quarta-feira, 31 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nota do PT sobre Venezuela precisa ser condenada

O Globo

Declaração em favor de Maduro enfraquece as credenciais democráticas do presidente Lula

A nota da Executiva Nacional do PT sobre a eleição na Venezuela, se não for rechaçada publicamente, abala as credenciais democráticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto divulgado na segunda-feira reconhece Nicolás Maduro como presidente eleito e descreve o pleito de domingo como uma “jornada democrática e soberana”. Nenhuma menção às irregularidades em série durante todo o processo eleitoral nem à repressão pelas Forças do regime e milícias aos protestos pacíficos contra a fraude. A nota contraria a posição de democracias ao redor do mundo, inclusive a do próprio governo brasileiro.

Lula e o PT têm laços com os governantes da Venezuela desde os tempos de Hugo Chávez e, ao longo dos anos, não faltaram palavras de apoio. Após uma contestada eleição para uma Assembleia Constituinte em 2017, Lula pediu uma salva de palmas ao pleito. Em 2019, rechaçou a pressão internacional sobre o país vizinho: “Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela [eleger] democraticamente seus dirigentes”. De volta ao Planalto, recebeu Maduro em Brasília afirmando haver uma narrativa autoritária sendo construída sobre ele. Em seguida, disse haver mais eleições na Venezuela que no Brasil e defendeu a ideia de que o conceito de democracia é relativo. Não é.

Como sabem os venezuelanos presos por suas posições políticas, os impedidos de concorrer em eleições e os milhões de eleitores que se sentem novamente roubados após uma contagem de votos, os significados de democracia e eleições livres não são elásticos. Assim como a gravidade, não mudam dependendo do país, algo que o PT parece resistir a aceitar.

Em menos de um ano, essa é a segunda vez que eleições feitas por líderes autocratas são elogiadas. Em março, o secretário de Relações Exteriores do partido exaltou a vitória do russo Vladimir Putin como “feito histórico”. Nada sobre os candidatos da oposição russa impedidos de participar, nem sobre Alexei Navalny, morto numa prisão perto do Círculo Ártico. Descrições fantasiosas como essa parecem sair da literatura, de um mundo orwelliano, não da realidade.

A nota da Executiva do PT sobre a Venezuela foi divulgada num momento em que Lula parecia se distanciar do apoio incondicional ao regime chavista. Na semana passada, o presidente se disse assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse as eleições, haveria um banho de sangue. Após a contagem de votos suspeita, o Itamaraty não reconheceu a vitória e disse aguardar a publicação dos dados desagregados da votação. Na manhã desta terça-feira, Lula, antes de conversar com o presidente americano Joe Biden, errou ao minimizar a crise em entrevista à TV Centro América.

O negacionismo democrático demonstrado pela nota do PT destoa do discurso empregado pelo partido para descrever a conjuntura brasileira. Aqui, diz enxergar ameaças ao Estado Democrático de Direito. Embora a carreira de Lula na vida pública brasileira não permita acusações de autoritarismo, a contradição entre as visões externa e interna é uma aberração e precisa ser reparada. Além de ser um dos principais valores dos brasileiros, a defesa da democracia reforça a posição do país no plano internacional.

A contratação de empresas suspeitas na reconstrução do RS exige vigilância

O Globo

Urgência em contratos de obras e serviços para reerguer o estado aumenta o risco de casos de corrupção

A reconstrução do Rio Grande do Sul, após as chuvas históricas que causaram destruição em mais de 90% de seus municípios, exigirá cifras bilionárias. O governo gaúcho estimou em R$ 19 bilhões o valor para reerguer o estado. Os repasses totais da União já somam R$ 62 bilhões, incluindo auxílio-reconstrução para as famílias que perderam tudo, antecipação de FGTS, liberação de emendas etc. E, devido à dimensão da tragédia, que matou mais de 180 pessoas, outras despesas serão contratadas. Com tanto dinheiro, a atenção contra a corrupção torna-se imperiosa.

