Nota do PT sobre Venezuela precisa ser condenada
O Globo
Declaração em favor de Maduro enfraquece as
credenciais democráticas do presidente Lula
A nota da Executiva Nacional do PT sobre
a eleição na Venezuela,
se não for rechaçada publicamente, abala as credenciais democráticas do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto divulgado na segunda-feira
reconhece Nicolás
Maduro como presidente eleito e descreve o pleito de domingo
como uma “jornada democrática e soberana”. Nenhuma menção às irregularidades em
série durante todo o processo eleitoral nem à repressão pelas Forças do regime
e milícias aos protestos pacíficos contra a fraude. A nota contraria a posição
de democracias ao redor do mundo, inclusive a do próprio governo brasileiro.
Lula e o PT têm laços com os governantes da Venezuela desde os tempos de Hugo Chávez e, ao longo dos anos, não faltaram palavras de apoio. Após uma contestada eleição para uma Assembleia Constituinte em 2017, Lula pediu uma salva de palmas ao pleito. Em 2019, rechaçou a pressão internacional sobre o país vizinho: “Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela [eleger] democraticamente seus dirigentes”. De volta ao Planalto, recebeu Maduro em Brasília afirmando haver uma narrativa autoritária sendo construída sobre ele. Em seguida, disse haver mais eleições na Venezuela que no Brasil e defendeu a ideia de que o conceito de democracia é relativo. Não é.
Como sabem os venezuelanos presos por suas
posições políticas, os impedidos de concorrer em eleições e os milhões de
eleitores que se sentem novamente roubados após uma contagem de votos, os
significados de democracia e eleições livres não são elásticos. Assim como a
gravidade, não mudam dependendo do país, algo que o PT parece resistir a
aceitar.
Em menos de um ano, essa é a segunda vez que
eleições feitas por líderes autocratas são elogiadas. Em março, o secretário de
Relações Exteriores do partido exaltou a vitória do russo Vladimir Putin como
“feito histórico”. Nada sobre os candidatos da oposição russa impedidos de
participar, nem sobre Alexei Navalny, morto numa prisão perto do Círculo
Ártico. Descrições fantasiosas como essa parecem sair da literatura, de um
mundo orwelliano, não da realidade.
A nota da Executiva do PT sobre a Venezuela
foi divulgada num momento em que Lula parecia se distanciar do apoio
incondicional ao regime chavista. Na semana passada, o presidente se disse
assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse as eleições, haveria
um banho de sangue. Após a contagem de votos suspeita, o Itamaraty não
reconheceu a vitória e disse aguardar a publicação dos dados desagregados da
votação. Na manhã desta terça-feira, Lula, antes de conversar com o presidente
americano Joe Biden, errou ao minimizar a crise em entrevista à TV Centro
América.
O negacionismo democrático demonstrado pela
nota do PT destoa do discurso empregado pelo partido para descrever a
conjuntura brasileira. Aqui, diz enxergar ameaças ao Estado Democrático de
Direito. Embora a carreira de Lula na vida pública brasileira não permita
acusações de autoritarismo, a contradição entre as visões externa e interna é
uma aberração e precisa ser reparada. Além de ser um dos principais valores dos
brasileiros, a defesa da democracia reforça a posição do país no plano
internacional.
A contratação de empresas suspeitas na
reconstrução do RS exige vigilância
O Globo
Urgência em contratos de obras e serviços para reerguer o estado aumenta o risco de casos de corrupção
A reconstrução do Rio Grande do
Sul, após as chuvas históricas que causaram destruição em mais de
90% de seus municípios, exigirá cifras bilionárias. O governo gaúcho estimou em
R$ 19 bilhões o valor para reerguer o estado. Os repasses totais da União já
somam R$ 62 bilhões, incluindo auxílio-reconstrução para as famílias que
perderam tudo, antecipação de FGTS, liberação de emendas etc. E, devido à
dimensão da tragédia, que matou mais de 180 pessoas, outras despesas serão
contratadas. Com tanto dinheiro, a atenção contra a corrupção torna-se
imperiosa.
