Folha de S. Paulo
Partido e presidente adotam negacionismo e
oportunismo ideológico que parecem com bolsonarismo de sinal trocado
A apressada e irresponsável nota
de apoio do PT à farsa
eleitoral venezuelana é um dos episódios mais vergonhosos da história
do partido e da esquerda brasileira. Considerar que o resultado do pleito foi
"democrático e soberano" é de um cinismo absoluto. Boa parte das
lideranças do PT parece ver o que chama de "democracia burguesa" como
um trampolim para regimes autocráticos como os da Venezuela, China e Rússia –na
falta da saudosa ditadura do proletariado.
A eleição foi uma trapaça desde o início,
quando a principal candidata de oposição, María
Corina Machado, viu-se impedida de concorrer. Bastaria essa decisão
arbitrária para caracterizar
o processo como não democrático.
O despautério que foi a manifestação petista contou, na grande moldura, com o endosso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, pelo menos como chefe de Estado do Brasil, pediu mais detalhes sobre as apurações para conceder sua bênção ao ditador. Deu, porém, declarações ensaboadas em que se esforçou para normalizar tudo e livrar a cara de Maduro.
Desde 2013, quando chegou ao poder, o
sucessor de Chavez tem lançado mão de expedientes autocráticos e de casuísmos
para se manter no cargo. Governa por decreto, intervém em instituições, censura
a imprensa, determina prisões políticas e tortura e mata opositores, com o
apoio de suas milícias.
Manobras ilegítimas também marcaram esta
eleição, que deverá castigar
o povo venezuelano com mais 6 anos de governo de um tiranete corrupto,
mentiroso, violento e mistificador. Não fosse trágica, a imagem de Maduro em
sua caricata autoproclamação poderia ser cena de uma chanchada sobre os
ridículos tiranos de nossa América
Latina.
O PT entra em colisão com as forças
progressistas do continente e dá um abraço no bolsonarismo --trata-se, afinal,
de um bolsonarismo com sinal trocado-- ao chancelar um governo antidemocrático
e seu processo eleitoral esdrúxulo, que veta candidaturas e impede a livre
manifestação do povo. Bolsonaro adoraria
ter uma nota boazinha como essa de um país com o peso do Brasil.
O fato de Maduro ser considerado de esquerda
ampara a deplorável manifestação da Executiva Nacional petista, que nem sequer
pediu transparência na divulgação da contagem de votos. Mas será Maduro mesmo
de esquerda? Que esquerda? Mais se mostra um populista proto-fascista, num caso
típico em que os extremos se tocam.
Em sua fundação, em 1980, o Partido dos
Trabalhadores abrigou um amplo debate no qual uma nova esquerda democrática
teve papel fundamental. Em que pese a convivência de diferentes vertentes,
tratava-se em linhas gerais de um partido que nascia mantendo certa distância
do stalinismo e do populismo varguista para lutar por socialismo e justiça
social dentro das regras da democracia.
O PT cresceu, transformou-se em máquina
eleitoral, escorregou na corrupção, mas se manteve como referência de defesa
dos interesses populares num sistema político povoado por siglas oportunistas e
fisiológicas. Suas posições, contudo, em diversos aspectos preservaram visões
retrógradas, rígidas e esquemáticas do carcomido pensamento de esquerda de
outros tempos.
O antiamericanismo é um desses traços
característicos, que encontra em Celso
Amorim um praticante incorrigível. Nem sempre se sabe ao certo os
casos em que Lula está de acordo com o partido e aqueles em que não está ou
finge não estar --ou finge estar.
No caso da Venezuela está
claro que as afinidades entre Lula, seu partido e o assessor Celso Amorin são
plenas. Estão todos em defesa do ditador. Um vexame histórico.
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