Devido à urgência na realização de obras e serviços, uma Medida Provisória permitiu que prefeituras contratassem até mesmo firmas impedidas ou suspensas por infrações administrativas. Como mostrou reportagem do GLOBO, 28 contratos, num total de R$ 14 milhões, foram celebrados com empresas que já sofreram sanções. Há ainda outros firmados com empresas alvos de investigações.

Compreende-se que não há como esperar os trâmites e prazos legais para remover toneladas de entulho que ocupam ruas e calçadas de cidades devastadas, reconstruir pontes importantes levadas pela enxurrada ou recuperar estradas essenciais para a mobilidade da população ou escoamento da produção — para ficar apenas em alguns exemplos. A urgência se impõe em centenas de municípios que viveram situação de calamidade pública.

Mas, evidentemente, é preciso maior escrutínio nas contratações, para assegurar o destino correto dos recursos. Isso se faz necessário também porque empresas que são alvos de processos por desvio de dinheiro público ganharam contratos com municípios gaúchos que chegam a R$ 239 milhões. As contratações ocorreram por dispensa eletrônica, procedimento mais célere que a licitação.

Uma dessas firmas, responsável por 11 contratos no valor total de R$ 165 milhões em Canoas, havia sido alvo de uma operação do Ministério Público de São Paulo que investigou fraude em licitações, peculato, corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro em serviços de limpeza urbana. A Prefeitura argumenta que uma contratação com o tempo regular demoraria meses, levando a uma outra calamidade —de saúde pública —, uma vez que havia 350 mil toneladas de entulho nas ruas.

Uma outra empresa que fechou contratos de R$ 74 milhões com a Prefeitura de São Leopoldo para retirada de lixo e fornecimento de equipamentos é comandada por um empresário que se tornou réu em fevereiro sob acusação de integrar um esquema de desvio de recursos no sistema de saúde de Canoas. Até o momento, não há indícios de irregularidades, mas, por se tratar de situações emergenciais, órgãos de controle e fiscalização estaduais e federais precisam ficar atentos.

Tragédias recentes no Brasil, como a pandemia, mostram que contratações de urgência facilitam a ação de criminosos. Por isso é preciso vigilância redobrada e constante para evitar que histórias escabrosas de um passado não tão distante se repitam.

Governo busca portas de saída para o Bolsa Família

Valor Econômico

A verdadeira saída sustentável é promover o crescimento econômico com políticas sensatas

O governo está tomando medidas que deem mais sentido ao Bolsa Família - torná-lo uma transição de sobrevivência até que seus beneficiários tenham empregos e se sustentem com eles. O objetivo é estimular o acesso ao emprego formal e ao empreendedorismo, e inovações foram implantadas desde o segundo semestre do ano passado, com sucesso reduzido até agora.

Desde que tomou posse, o governo Lula e sua equipe fizeram ajustes no Bolsa Família. Um dos primeiros passos foi a revisão do Cadastro Único dos beneficiários, que, no governo anterior, favoreceu a explosão dos casos de famílias unipessoais. Esse trabalho resultou no cancelamento de cerca de 3 milhões de cadastros irregulares, que, em boa parte, abriram espaço para novos participantes. A revisão está em curso permanente, mas as irregularidades tendem a diminuir com o aperfeiçoamento dos critérios de seleção.

Outra medida importante foi acabar com a regra que desestimulava a busca de emprego dos beneficiados, ao excluir da lista as famílias em que algum membro conseguia um emprego formal. Essa disposição levava muita gente a nem procurar trabalho ou a optar pelas ocupações informais para não perder o benefício. Até porque o trabalho poderia ser temporário mesmo ou não garantido.