Devido à urgência na realização de obras e
serviços, uma Medida Provisória permitiu que prefeituras contratassem até mesmo
firmas impedidas ou suspensas por infrações administrativas. Como mostrou
reportagem do GLOBO, 28 contratos, num total de R$ 14 milhões,
foram celebrados com empresas que já sofreram sanções. Há ainda outros firmados
com empresas alvos de investigações.
Compreende-se que não há como esperar os
trâmites e prazos legais para remover toneladas de entulho que ocupam ruas e
calçadas de cidades devastadas, reconstruir pontes importantes levadas pela
enxurrada ou recuperar estradas essenciais para a mobilidade da população ou
escoamento da produção — para ficar apenas em alguns exemplos. A urgência se
impõe em centenas de municípios que viveram situação de calamidade pública.
Mas, evidentemente, é preciso maior
escrutínio nas contratações, para assegurar o destino correto dos recursos.
Isso se faz necessário também porque empresas que são alvos de processos por
desvio de dinheiro público ganharam contratos com municípios gaúchos que chegam
a R$ 239 milhões. As contratações ocorreram por dispensa eletrônica,
procedimento mais célere que a licitação.
Uma dessas firmas, responsável por 11
contratos no valor total de R$ 165 milhões em Canoas, havia sido alvo de uma
operação do Ministério Público de São Paulo que investigou fraude em
licitações, peculato, corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro em
serviços de limpeza urbana. A Prefeitura argumenta que uma contratação com o
tempo regular demoraria meses, levando a uma outra calamidade —de saúde pública
—, uma vez que havia 350 mil toneladas de entulho nas ruas.
Uma outra empresa que fechou contratos de R$
74 milhões com a Prefeitura de São Leopoldo para retirada de lixo e
fornecimento de equipamentos é comandada por um empresário que se tornou réu em
fevereiro sob acusação de integrar um esquema de desvio de recursos no sistema
de saúde de Canoas. Até o momento, não há indícios de irregularidades, mas, por
se tratar de situações emergenciais, órgãos de controle e fiscalização
estaduais e federais precisam ficar atentos.
Tragédias recentes no Brasil, como a
pandemia, mostram que contratações de urgência facilitam a ação de criminosos.
Por isso é preciso vigilância redobrada e constante para evitar que histórias
escabrosas de um passado não tão distante se repitam.
Governo busca portas de saída para o Bolsa
Família
Valor Econômico
A verdadeira saída sustentável é promover o
crescimento econômico com políticas sensatas
O governo está tomando medidas que deem mais
sentido ao Bolsa Família - torná-lo uma transição de sobrevivência até que seus
beneficiários tenham empregos e se sustentem com eles. O objetivo é estimular o
acesso ao emprego formal e ao empreendedorismo, e inovações foram implantadas
desde o segundo semestre do ano passado, com sucesso reduzido até agora.
Desde que tomou posse, o governo Lula e sua
equipe fizeram ajustes no Bolsa Família. Um dos primeiros passos foi a revisão
do Cadastro Único dos beneficiários, que, no governo anterior, favoreceu a
explosão dos casos de famílias unipessoais. Esse trabalho resultou no
cancelamento de cerca de 3 milhões de cadastros irregulares, que, em boa parte,
abriram espaço para novos participantes. A revisão está em curso permanente,
mas as irregularidades tendem a diminuir com o aperfeiçoamento dos critérios de
seleção.
Outra medida importante foi acabar com a
regra que desestimulava a busca de emprego dos beneficiados, ao excluir da
lista as famílias em que algum membro conseguia um emprego formal. Essa
disposição levava muita gente a nem procurar trabalho ou a optar pelas
ocupações informais para não perder o benefício. Até porque o trabalho poderia
ser temporário mesmo ou não garantido.
Desde junho de 2023, entrou em vigor a regra
de proteção, que estabeleceu que a família em que algum membro arrumar trabalho
vai continuar recebendo o benefício por dois anos se a renda per capita ficar
entre R$ 218 e meio salário mínimo. Se a renda per capita superar meio salário,
a família deixará de receber o benefício, mas continuará cadastrada no CadÚnico
por 24 meses, o que facilitará seu retorno ao programa caso seja necessário.
