quarta-feira, 24 de abril de 2024

Lu Aiko Otta - Deputados temem alta da carga tributária

Valor Econômico

Prazo curto para análise da regulamentação é ponto de preocupação de deputados e senadores

Quatro meses após a promulgação da emenda constitucional da reforma tributária sobre o consumo, deve chegar hoje ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que detalhará as principais mudanças. Dirá como funcionarão o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo, criados na reforma.

“O que colocaremos na mesa é a base sobre a qual será feita a discussão no Parlamento”, afirmou ontem o secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, em almoço com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), durante o qual foi chamado de “deputado” por engano. “A palavra final é de vocês.”

Com o texto ainda tramitando no Executivo, ele não adiantou nenhum detalhe de conteúdo. Disse apenas que serão cerca de 500 artigos distribuídos em perto de 300 páginas. No entanto, a parte que traz as regras gerais sobre o IBS e o CBS é pequena e muito objetiva, assegurou.

O texto ficou grande porque descreve os regimes especiais de tributação (sistema financeiro e combustíveis, por exemplo), e por causa dos anexos (como itens da cesta básica).

A boa notícia, disse, é que há oito páginas de revogações de leis. O secretário não escondeu a satisfação com o fim do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) após 2033. “Dá gosto”, brincou. O ICMS é uma espécie de vilão da complexidade tributária brasileira.

Sem poder explicar a proposta, o secretário se colocou à disposição para ouvir. Por isso, foi elogiado.

Na Câmara dos Deputados, onde o projeto começa a tramitar, há uma preocupação quase unânime: o receio de que as leis acabem não refletindo com exatidão os princípios e os acordos presentes na emenda constitucional.

Dois princípios básicos precisam ser preservados, disse à coluna o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP): o da não cumulatividade e o da não elevação da carga tributária. É preciso cuidado para que a legislação complementar não acabe, na prática, se desviando do texto constitucional.

O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) dá um exemplo de problema que pode ocorrer. A não cumulatividade, considerada um dos principais ganhos da reforma, garante que a empresa possa abater, em determinada etapa do processo de produção, os tributos recolhidos na etapa anterior. Existe o receio que a lei complementar condicione o abatimento ao efetivo pagamento dos tributos na etapa anterior.

O coordenador da FPE, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), acha inevitável que haja aumento de carga tributária. Ela ficará igual no conjunto da economia, mas poderá aumentar em alguns setores, comentou.

Sem entrar em detalhes, Appy assegurou que os dois pontos de preocupação estão contemplados na proposta.

“Para que os princípios da reforma sejam preservados, precisamos que a regulamentação não ocorra de forma fragmentada”, comentou Jardim. “Ou seja, os projetos precisam ter compatibilidade entre eles.”

Além do projeto que deve ser encaminhado hoje, haverá uma proposição que trata do Comitê Gestor e um projeto de lei ordinário elaborado pelos Estados que trata do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).

Uma forma de garantir a harmonia entre os textos é escolher, para relatar os projetos, deputados que estejam “pactuados entre si”, sugeriu Jardim. As frentes parlamentares têm feito chegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o desejo que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) fique responsável por garantir essa compatibilização.

No entanto, Lira tem indicado que poderá escolher outro deputado para a tarefa. Alternativamente, fala-se na possibilidade de Aguinaldo atuar como uma espécie de consultor dos novos relatores.

A proposta de regulamentação da reforma tributária chega ao Congresso no fim de abril de um ano eleitoral. O prazo curto para análise das propostas é também ponto de preocupação dos deputados e senadores.

Outro tema que promete polêmica é a cesta básica. Há grupos no Congresso, como a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que são contrários à criação de um cashback na aquisição de alimentos para as famílias de menor renda. O governo pensa diferente.

Presentes ao almoço da FPE, representantes do setor privado expressaram ainda o receio que o Imposto Seletivo, do qual se sabe quase nada, seja utilizado para fins arrecadatórios. Appy negou que isso vá ocorrer.

A insegurança em relação à manutenção da carga tributária e a não cumulatividade tem um contraponto importante: a emenda constitucional. Aguinaldo Ribeiro tem lembrado a seus pares que a legislação complementar não pode inovar em relação ao que está na Constituição.

“Vamos ter embates”, disse Ribeiro na semana passada. “Estamos numa Casa sujeita a pressões.” No entanto, ressaltou, existe um propósito comum de se chegar a uma estrutura tributária que seja benéfica ao país: permita melhorar a competitividade, o ambiente de negócios, aumentar a geração de emprego e de receitas.

Eis aí algo que deve ser mantido em mente durante os debates, que estão só começando.

 

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