Desde junho de 2023, entrou em vigor a regra de proteção, que estabeleceu que a família em que algum membro arrumar trabalho vai continuar recebendo o benefício por dois anos se a renda per capita ficar entre R$ 218 e meio salário mínimo. Se a renda per capita superar meio salário, a família deixará de receber o benefício, mas continuará cadastrada no CadÚnico por 24 meses, o que facilitará seu retorno ao programa caso seja necessário.

Para dar um estímulo, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) faz parcerias com o setor privado para contratação de beneficiários e tem promovido cursos de capacitação para grupos específicos, como o de mulheres negras.

Os resultados ainda deixam a desejar, no entanto, e mais esforço será necessário. No fim de 2023, o Bolsa Família contabilizava 55,74 milhões de beneficiados, segundo dados do MDS, dos quais 29,07 milhões, ou 52,15%, estavam em idade laboral. Mas apenas 1,26 milhão tinha empregos com carteira assinada, ou 4,33% da população em idade adulta, segundo os dados mais recentes disponíveis. Outros 106,88 mil fora dessa faixa etária estavam registrados no Caged.

O percentual pode estar subestimado porque ainda existe o receio de perder tanto o emprego quando o benefício, que leva participantes do Bolsa Família a preferir ocupações informais para ficar fora do radar dos sistemas de verificação do governo. Há ainda beneficiários que optam por empreender, em geral no setor de alimentação. Pesquisa do MDS e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) constatou que o percentual de microempreendedores individuais (MEIs) inscritos no CadÚnico é de 4,65 milhões, o que corresponde a 7,42% dos maiores de 18 anos no cadastro.

Em outra estimativa, integrantes do governo afirmam que quase 44% dos beneficiários do Bolsa Família que recebem acima de R$ 800 empreendem em algum negócio, como fabricação e venda de comida caseira ou roupas feitas a mão.

Diante disso, o governo vem estudando estímulos ao empreendedorismo entre os participantes do Bolsa Família. Já se sabe que a intenção é incentivar a formalização como MEI, com acesso a crédito e a garantia de que só deixarão o programa gradualmente, quando conseguirem se sustentar com o próprio negócio. Além do MDS, o Ministério do Empreendedorismo e Microempresa está envolvido no projeto.

Facilita o esforço do governo o fato de o mercado de trabalho estar aquecido há dois anos e surpreendendo positivamente. Embora mostre maior dinamismo entre os trabalhadores mais qualificados, a dinâmica positiva contagia os menos especializados.

Dados mais recentes da Pnad Contínua mostram que a taxa de desemprego caiu para 7,1% no trimestre móvel encerrado em maio, o mesmo patamar de 2014. O número de trabalhadores desempregados diminuiu 8,8% no trimestre encerrado em maio ante o trimestre imediatamente anterior, para 7,8 milhões de pessoas. O número ficou abaixo dos 8 milhões pela primeira vez em nove anos, desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2015.

A perspectiva dos economistas é que o mercado de trabalho siga dinâmico neste ano, em recuperação saudável, indicando desemprego estrutural mais baixo. O cenário também favoreceria uma menor pressão sobre o Bolsa Família. Mas a necessidade de apoio à população mais pobre continua enorme e o Bolsa Família segue sendo uma resposta das mais adequadas do ponto vista moral, social e econômico. A verdadeira saída sustentável é promover o crescimento econômico com políticas sensatas, o que envolve o fim de subsídios a atividades pouco produtivas, equilíbrio fiscal, a oferta de cursos de qualificação permanentes para os trabalhadores e uma melhoria generalizada na educação.

Dívida pública em alta cria ciclo vicioso

Folha de S. Paulo

Excessivo segundo padrões globais, passivo do Estado eleva juros e é por eles elevado; cortar gastos interrompe processo

Dados recém-divulgados pelo Banco Central mostram que a dívida pública segue em escalada alarmante, embora não surpreendente, neste terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em apenas um ano e meio, até junho de 2024, o endividamento de União, estados e municípios saltou de 71,7% para o equivalente a 77,8% do Produto Interno Bruto. A alta, de mais de 6% do PIB, corresponde ao gasto de quatro anos com o programa Bolsa Família.