Para dar um estímulo, o Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) faz
parcerias com o setor privado para contratação de beneficiários e tem promovido
cursos de capacitação para grupos específicos, como o de mulheres negras.
Os resultados ainda deixam a desejar, no
entanto, e mais esforço será necessário. No fim de 2023, o Bolsa Família
contabilizava 55,74 milhões de beneficiados, segundo dados do MDS, dos quais
29,07 milhões, ou 52,15%, estavam em idade laboral. Mas apenas 1,26 milhão
tinha empregos com carteira assinada, ou 4,33% da população em idade adulta,
segundo os dados mais recentes disponíveis. Outros 106,88 mil fora dessa faixa
etária estavam registrados no Caged.
O percentual pode estar subestimado porque
ainda existe o receio de perder tanto o emprego quando o benefício, que leva
participantes do Bolsa Família a preferir ocupações informais para ficar fora
do radar dos sistemas de verificação do governo. Há ainda beneficiários que
optam por empreender, em geral no setor de alimentação. Pesquisa do MDS e do
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) constatou que
o percentual de microempreendedores individuais (MEIs) inscritos no CadÚnico é
de 4,65 milhões, o que corresponde a 7,42% dos maiores de 18 anos no cadastro.
Em outra estimativa, integrantes do governo
afirmam que quase 44% dos beneficiários do Bolsa Família que recebem acima de
R$ 800 empreendem em algum negócio, como fabricação e venda de comida caseira
ou roupas feitas a mão.
Diante disso, o governo vem estudando
estímulos ao empreendedorismo entre os participantes do Bolsa Família. Já se
sabe que a intenção é incentivar a formalização como MEI, com acesso a crédito
e a garantia de que só deixarão o programa gradualmente, quando conseguirem se
sustentar com o próprio negócio. Além do MDS, o Ministério do Empreendedorismo
e Microempresa está envolvido no projeto.
Facilita o esforço do governo o fato de o
mercado de trabalho estar aquecido há dois anos e surpreendendo positivamente.
Embora mostre maior dinamismo entre os trabalhadores mais qualificados, a
dinâmica positiva contagia os menos especializados.
Dados mais recentes da Pnad Contínua mostram
que a taxa de desemprego caiu para 7,1% no trimestre móvel encerrado em maio, o
mesmo patamar de 2014. O número de trabalhadores desempregados diminuiu 8,8% no
trimestre encerrado em maio ante o trimestre imediatamente anterior, para 7,8
milhões de pessoas. O número ficou abaixo dos 8 milhões pela primeira vez em
nove anos, desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2015.
A perspectiva dos economistas é que o mercado de trabalho siga dinâmico neste ano, em recuperação saudável, indicando desemprego estrutural mais baixo. O cenário também favoreceria uma menor pressão sobre o Bolsa Família. Mas a necessidade de apoio à população mais pobre continua enorme e o Bolsa Família segue sendo uma resposta das mais adequadas do ponto vista moral, social e econômico. A verdadeira saída sustentável é promover o crescimento econômico com políticas sensatas, o que envolve o fim de subsídios a atividades pouco produtivas, equilíbrio fiscal, a oferta de cursos de qualificação permanentes para os trabalhadores e uma melhoria generalizada na educação.
Dívida pública em alta cria ciclo vicioso
Folha de S. Paulo
Excessivo segundo padrões globais, passivo do
Estado eleva juros e é por eles elevado; cortar gastos interrompe processo
Dados recém-divulgados pelo Banco Central mostram
que a dívida pública segue em escalada alarmante, embora não surpreendente,
neste terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Em apenas um ano e meio, até junho de 2024, o
endividamento de União, estados e municípios saltou de 71,7% para o
equivalente a 77,8% do Produto Interno Bruto. A alta, de mais de 6%
do PIB,
corresponde ao gasto de quatro anos com o programa Bolsa Família.
