Folha de S. Paulo
Qualquer alta da receita é neutralizada por
aumento de gastos obrigatório
Nenhuma regra, por si só, garante seu próprio
cumprimento: se governo e Congresso quiserem, ela será violada. Vimos isso com
as sucessivas violações do teto de gastos e agora com o novo arcabouço. Quando
o tema é gasto público (ou isenção tributária, o que dá no mesmo), Lula e
a maioria dos deputados e senadores estão juntos: querem sempre mais. Sem
vontade política, as regras são só palavras mortas num papel.
No momento, quem pressiona por algum tipo de responsabilidade fiscal são o ministro da Fazenda, a ministra do Planejamento e os sinais preocupantes que vêm do mercado. Lembrando que responsabilidade fiscal não significa nenhum tipo de austericídio caricato, mas simplesmente que o aumento de despesas se dê de forma controlada, sem que a relação dívida/PIB cresça de maneira explosiva.
A situação do Brasil é complexa. Precisamos,
ao mesmo tempo, de proteção social, ajuste fiscal e crescimento econômico. No
longo prazo, esses fins se reforçam. O objetivo é o bem-estar da população,
especialmente dos mais vulneráveis. Para atingi-lo, o Brasil ainda precisa
crescer o PIB para
se tornar um país desenvolvido. E, para isso, o Estado brasileiro não pode
deixar os gastos saírem do controle. Sem ajuste fiscal, inflação e
dólar disparam, juros têm
que subir, o crescimento desanda, o desemprego cresce, os indicadores sociais
pioram.
No presente, contudo, esses três objetivos
impõem limites um ao outro. A necessidade de crescer —levando em conta nossa
carga tributária já alta— significa que o ajuste não poderá vir apenas da
receita; o Estado precisará cortar gastos. Ao mesmo tempo, dado o compromisso
social do Estado, o corte de gastos não pode ser feito às custas da base da
pirâmide. É preciso identificar privilegiados e passar a conta para eles.
Existem alguns grupos privilegiados óbvios,
como juízes e militares. Cortar seus privilégios nem deveria levantar polêmica.
Nosso Judiciário custa 1,6% do PIB anualmente. A média de países emergentes é
0,5% ao ano, ou seja, um terço do nosso. Com os militares, o
caso é igualmente gritante: o déficit anual da previdência dos militares foi de
R$ 49,7 bi em 2023. Em termos per capita, o déficit anual do militar aposentado
é de R$ 158,8 mil. O dos demais funcionários públicos, R$ 68,8 mil.
Do lado da arrecadação, vivemos uma situação
disfuncional, na qual qualquer aumento de receita é neutralizado por aumento de
gastos obrigatório. O governo arrecada mais, mas ao fazer isso é obrigado a
gastar mais também. Na mesma linha, uma série de benefícios são atrelados ao
salário mínimo, o que significa que qualquer aumento nele gera custos
proibitivos ao governo. No cálculo do economista Marcos
Mendes, se os gastos públicos fossem vinculados apenas à
inflação, e não ao aumento do salário mínimo ou aumento de receitas, o Estado
brasileiro teria uma redução de R$ 131,6 bi em despesas em 2024.
O Estado brasileiro precisa ter a capacidade
de escolher onde e quanto gastar. Sem isso, os aumentos obrigatórios de gasto
se transformam em mais renda para o funcionalismo e para aposentados, sem
benefício à população. Mudar isso não será possível sem comprar brigas
difíceis. Na falta delas, sobrará o contigenciamento de gastos, que acaba
prejudicando sempre o elo mais fraco, que depende do serviço público. Ou,
então, a volta da inflação e da recessão. O caminho a seguir é claro, mas exige
uma coragem que o governo até agora não mostrou.
Um comentário:
Joel Pinheiro.
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