Além de crescer em ritmo acelerado, a cifra é muito elevada para padrões domésticos e globais. É a maior deste século, excluído o período anômalo da pandemia; entre os principais países emergentes, há poucos paralelos.

Pelos critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI), que permitem cotejos internacionais, a dívida do Estado brasileiro chega a 88,7%, um patamar excessivo para economias de renda média, sem moeda forte e maior dificuldade de acesso ao crédito.

Em comparação, México (55,6%), Rússia (20,8%), Turquia (30,9%) e Indonésia (39,3%) apresentam números muito menores, bem como os vizinhos Chile (40,5%), Colômbia (54,4%) e Uruguai (61,9%).

Pelas estimativas do FMI para 2024, apenas a vizinha Argentina (86,2%), a Índia (82,5%) e a China (88,6%), entre os parceiros emergentes do Brasil no G20, têm números parecidos.

A diferença, entretanto, é que nas duas primeiras a tendência esperada é de queda, enquanto na peculiar ditadura chinesa a trajetória de alta não impede de imediato um crescimento econômico vigoroso.

Já aqui se preveem avanço contínuo da dívida e expansão medíocre do PIB pelos próximos anos. Pelas projeções oficiais, que não podem ser acusadas de pessimistas, haverá alta do endividamento até 2027; as projeções do FMI, que vão até 2029, não mostram redução.

Trata-se da consequência óbvia da política de elevação contínua de gastos levada a cabo pela administração petista, que tende a subestimar os riscos de tal estratégia.

No partido se alimenta a crença de que a despesa estatal é capaz de impulsionar a atividade produtiva e o consumo das famílias a ponto de compensar seus custos.

A consequência é um ciclo vicioso: quanto maiores os gastos e a dívida do governo deficitário, mais altos são os juros cobrados pelo mercado credor; quanto mais altos os juros, mais a dívida sobe e menos a economia cresce.

Lula apenas ensaiou um reconhecimento dessa dinâmica ao instituir uma regra fiscal para o reequilíbrio gradual do Orçamento. No entanto o compromisso com as metas tem se mostrado frouxo, dada a recusa obstinada em conter despesas insustentáveis. A conta virá.

Governo opaco

Folha de S. Paulo

Urge retomar divulgação de dados sobre yanomamis e melhorar o combate ao garimpo

Um dos pilares das democracias liberais é a transparência das ações do poder público. Só assim a sociedade civil pode avaliá-las e exigir mudanças, caso necessárias.

Por isso causa espécie que o governo federal tenha suspendido, neste ano, os boletins sobre a saúde da população na Terra Indígena Yanomami. Dada a crise humanitária verificada na região, é premente a retomada dos informes.

O último boletim foi divulgado em fevereiro de 2024, mas se referia a dados do ano anterior. Foram registradas 363 mortes de indígenas (aumento de 6% em relação a 2022), além de 29.900 casos de malária e 7.104 de síndrome respiratória aguda grave. Em dezembro de 2023, 145 crianças com menos de 5 anos estavam em tratamento por desnutrição grave ou moderada.

A principal causa da crise sanitária, agravada sob Jair Bolsonaro (PL), é o garimpo ilegal. A atividade polui rios, impede a pesca e eleva casos de intoxicação. Ademais, o desmatamento produzido pela extração criminosa de minérios cria desequilíbrios ecológicos que contribuem para a reprodução do mosquito transmissor da malária.

Entre 2020 e 2022, a área de garimpo ilegal no território passou 14 km² a 41,83 km² —alta de 198%.

Devido à situação calamitosa, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na região em janeiro de 2023 e, em junho do mesmo ano, um decreto presidencial expandiu a atuação de militares no combate à atividade criminosa.

