e agropecuários, além dos técnico-administrativos.
Lideranças sindicais ouvidas pela equipe do
blog afirmam que o retorno do PT ao
poder criou um ambiente muito mais favorável à mobilização do funcionalismo
público do que na era Bolsonaro e também preveem um 2024 intenso e marcado por
cobranças.
Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade e
principal expoente da Força Sindical, uma das maiores centrais sindicais do
país, aposta que a mobilização no segundo semestre deste ano ficará ainda mais
“aquecida” em função da movimentação de diferentes categorias nos últimos
meses.
Deputado federal licenciado, Paulinho, que
apoiou Lula em 2022, também vê uma nova fase do movimento sindical após os
governos Michel Temer e
Bolsonaro.
“Tendo mais liberdade, em um governo
democrático, fica mais fácil das reivindicações aparecerem. Há uma retomada do
movimento sindical, que teve uma queda violenta com a reforma [sindical de
Temer], mas os sindicatos encontraram outras formas de sobrevivência e
investiram na aproximação com as bases durante o governo Bolsonaro”, afirma o
parlamentar.
Além disso, de acordo com Paulinho, há também
uma insatisfação com o próprio governo Lula. “São muitos anos sem aumento e
recomposição salarial. Há uma retenção salarial muito grande. Havia muitos
compromissos do Lula para o setor [na campanha], mas nada foi feito. Estou
dizendo isso como alguém que apoiou o Lula, além do meu partido. Há também uma
frustração com o governo”.
O clima mais favorável para a mobilização dos
sindicatos, tradicionalmente atrelados às bases de esquerda, é admitido pelo
próprio Lula, que ingressou na política como sindicalista no ABC Paulista. No
início de março, o presidente sugeriu ver a movimentação com bons olhos.
“Eu fiquei sabendo que o pessoal do instituto
federal [sic] quer entrar em greve. Ótimo. Só o fato dos caras quererem fazer
greve já é bom, porque no governo passado ninguém se metia a fazer greve. Então
o fato do cara falar ‘porra, o Lula está no governo, eu posso fazer uma
grevezinha’, é ótimo”, declarou o petista durante uma reunião com o Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia.
Porém, na mesma ocasião, o presidente também
reconheceu que nem todas as demandas serão atendidas, em uma referência tácita
à meta fiscal do déficit zero encampada pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad.
“Que bom que ele está exercitando o direito
de reclamar, o direito de reivindicar. E a gente [governo federal] pode
exercitar o direito de dar ou de não dar [reajustes salariais]. Quando a gente
não pode dar, a gente sempre coloca a culpa na Fazenda".
Um dos focos de preocupação da gestão petista
é a possibilidade de novas adesões entre docentes federais. Na última
sexta-feira (19), o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), que já havia acenado
com a concessão de reajustes em benefícios, se reuniu com técnicos em Brasília
e propôs mais um aumento de 9% em janeiro do ano que vem e outro de 3,5% a
partir de maio de 2026, no último ano de mandato de Lula.
Até agora, os técnicos só acataram a proposta
dos benefícios, que prevê também reajustes dos valores do auxílio-alimentação,
da assistência pré-escolar e do subsídio per capita de saúde complementar, mas
votaram pela continuidade da greve. A categoria atrela o fim da paralisação à
concessão de aumento salarial já em 2024, mas o MGI e a Fazenda argumentam que
não há espaço no orçamento aprovado para este ano.
Em 2023, Lula deu aumento de 9% a todo o
funcionalismo federal, mas os servidores cobram recomposição dos vencimentos
pela inflação acumulada desde o último aumento antes do concedido pelo petista,
assinado em 2016 na gestão Dilma
Rousseff.
Procurado para comentar a tendência de alta
das mobilizações grevistas durante o governo Lula III, o MGI não respondeu até
o fechamento desta reportagem.
Para Hélio Zylberstajn, professor sênior da
FEA/USP e coordenador do salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe), o crescimento da mobilização sindical após o retorno de Lula
à presidência já era esperado.
“Quando um grupo de trabalhadores decide
fazer uma greve, ele faz uma análise do custo e do benefício dessa decisão. A
diferença deste governo para o passado [Bolsonaro] é que o custo na gestão
atual é muito menor”, avalia Zylberstajn.
“No governo anterior havia ameaça crível de
descontar os dias parados, por exemplo. Acho muito difícil que um governo do PT
chegue a esse ponto. Mesmo que não possa conceder os benefícios reivindicados,
o Estado não vai reprimir. Na gestão passada não seria concedido nada e seriam
reprimidos. Há um ambiente mais tolerante, mas também faz parte da democracia o
Estado-patrão não ceder às pressões”.
Em relação ao cenário de paralisações em
2024, Zylberstajn ressalta que a tendência é que as mobilizações se
intensifiquem em função da aliança entre diferentes categorias para ampliar a
pressão sobre o governo – em especial tendo em vista as eleições municipais de
outubro.
“Os trabalhadores do setor público em geral
têm um poder de pressão muito pequeno, salvo determinados setores como a Saúde
e a Receita Federal”, observa o docente da USP. “Por esse motivo devemos
esperar um aumento na frequência das greves. O adensamento e a unificação
dessas demandas fortalece o movimento e dá mais visibilidade às pautas”.
David Brandão, coordenador-geral do Sindicato
Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica
(Sinasefe), entidade que apoiou Lula publicamente em 2022, também vê um
“despertar” por parte da base sindicalista.
“Não elegemos Lula para ficar em casa, mas
para ter esse espaço de luta pelo serviço público e pela educação. Vivemos um
momento de falta de liberdade, muita pressão contra a gente sob Bolsonaro. Isso
quebrou a esperança das pessoas e o sentimento de mobilização. Perdemos muitos
filiados sob Bolsonaro”, argumenta Brandão.
“Essa não é uma greve de oposição, muito pelo
contrário. Entendemos que agora temos um governo de frente ampla, com muitos
lados envolvidos. Sabemos das divisões internas e queremos disputá-las também”,
completa o sindicalista, citando como exemplos a ministra da Gestão, Esther Dweck,
quadro do PT, e Simone Tebet (Planejamento),
filiada ao MDB e que disputou a Presidência contra Lula.
Mas, para além de uma Esplanada dos
Ministérios de composição político-partidária diversa, Lula se vê diante de
querelas em torno do orçamento dentro do seu próprio quintal.
Com uma meta fiscal alvo de fogo amigo dentro
do Palácio do Planalto e do PT, a mobilização do funcionalismo público reflete
o dilema do petista, que no fim do seu primeiro mandato chegou a afirmar que
era de esquerda, mas seu governo não.
Às turras com o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL),
com quem vive um cabo de guerra pelo controle do orçamento, o presidente ainda
se vê dependente de uma base de apoio vacilante na Casa, enquanto as diretrizes
orçamentárias de 2025 já são discutidas nos bastidores do Congresso.
Tudo isso, somado à pressão do sindicalismo,
indica que ficará cada vez mais difícil para Lula chegar a 2026, quando deve
disputar a reeleição, com condições de renovar as promessas à base progressista
– quanto mais cumpri-las.
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