Além de crescer em ritmo acelerado, a cifra é
muito elevada para padrões domésticos e globais. É a maior deste século,
excluído o período anômalo da pandemia; entre os principais países emergentes,
há poucos paralelos.
Pelos critérios do Fundo Monetário
Internacional (FMI),
que permitem cotejos internacionais, a dívida do Estado brasileiro chega a
88,7%, um patamar excessivo para economias de renda média, sem moeda forte e
maior dificuldade de acesso ao crédito.
Em comparação, México (55,6%), Rússia
(20,8%), Turquia (30,9%) e Indonésia (39,3%) apresentam números muito menores,
bem como os vizinhos Chile (40,5%), Colômbia (54,4%) e Uruguai (61,9%).
Pelas estimativas do FMI para 2024, apenas a
vizinha Argentina (86,2%), a Índia (82,5%) e a China (88,6%), entre os
parceiros emergentes do Brasil no G20, têm números parecidos.
A diferença, entretanto, é que nas duas
primeiras a tendência esperada é de queda, enquanto na peculiar ditadura
chinesa a trajetória de alta não impede de imediato um crescimento econômico
vigoroso.
Já aqui se preveem avanço contínuo da dívida
e expansão medíocre do PIB pelos próximos anos. Pelas projeções oficiais, que
não podem ser acusadas de pessimistas, haverá alta do endividamento até 2027;
as projeções do FMI, que vão até 2029, não mostram redução.
Trata-se da consequência óbvia da política de
elevação contínua de gastos levada a cabo pela administração petista, que tende
a subestimar os riscos de tal estratégia.
No partido se alimenta a crença de que
a despesa estatal é capaz de impulsionar a atividade produtiva e
o consumo das famílias a ponto de compensar seus custos.
A consequência é um ciclo vicioso: quanto
maiores os gastos e a dívida do governo deficitário, mais altos são os juros cobrados
pelo mercado credor; quanto mais altos os juros, mais a dívida sobe e menos a
economia cresce.
Lula apenas ensaiou um reconhecimento dessa
dinâmica ao instituir uma regra fiscal para o reequilíbrio gradual do
Orçamento. No entanto o compromisso
com as metas tem se mostrado frouxo, dada a recusa obstinada em
conter despesas insustentáveis. A conta virá.
Governo opaco
Folha de S. Paulo
Urge retomar divulgação de dados sobre
yanomamis e melhorar o combate ao garimpo
Um dos pilares das democracias liberais é a
transparência das ações do poder público. Só assim a sociedade civil pode
avaliá-las e exigir mudanças, caso necessárias.
Por isso causa espécie que o governo federal
tenha suspendido,
neste ano, os boletins sobre a saúde da população na Terra Indígena Yanomami.
Dada a crise humanitária verificada na região, é premente a retomada dos
informes.
O último boletim foi divulgado em fevereiro
de 2024, mas se referia a dados do ano anterior. Foram registradas 363 mortes
de indígenas (aumento de 6% em relação a 2022), além de 29.900 casos de malária
e 7.104 de síndrome respiratória aguda grave. Em dezembro de 2023, 145 crianças
com menos de 5 anos estavam em tratamento por desnutrição grave ou moderada.
A principal causa da crise sanitária,
agravada sob Jair Bolsonaro (PL), é o garimpo ilegal. A atividade polui rios,
impede a pesca e eleva casos de intoxicação. Ademais, o desmatamento produzido
pela extração criminosa de minérios cria desequilíbrios ecológicos que
contribuem para a reprodução do mosquito transmissor da malária.
Entre 2020 e 2022, a área de garimpo ilegal
no território passou 14 km² a 41,83 km² —alta de 198%.
Devido à situação calamitosa, a gestão de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou estado de Emergência em Saúde Pública
de Importância Nacional na região em janeiro de 2023 e, em junho do mesmo ano,
um decreto presidencial expandiu a atuação de militares no combate à atividade
criminosa.