Contudo, como mostram reportagens da Folha de janeiro deste ano, o garimpo retomou força no território, com pontos estratégicos de logística em pleno funcionamento, e a atuação das Forças Armadas é precária, principalmente no controle do espaço aéreo.

O governo federal precisa realizar um diagnóstico da situação e instituir uma política de longo prazo integrada, com saúde e segurança. As medidas não podem ser tomadas apenas em situações de crise.

E urge que os boletins voltem a ser divulgados mensalmente. O poder público tem o dever de manter a sociedade informada sobre os resultados de suas ações.

Aprendiz de Fidel

O Estado de S. Paulo

Como franquia da ditadura cubana, chavismo aprendeu a sufocar os que ousam se lhe opor. Com apoio chinês e russo, Maduro parece querer transformar a Venezuela de vez numa nova Cuba

O ditador Nicolás Maduro decidiu dar uma banana para a comunidade internacional e fechar ainda mais seu regime de opressão, que há 11 anos subjuga os venezuelanos de todas as formas pelas quais um povo pode ser subjugado por seu próprio governante. Suas ações nesse sentido são inequívocas desde aquele farsesco ato de “diplomação” encenado no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um quintal do Palácio de Miraflores, horas após o pleito. Ali se ouviu a coda da ópera-bufa que apresentou Maduro como um legítimo candidato que teria triunfado sobre os adversários dentro das regras do jogo democrático, e não como o tirano sanguinário que ele é.

Maduro parece determinado a transformar a Venezuela em um Estado pária perante a comunidade das nações democráticas, entre as quais o Brasil. E ele só se movimenta com tamanho desassombro, malgrado todas as consequências políticas e econômicas que podem advir de seu novo golpe contra a soberania popular, porque conta com o imprescindível apoio da China e, a reboque, da Rússia, dois países que, como é notório, tratam as liberdades individuais e os direitos fundamentais dos cidadãos como excentricidades ocidentais.

Enquanto Estados Unidos e União Europeia se uniram para manifestar desconfiança em relação às condições da “vitória” de Maduro, China e Rússia foram rápidas na direção diametralmente oposta. Vieram de Pequim e de Moscou as mais importantes entre as escassas manifestações de apoio ao ditador venezuelano nas horas que se seguiram à proclamação do resultado pelo CNE no domingo passado.

A China de Xi Jinping, que conta com o petróleo da Venezuela para sustentar seu crescimento econômico, saudou Maduro e disse estar “disposta a enriquecer a associação estratégica com o país”. Ato seguinte, a Rússia do delinquente Vladimir Putin, outro capacho de Pequim, felicitou o ditador sul-americano e afirmou acreditar que “a associação estratégica” entre Moscou e Caracas se desenvolverá “em todas as áreas” a partir de agora. Engana-se quem pensa que essa coincidência de expressões empregadas foi mera obra do acaso.

Hoje, a Venezuela está para a China e Rússia como Cuba já esteve para a então União Soviética na década de 1960 – um posto avançado a serviço dos interesses chineses e russos contra os interesses americanos na América Latina. Não é força de expressão: é sabido que o regime chavista há tempos é uma franquia da ditadura cubana, que forneceu a Hugo Chávez e a Nicolás Maduro sua eficientíssima tecnologia de repressão a dissidentes, tanto políticos quanto militares. Maduro, devotado aprendiz de Fidel Castro, pretende se aferrar ao poder assim como o longevo ditador cubano.

Eis o teatro geopolítico que tem autorizado Maduro a não só desafiar, como a humilhar os países da América Latina e do Caribe que ousaram desconfiar de sua fajuta vitória ou guardar, no mínimo, um providencial silêncio nesse momento de crise, como fizeram Brasil e Colômbia, em que pese a hora grave impor uma condenação inequívoca da violência em curso no país vizinho.

