Folha de S. Paulo
A rigor, são institucionais os fatores que
sustentam um sistema partidário tão autônomo quanto distante da sociedade
Legislando em causa própria —e para indignação daqueles brasileiros que ainda se importam com essas coisas— os partidos representados na Câmara dos Deputados aprovaram semana passada a chamada PEC da Anistia. Só os parlamentares do PSOL, do Novo e da Rede ficaram à margem do conluio. Se vingar no Senado, a tramoia mudará a Constituição para garantir às legendas imunidades contra sanções tributárias; perdoar irregularidades cometidas; e dar condições vantajosas para o pagamento parcelado de dívidas —sem juros. De bom, apenas a criação de uma cota para candidatos negros, com a provisão de recursos para suas campanhas.
À parte quaisquer juízos sobre a qualidade da
representação parlamentar, o desembaraço dos políticos na defesa de benefícios
fora do alcance do cidadão comum dá a medida de quão descoladas de seus
eleitores estão as agremiações partidárias. O cientista político Antonio Lavareda chama os partidos brasileiros de
hidropônicos, como as verduras criadas sem raízes na terra. A rigor, são
institucionais os fatores que sustentam um sistema partidário tão autônomo
quanto distante da sociedade: têm a ver, seja com as regras de financiamento
dos partidos e campanhas, seja com aquelas que regulam a escolha de
representantes.
As entradas mensais do fundo partidário, acrescidas de recursos do fundo
eleitoral a cada dois anos, nutrem robustas máquinas eleitorais que independem
do tamanho da militância ou de sua capacidade de mobilizar doadores. O primeiro
deles distribuirá cerca de R$ 1,2 bilhão ao longo deste ano, conforme o porte
das bancadas na Câmara. O segundo garantirá recursos da ordem de R$ 5 bi para
irrigar as campanhas municipais dos 25 partidos registrados. Por terem as
maiores bancadas federais, o PL e a federação PT-PCdoB-PV terão direito a
valores que chegam, respectivamente, a R$ 887 milhões e R$ 721 milhões para
tentar eleger seus prefeitos e vereadores.
Recursos que saem de graça, por assim dizer, estimulam a proliferação de
partidos nanicos que nada mais são do que empreendimentos pessoais de seus
chefes, em benefício de suas carreiras políticas.
Os fundos polpudos se somam ao tamanho dos distritos eleitorais. Coincidentes
com os limites dos estados, neles concorre um número elevado de candidatos ao
Legislativo, o que torna muito difícil estabelecer vínculo forte entre
eleitores e representantes. Assim, o desenho dos distritos dificulta que os
cidadãos se identifiquem com os partidos e estes se sintam forçados a prestar
contas do que fazem. Vem daí a desfaçatez de incluir a autoanistia na Constituição.
Um comentário:
Verdade.
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