Contudo, como mostram reportagens da Folha de
janeiro deste ano, o
garimpo retomou força no território, com pontos estratégicos de
logística em pleno funcionamento, e a atuação das Forças Armadas é precária,
principalmente no controle do espaço aéreo.
O governo federal precisa realizar um
diagnóstico da situação e instituir
uma política de longo prazo integrada, com saúde e segurança. As
medidas não podem ser tomadas apenas em situações de crise.
E urge que os boletins voltem a ser divulgados mensalmente. O poder público tem o dever de manter a sociedade informada sobre os resultados de suas ações.
Aprendiz de Fidel
O Estado de S. Paulo
Como franquia da ditadura cubana, chavismo
aprendeu a sufocar os que ousam se lhe opor. Com apoio chinês e russo, Maduro
parece querer transformar a Venezuela de vez numa nova Cuba
O ditador Nicolás Maduro decidiu dar uma
banana para a comunidade internacional e fechar ainda mais seu regime de
opressão, que há 11 anos subjuga os venezuelanos de todas as formas pelas quais
um povo pode ser subjugado por seu próprio governante. Suas ações nesse sentido
são inequívocas desde aquele farsesco ato de “diplomação” encenado no Conselho
Nacional Eleitoral (CNE), um quintal do Palácio de Miraflores, horas após o
pleito. Ali se ouviu a coda da ópera-bufa que apresentou Maduro como um legítimo
candidato que teria triunfado sobre os adversários dentro das regras do jogo
democrático, e não como o tirano sanguinário que ele é.
Maduro parece determinado a transformar a
Venezuela em um Estado pária perante a comunidade das nações democráticas,
entre as quais o Brasil. E ele só se movimenta com tamanho desassombro,
malgrado todas as consequências políticas e econômicas que podem advir de seu
novo golpe contra a soberania popular, porque conta com o imprescindível apoio
da China e, a reboque, da Rússia, dois países que, como é notório, tratam as
liberdades individuais e os direitos fundamentais dos cidadãos como
excentricidades ocidentais.
Enquanto Estados Unidos e União Europeia se
uniram para manifestar desconfiança em relação às condições da “vitória” de
Maduro, China e Rússia foram rápidas na direção diametralmente oposta. Vieram
de Pequim e de Moscou as mais importantes entre as escassas manifestações de
apoio ao ditador venezuelano nas horas que se seguiram à proclamação do
resultado pelo CNE no domingo passado.
A China de Xi Jinping, que conta com o
petróleo da Venezuela para sustentar seu crescimento econômico, saudou Maduro e
disse estar “disposta a enriquecer a associação estratégica com o país”. Ato
seguinte, a Rússia do delinquente Vladimir Putin, outro capacho de Pequim,
felicitou o ditador sul-americano e afirmou acreditar que “a associação
estratégica” entre Moscou e Caracas se desenvolverá “em todas as áreas” a
partir de agora. Engana-se quem pensa que essa coincidência de expressões
empregadas foi mera obra do acaso.
Hoje, a Venezuela está para a China e Rússia
como Cuba já esteve para a então União Soviética na década de 1960 – um posto
avançado a serviço dos interesses chineses e russos contra os interesses
americanos na América Latina. Não é força de expressão: é sabido que o regime
chavista há tempos é uma franquia da ditadura cubana, que forneceu a Hugo
Chávez e a Nicolás Maduro sua eficientíssima tecnologia de repressão a
dissidentes, tanto políticos quanto militares. Maduro, devotado aprendiz de
Fidel Castro, pretende se aferrar ao poder assim como o longevo ditador cubano.
Eis o teatro geopolítico que tem autorizado
Maduro a não só desafiar, como a humilhar os países da América Latina e do
Caribe que ousaram desconfiar de sua fajuta vitória ou guardar, no mínimo, um
providencial silêncio nesse momento de crise, como fizeram Brasil e Colômbia,
em que pese a hora grave impor uma condenação inequívoca da violência em curso
no país vizinho.
No caso do Brasil, em particular, Maduro tem
sido especialmente agressivo, tanto do ponto de vista retórico como militar.