No caso do Brasil, em particular, Maduro tem sido especialmente agressivo, tanto do ponto de vista retórico como militar. Recorde-se que, há poucos dias, o ditador recomendou que o presidente Lula da Silva tomasse um “chá de camomila” após o brasileiro se dizer “assustado” diante da ameaça feita pelo ditador companheiro de que haveria um “banho de sangue” na Venezuela caso ele não fosse reeleito. Ademais, Maduro segue inabalável em suas agressões contra a soberania da Guiana, mantendo tropas na região de fronteira com o Brasil.

A bem da verdade, Maduro sabe muito bem com quem está lidando ao se portar com esse misto de petulância e desdém pelo governo brasileiro. Fiel à tradição petista de condescendência com o chavismo, Lula afirmou ontem à noite que “nada tem de grave ou de anormal” na suspeitíssima eleição na Venezuela. De fato, sob a sanha persecutória e a sede de poder de Maduro, normal é ver os cadáveres de quem se opõe ao regime estendidos nas ruas, como já se vê. E isso é apenas o começo.

Na contramão da reforma

O Estado de S. Paulo

Mudança de Lula na fórmula de reajuste do salário mínimo e vinculação aos benefícios do INSS anulam mais da metade dos ganhos previstos com reforma da Previdência em dez anos

O economista Fabio Giambiagi, que há décadas monitora e analisa a Previdência Social, fez as contas e chegou à conclusão de que a vinculação do aumento do salário mínimo ao Produto Interno Bruto (PIB), fórmula de correção estendida aos benefícios do INSS, vai anular mais da metade dos ganhos previstos com a reforma previdenciária de 2019.

Pelos seus cálculos, como mostrou reportagem do Estadão, será necessário um adicional de R$ 638 bilhões aos gastos públicos para financiar, pelos próximos dez anos, a política adotada pelo governo Lula da Silva. O montante corresponde a nada menos de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão (valor atualizado pela inflação) prevista há cerca de cinco anos, quando foi aprovada a reforma.

Se a cifra astronômica que se esvai pelo ralo impressiona, o pior é constatar que uma canetada de Lula tenha arruinado boa parte do esforço de mais de 25 anos de discussões em torno das mudanças que permitiram frear a progressão do rombo previdenciário. Como lamentou Giambiagi, a nova política de reajuste do mínimo e sua extensão às aposentadorias foi feita sem uma avaliação prévia que a justificasse. Na mudança determinada por Lula, o salário mínimo passou a ser reajustado pela inflação do ano mais a variação do PIB dos dois anos anteriores.

Num momento em que diversos especialistas alertam para a necessidade de uma nova reforma da Previdência, diante do envelhecimento populacional mais acelerado do que o previsto no Brasil, o bom senso exige, ao menos, a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Apenas essa medida representaria uma economia acumulada de R$ 400 bilhões até 2035, como estima o Centro de Liderança Pública (CLP).

Há dois meses, depois de mencionar uma possível desvinculação como parte das medidas para reduzir o gasto público, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi alvo de uma saraivada de críticas do PT. Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, acabou restringindo a defesa à desvinculação do seguro-desemprego, do abono salarial e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria paga a idosos de baixa renda mesmo que não tenham contribuído para o INSS.

Apesar de ser um tema sensível e potencialmente impopular, a revisão da paridade nos reajustes de ativos e inativos tem de ser discutida com a seriedade e urgência que o crescente déficit previdenciário exige. Trata-se de uma demanda particularmente complicada num governo em que o próprio ministro da Previdência, Carlos Lupi, nega de forma reiterada a existência do déficit comprovado pelos números. Para completar, Lula da Silva tem verdadeira ojeriza a temas que possam comprometer sua popularidade.

