Lula tem de ampliar cobrança a Maduro
O Globo
Reação ao ditador foi tardia, mas correta.
Brasil precisa, porém, ser mais veemente ao exigir respeito às urnas
Demorou, mas o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva enfim reagiu publicamente ao regime ditatorial de Nicolás
Maduro na Venezuela.
“Fiquei assustado com as declarações de Maduro de que, se perder as eleições,
haverá um banho de sangue. Quem perde as eleições toma banho de votos, não de
sangue. O Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica. Quando você
perde, você vai embora. Vai embora e se prepara para disputar outra eleição”,
afirmou Lula.
Era esse o tom que ele deveria ter adotado desde a volta ao Palácio do Planalto. Ainda que tardia, a mudança de postura é bem-vinda. Mas é crucial que seja aprofundada. Diante das tentativas de barrar a participação de eleitores da oposição no pleito presidencial de domingo, prisões arbitrárias, viradas de mesa de última hora ou indícios de fraudes, o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, enviado a Caracas, não poderá se calar. A defesa intransigente da democracia pelo representante de Lula é o que merecem os venezuelanos — e o que exigem os brasileiros.
Na Venezuela, os chavistas dominam as
instituições — das Forças Armadas à Justiça, inclusive a Eleitoral. Perseguem e
prendem oposicionistas, intimidam a imprensa. Para tentar legitimar o regime,
organizam eleições periódicas, mas, quando sentem o risco de derrota,
desqualificam candidatos, colocam centenas de opositores atrás das grades,
incentivam o absenteísmo em redutos adversários, distribuem benesses aos
próprios partidários ou simplesmente recorrem a fraudes e mudança de regras.
Desta vez, Maduro, em busca da confirmação de seu terceiro mandato, deu um
passo a mais, apelando à ameaça de guerra civil em caso de uma derrota
acachapante, mais difícil de mascarar.
A possibilidade de um banho de votos é real,
porque a oposição finalmente se uniu. Depois de ser afastada da corrida
presidencial por decisão arbitrária, María Corina Machado, principal voz do
antichavismo, tem sido eficaz em atrair apoio popular a seu substituto, Edmundo
González, um diplomata aposentado estranho ao mundo da política. Em outubro,
governo e oposição se encontraram em Barbados e firmaram um acordo para haver
eleições competitivas neste ano. De lá para cá, Maduro voltou a perseguir
opositores, e os Estados Unidos reimpuseram parte de sanções que haviam
suspendido. No início do mês, o presidente americano, Joe Biden, exigiu de
Maduro mais uma vez a realização de eleições livres. Representantes europeus
têm feito coro. A postura brasileira, porém, até agora vinha sendo tímida. É
preciso que Lula insista na nova atitude que adotou nesta semana. “Se o Maduro
quiser contribuir para resolver a volta das pessoas que saíram da Venezuela,
estabelecer um estado de crescimento econômico, ele tem que respeitar o
processo democrático”, declarou.
Quando Maduro assumiu, a Venezuela era uma
das maiores economias da América do Sul. O PIB era de US$ 372 bilhões, hoje não
passa de US$ 102 bilhões. Um quarto da população emigrou. Quem ficou por lá
enfrenta fome e miséria. Excluindo países que passaram por conflitos armados ou
desastres naturais, não há paralelo no mundo. A prevalecer o que sugerem as
pesquisas eleitorais, o tempo de Maduro no poder está perto do fim. Está nas
mãos do governo brasileiro manter a postura firme e denunciar qualquer tentativa
de calar a vontade popular.
Não faz sentido sigilo de cem anos sobre
documento de ministro
O Globo
Na campanha eleitoral, Lula prometeu acabar
com a prática. Mas seu governo continua a adotá-la
É contraditório que o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva mantenha sigilo de cem anos sobre documentos oficiais, prática tão
criticada pelo próprio Lula durante a gestão Jair
Bolsonaro. A negativa mais recente diz respeito a dados fornecidos
ao Planalto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, para avaliar conflitos de interesse no cargo. O pedido
negado foi feito por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo portal UOL.