Recorde-se que, há poucos dias, o ditador recomendou que o presidente Lula da
Silva tomasse um “chá de camomila” após o brasileiro se dizer “assustado”
diante da ameaça feita pelo ditador companheiro de que haveria um “banho de
sangue” na Venezuela caso ele não fosse reeleito. Ademais, Maduro segue
inabalável em suas agressões contra a soberania da Guiana, mantendo tropas na
região de fronteira com o Brasil.
A bem da verdade, Maduro sabe muito bem com
quem está lidando ao se portar com esse misto de petulância e desdém pelo
governo brasileiro. Fiel à tradição petista de condescendência com o chavismo,
Lula afirmou ontem à noite que “nada tem de grave ou de anormal” na
suspeitíssima eleição na Venezuela. De fato, sob a sanha persecutória e a sede
de poder de Maduro, normal é ver os cadáveres de quem se opõe ao regime
estendidos nas ruas, como já se vê. E isso é apenas o começo.
Na contramão da reforma
O Estado de S. Paulo
Mudança de Lula na fórmula de reajuste do
salário mínimo e vinculação aos benefícios do INSS anulam mais da metade dos
ganhos previstos com reforma da Previdência em dez anos
O economista Fabio Giambiagi, que há décadas
monitora e analisa a Previdência Social, fez as contas e chegou à conclusão de
que a vinculação do aumento do salário mínimo ao Produto Interno Bruto (PIB),
fórmula de correção estendida aos benefícios do INSS, vai anular mais da metade
dos ganhos previstos com a reforma previdenciária de 2019.
Pelos seus cálculos, como mostrou reportagem
do Estadão, será necessário um adicional de R$ 638 bilhões aos gastos
públicos para financiar, pelos próximos dez anos, a política adotada pelo
governo Lula da Silva. O montante corresponde a nada menos de 56% da economia
de R$ 1,136 trilhão (valor atualizado pela inflação) prevista há cerca de cinco
anos, quando foi aprovada a reforma.
Se a cifra astronômica que se esvai pelo ralo
impressiona, o pior é constatar que uma canetada de Lula tenha arruinado boa
parte do esforço de mais de 25 anos de discussões em torno das mudanças que
permitiram frear a progressão do rombo previdenciário. Como lamentou Giambiagi,
a nova política de reajuste do mínimo e sua extensão às aposentadorias foi
feita sem uma avaliação prévia que a justificasse. Na mudança determinada por
Lula, o salário mínimo passou a ser reajustado pela inflação do ano mais a variação
do PIB dos dois anos anteriores.
Num momento em que diversos especialistas
alertam para a necessidade de uma nova reforma da Previdência, diante do
envelhecimento populacional mais acelerado do que o previsto no Brasil, o bom
senso exige, ao menos, a desvinculação do piso previdenciário do salário
mínimo. Apenas essa medida representaria uma economia acumulada de R$ 400
bilhões até 2035, como estima o Centro de Liderança Pública (CLP).
Há dois meses, depois de mencionar uma
possível desvinculação como parte das medidas para reduzir o gasto público, a
ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi alvo de uma saraivada de críticas
do PT. Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, acabou
restringindo a defesa à desvinculação do seguro-desemprego, do abono salarial e
do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria paga a idosos de
baixa renda mesmo que não tenham contribuído para o INSS.
Apesar de ser um tema sensível e
potencialmente impopular, a revisão da paridade nos reajustes de ativos e
inativos tem de ser discutida com a seriedade e urgência que o crescente
déficit previdenciário exige. Trata-se de uma demanda particularmente complicada
num governo em que o próprio ministro da Previdência, Carlos Lupi, nega de
forma reiterada a existência do déficit comprovado pelos números. Para
completar, Lula da Silva tem verdadeira ojeriza a temas que possam comprometer
sua popularidade.