Não fosse assim, revisões como a desvinculação do salário mínimo e aposentadorias, além de debates em torno da ampliação da reforma de 2019, como a mudança de estrutura da aposentadoria dos militares, por exemplo, já estariam em pauta e poderiam contribuir de forma ampla para o equilíbrio das contas públicas. No último relatório de receitas e despesas, o governo aumentou em R$ 11,7 bilhões a projeção de despesas para 2024 com o pagamento do BPC e despesas da Previdência Social, o que obrigou a equipe econômica a fazer o bloqueio de R$ 11,2 bilhões.

De acordo com o CLP, a desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo, combinada com reformas na aposentadoria rural, poderia resultar em uma economia equivalente a quase 1% do PIB. Isso não só aliviaria o déficit público, como liberaria recursos para áreas críticas como saúde, educação e infraestrutura. No primeiro semestre do ano, as contas do setor público registraram déficit primário de R$ 43,4 bilhões, mais do que o alcançado no mesmo período no ano passado.

Os números gritam, mas parecem incapazes de sensibilizar o presidente Lula da Silva, que prefere optar por mais promessas de aumento real do salário mínimo atrelado ao piso das aposentadorias mesmo ao arrepio da lógica econômica. Mas, como se sabe, a única contabilidade que importa a Lula é a de votos.

Violações em nome da igualdade

O Estado de S. Paulo

Lei da Igualdade Salarial precisa se adequar à livre-iniciativa e à livre concorrência

Empresas brasileiras e entidades de representação do setor patronal têm recorrido à Justiça para barrar os efeitos danosos da Lei da Igualdade Salarial. A nova legislação foi regulamentada por decreto presidencial e portaria do Ministério do Trabalho e Emprego para determinar a publicação, em março e setembro, de relatórios com os vencimentos em companhias com cem empregados ou mais. Desde então, instaurou-se uma confusão generalizada na disponibilização do documento ao público.

O projeto de lei de autoria do governo Lula da Silva recebeu o aval do Congresso no ano passado. O descumprimento da norma implica multa de 3% sobre o valor da folha de pagamento, limitada a um teto de cem salários mínimos – ou seja, R$ 141,2 mil. A ideia – louvável – é mitigar a discrepância de gênero entre os salários, que chega a cerca de 20%. Porém, falhas na execução da iniciativa revelam mais problemas do que soluções.

A forma como a lei, o decreto e a portaria impõem obrigações suscita preocupações de empresas, advogados e especialistas. Com isso, as regras passaram a ser questionadas – não sem razão. Os casos judiciais mais recentes foram divulgados pelo jornal Valor.

Desembargadores do Tribunal Regional Federal da Sexta Região (TRF-6), com sede em Belo Horizonte, validaram a suspensão da publicação dos relatórios a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), conforme já havia decidido o desembargador Lincoln Rodrigues de Faria, cujos alertas merecem atenção. Faria afirmou que há risco de prejuízo social e econômico “irreversível” e de violação de direitos fundamentais. Segundo o desembargador, nem decreto nem portaria cumpriram os requisitos de segurança da Lei Geral de Proteção de Dados, para garantir o anonimato.

Na mesma linha, o desembargador Valdeci dos Santos, do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3), de São Paulo, liberou empresas associadas ao Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Sindimaq) de divulgar os relatórios e afirmou que o Executivo extrapolou seu poder normativo. Pelas regras, os documentos, além de ficarem disponíveis no site do Ministério do Trabalho e Emprego, devem ser replicados nos sites das companhias e em redes sociais – uma clara ingerência.

Sem a chance de a companhia explicar os critérios para as diferenças salariais – como ocorre na Inglaterra –, abre-se caminho para uma caça às bruxas, na qual as particularidades das remunerações são ignoradas, com risco de dano reputacional. A produtividade, a cobrança sobre um empregado no desempenho de suas funções, o tempo de casa ou o mérito podem implicar diferença entre os salários, e isso não é discriminação.

A promoção da igualdade entre homens e mulheres, seja no mercado de trabalho, seja em qualquer área da sociedade, é um imperativo, mas a lei, o decreto e a portaria precisam ser urgentemente revistos para se adequarem à Constituição. Caso contrário, perpetuar-se-á evidente violação dos princípios da privacidade, da livre-iniciativa e da livre concorrência.

As Olimpíadas e o empenho público

Correio Braziliense

O histórico das Olimpíadas comprova que os resultados no topo do esporte mundial acompanham diretamente o investimento feito pelos países

Desde Pequim-2008, o desempenho do Brasil nos Jogos Olímpicos só melhora. Das 10 medalhas conquistadas em Atenas-2004, o país vibrou com 21 pódios em Tóquio 2020 — um aumento de 110%. Apesar desse crescimento ser puxado também pela inclusão de modalidades nas quais os brasileiros se destacam, como skate e surfe, o bronze por equipes na ginástica artística, alcançado ontem, em Paris, simboliza essa evolução. Antes da edição japonesa, brasileiras nunca haviam conseguido medalhas na modalidade. Hoje, são três. No evento asiático, o país faturou a de ouro no salto e a de prata no individual geral, ambas com Rebeca Andrade, que se somam ao pódio desta terça-feira.

Ainda que os números comprovem uma evolução olímpica do Brasil, o desempenho do país está longe de potências como Estados Unidos, China, Grã-Bretanha e Japão. Os brasileiros nunca figuraram no top 10 do quadro de medalhas. O melhor resultado aconteceu justamente em Tóquio: o 12º lugar. Todo esse histórico comprova que os resultados no topo do esporte mundial acompanham diretamente o investimento feito pelos países. 

Nessa toada, em 2023, o Bolsa Atleta — programa do governo federal que financia carreiras desportivas de alto rendimento — recebeu R$ 121 milhões, o que significa um recorde de 8.292 apoios concedidos a modalidades olímpicas e paralímpicas. Este ano, a gestão ampliou esse repasse ao contemplar cerca de 9 mil atletas, com uma transferência que chega a aproximadamente R$ 160 milhões.

Mais do que investimentos pontuais, o sucesso olímpico depende da continuidade do empenho público. O caso do Japão serve como exemplo. Em Sydney 2000, o país conquistou 18 medalhas, a maior parte delas no judô. Vinte anos depois, ao receber o megaevento esportivo em sua capital, a potência asiática mostrou força para além dos tatames e faturou 58 pódios, com judocas e em esportes em que não tinha tradição, como a ginástica e o tiro com arco. 

Nesse sentido, o Brasil acerta ao ampliar seus investimentos em programas como o Bolsa Atleta. Até 2022, os aportes eram de R$ 129,6 milhões — portanto, 24% menores do que o patamar atual. Na delegação brasileira em Paris, 87,3% dos esportistas recebem recursos do programa. No boxe, por exemplo, todos os 10 classificados estão na categoria mais alta da iniciativa, que paga entre R$ 5,5 mil e R$ 16,6 mil ao beneficiado por mês.

Ainda que o cenário tenha melhorado, há potencial para mais. Antes do reajuste feito pela atual gestão, o governo federal nunca havia ampliado os valores do Bolsa Atleta, que continuavam os mesmos desde a criação do programa, em 2005. Tal panorama vai totalmente na contramão das potências olímpicas. Também configura um desperdício de capacidade, sobretudo após a construção de infraestruturas esportivas para o recebimento dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016.

Essa conta não deve ser paga somente pelo governo federal. O olhar do primeiro escalão público é peça importante desse time, mas a ampliação do investimento também depende das esferas estaduais e municipais e da iniciativa privada, a partir de programas como a Lei de Incentivo ao Esporte. O mesmo vale para o aumento da destinação das emendas parlamentares para o setor, fatia que cabe à nossa classe política. A história mostra que o Brasil ainda continua dependente de talentos individuais, como os de Willian Lima e Larissa Pimenta, pouco falados antes de Paris 2024, mas que garantiram as duas primeiras medalhas do país nos tatames.

 

 

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