Não fosse assim, revisões como a
desvinculação do salário mínimo e aposentadorias, além de debates em torno da
ampliação da reforma de 2019, como a mudança de estrutura da aposentadoria dos
militares, por exemplo, já estariam em pauta e poderiam contribuir de forma
ampla para o equilíbrio das contas públicas. No último relatório de receitas e
despesas, o governo aumentou em R$ 11,7 bilhões a projeção de despesas para
2024 com o pagamento do BPC e despesas da Previdência Social, o que obrigou a
equipe econômica a fazer o bloqueio de R$ 11,2 bilhões.
De acordo com o CLP, a desvinculação do piso
da Previdência do salário mínimo, combinada com reformas na aposentadoria
rural, poderia resultar em uma economia equivalente a quase 1% do PIB. Isso não
só aliviaria o déficit público, como liberaria recursos para áreas críticas
como saúde, educação e infraestrutura. No primeiro semestre do ano, as contas
do setor público registraram déficit primário de R$ 43,4 bilhões, mais do que o
alcançado no mesmo período no ano passado.
Os números gritam, mas parecem incapazes de
sensibilizar o presidente Lula da Silva, que prefere optar por mais promessas
de aumento real do salário mínimo atrelado ao piso das aposentadorias mesmo ao
arrepio da lógica econômica. Mas, como se sabe, a única contabilidade que
importa a Lula é a de votos.
Violações em nome da igualdade
O Estado de S. Paulo
Lei da Igualdade Salarial precisa se adequar
à livre-iniciativa e à livre concorrência
Empresas brasileiras e entidades de
representação do setor patronal têm recorrido à Justiça para barrar os efeitos
danosos da Lei da Igualdade Salarial. A nova legislação foi regulamentada por
decreto presidencial e portaria do Ministério do Trabalho e Emprego para
determinar a publicação, em março e setembro, de relatórios com os vencimentos
em companhias com cem empregados ou mais. Desde então, instaurou-se uma
confusão generalizada na disponibilização do documento ao público.
O projeto de lei de autoria do governo Lula
da Silva recebeu o aval do Congresso no ano passado. O descumprimento da norma
implica multa de 3% sobre o valor da folha de pagamento, limitada a um teto de
cem salários mínimos – ou seja, R$ 141,2 mil. A ideia – louvável – é mitigar a
discrepância de gênero entre os salários, que chega a cerca de 20%. Porém,
falhas na execução da iniciativa revelam mais problemas do que soluções.
A forma como a lei, o decreto e a portaria
impõem obrigações suscita preocupações de empresas, advogados e especialistas.
Com isso, as regras passaram a ser questionadas – não sem razão. Os casos
judiciais mais recentes foram divulgados pelo jornal Valor.
Desembargadores do Tribunal Regional Federal
da Sexta Região (TRF-6), com sede em Belo Horizonte, validaram a suspensão da
publicação dos relatórios a pedido da Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (Fiemg), conforme já havia decidido o desembargador Lincoln
Rodrigues de Faria, cujos alertas merecem atenção. Faria afirmou que há risco
de prejuízo social e econômico “irreversível” e de violação de direitos
fundamentais. Segundo o desembargador, nem decreto nem portaria cumpriram os
requisitos de segurança da Lei Geral de Proteção de Dados, para garantir o
anonimato.
Na mesma linha, o desembargador Valdeci dos
Santos, do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3), de São Paulo,
liberou empresas associadas ao Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e
Equipamentos (Sindimaq) de divulgar os relatórios e afirmou que o Executivo
extrapolou seu poder normativo. Pelas regras, os documentos, além de ficarem
disponíveis no site do Ministério do Trabalho e Emprego, devem ser replicados
nos sites das companhias e em redes sociais – uma clara ingerência.
Sem a chance de a companhia explicar os
critérios para as diferenças salariais – como ocorre na Inglaterra –, abre-se
caminho para uma caça às bruxas, na qual as particularidades das remunerações
são ignoradas, com risco de dano reputacional. A produtividade, a cobrança
sobre um empregado no desempenho de suas funções, o tempo de casa ou o mérito
podem implicar diferença entre os salários, e isso não é discriminação.
A promoção da igualdade entre homens e mulheres, seja no mercado de trabalho, seja em qualquer área da sociedade, é um imperativo, mas a lei, o decreto e a portaria precisam ser urgentemente revistos para se adequarem à Constituição. Caso contrário, perpetuar-se-á evidente violação dos princípios da privacidade, da livre-iniciativa e da livre concorrência.
As Olimpíadas e o empenho público
Correio Braziliense
O histórico das Olimpíadas comprova que os
resultados no topo do esporte mundial acompanham diretamente o investimento
feito pelos países
Desde Pequim-2008, o desempenho do Brasil nos
Jogos Olímpicos só melhora. Das 10 medalhas conquistadas em Atenas-2004, o país
vibrou com 21 pódios em Tóquio 2020 — um aumento de 110%. Apesar desse
crescimento ser puxado também pela inclusão de modalidades nas quais os
brasileiros se destacam, como skate e surfe, o bronze por equipes na ginástica
artística, alcançado ontem, em Paris, simboliza essa evolução. Antes da edição
japonesa, brasileiras nunca haviam conseguido medalhas na modalidade. Hoje, são
três. No evento asiático, o país faturou a de ouro no salto e a de prata no
individual geral, ambas com Rebeca Andrade, que se somam ao pódio desta
terça-feira.
Ainda que os números comprovem uma evolução
olímpica do Brasil, o desempenho do país está longe de potências como Estados
Unidos, China, Grã-Bretanha e Japão. Os brasileiros nunca figuraram no top 10
do quadro de medalhas. O melhor resultado aconteceu justamente em Tóquio: o 12º
lugar. Todo esse histórico comprova que os resultados no topo do esporte
mundial acompanham diretamente o investimento feito pelos países.
Nessa toada, em 2023, o Bolsa Atleta —
programa do governo federal que financia carreiras desportivas de alto
rendimento — recebeu R$ 121 milhões, o que significa um recorde de 8.292 apoios
concedidos a modalidades olímpicas e paralímpicas. Este ano, a gestão ampliou
esse repasse ao contemplar cerca de 9 mil atletas, com uma transferência que
chega a aproximadamente R$ 160 milhões.
Mais do que investimentos pontuais, o sucesso
olímpico depende da continuidade do empenho público. O caso do Japão serve como
exemplo. Em Sydney 2000, o país conquistou 18 medalhas, a maior parte delas no
judô. Vinte anos depois, ao receber o megaevento esportivo em sua capital, a
potência asiática mostrou força para além dos tatames e faturou 58 pódios, com
judocas e em esportes em que não tinha tradição, como a ginástica e o tiro com
arco.
Nesse sentido, o Brasil acerta ao ampliar
seus investimentos em programas como o Bolsa Atleta. Até 2022, os aportes eram
de R$ 129,6 milhões — portanto, 24% menores do que o patamar atual. Na
delegação brasileira em Paris, 87,3% dos esportistas recebem recursos do
programa. No boxe, por exemplo, todos os 10 classificados estão na categoria
mais alta da iniciativa, que paga entre R$ 5,5 mil e R$ 16,6 mil ao beneficiado
por mês.
Ainda que o cenário tenha melhorado, há
potencial para mais. Antes do reajuste feito pela atual gestão, o governo
federal nunca havia ampliado os valores do Bolsa Atleta, que continuavam os
mesmos desde a criação do programa, em 2005. Tal panorama vai totalmente na
contramão das potências olímpicas. Também configura um desperdício de
capacidade, sobretudo após a construção de infraestruturas esportivas para o
recebimento dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016.
Essa conta não deve ser paga somente pelo governo federal. O olhar do primeiro escalão público é peça importante desse time, mas a ampliação do investimento também depende das esferas estaduais e municipais e da iniciativa privada, a partir de programas como a Lei de Incentivo ao Esporte. O mesmo vale para o aumento da destinação das emendas parlamentares para o setor, fatia que cabe à nossa classe política. A história mostra que o Brasil ainda continua dependente de talentos individuais, como os de Willian Lima e Larissa Pimenta, pouco falados antes de Paris 2024, mas que garantiram as duas primeiras medalhas do país nos tatames.
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