Como medida de transparência, ministros têm
de apresentar uma Declaração de Conflito de Interesses. Além de dados
patrimoniais, fiscais e pessoais, ela informa se parentes até terceiro grau
exercem atividades que podem ser incompatíveis com a função. A Comissão Mista
de Reavaliação de Informações alegou que “o documento está integralmente
protegido por sigilo fiscal”. O Ministério de Minas e Energia argumentou que a
LAI “classifica automaticamente informações de caráter pessoal com status
restrito”. A Casa Civil informou que “se trata do estrito cumprimento das
normas legais vigentes, e não de imposição de sigilo”.
Entende-se que o documento em questão possa
conter informações sensíveis, mas o zelo pela transparência exige separar o que
deve ser sigiloso e liberar o que é de interesse público. Uma das mudanças
feitas na LAI no ano passado trata justamente de documentos sob sigilo de cem
anos que contêm informações íntimas. É fundamental mesmo preservar o que é de
caráter exclusivamente privado. Mas, nesses casos, os dados pessoais devem ser
ocultados, e o restante liberado.
Impor sigilo de cem anos sobre o que quer que
seja sempre desperta desconfiança. Lula sabe disso. Em debate com Bolsonaro na
disputa pela Presidência, ele afirmou: “Farei um decreto para acabar com seu
sigilo de cem anos para saber o que esse homem esconde por cem anos”. Um dos
documentos trancados na gestão anterior era o cartão de vacinação de Bolsonaro,
cujo sigilo foi suspenso em 2023. O documento é alvo de investigação policial
por suspeita de fraude. O decreto de Lula realmente saiu, mas a prática se manteve.
Lula não pode nem alegar que o caso de
Silveira seja excepcional. O governo mantém sob sigilo também as visitas à
primeira-dama, Janja Lula da Silva; gastos com o uso do helicóptero
presidencial e com alimentação no Palácio da Alvorada; além de visitas dos
filhos do presidente ao Palácio do Planalto. Imagens de câmeras de segurança
durante a invasão do 8 de Janeiro também foram consideradas segredo, mas
acabaram liberadas pelo Supremo.
O sigilo sobre documentos da administração
pública só deveria ser decretado em situações necessárias, mediante
justificativas razoáveis. Infelizmente não é o que vem acontecendo. Dependendo
da conveniência, governos sempre poderão alegar razões pessoais ou de
intimidade para carimbar dados como sigilosos, desrespeitando o direito à
informação. É preciso preservar o espírito de transparência da LAI. A sociedade
tem direito de saber o que se passa na administração pública. Como disse o
próprio Lula, o que se tenta esconder por cem anos?
Proposta de super-reguladores expõe as falhas
da supervisão
Valor Econômico
Proposta de adotar modelo “twin peaks”, mesmo sendo boa, é complexa e precisaria ser implantada gradualmente no BC e na CVM
Nas vésperas do recesso do Senado, o governo
desferiu um golpe duplo nas pretensões do Banco Central (BC). Em um primeiro
movimento, o governo apresentou, na quarta-feira, sua posição a favor da
autonomia do BC, como defendida na Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
65/2023, mas rejeitou sua intenção de se transformar em empresa pública,
defendendo a configuração de uma autarquia. No mesmo dia, o Ministério da
Fazenda informou que estuda mudanças no modelo de regulação e supervisão dos
mercados financeiros, de capitais e segurador, o que implicaria alterações nas
atribuições do BC, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da
Superintendência de Seguros Privados (Susep) e provavelmente da
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
Sem acordo em relação à PEC, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) adiou sua votação para depois do recesso. A demora
do governo em apresentar sua posição foi motivo de queixa do senador Plínio
Valério (PSDB-AM), relator da PEC, que começou a tramitar em novembro. A
personalidade jurídica do BC, que gostaria de se transformar em empresa
pública, é o principal problema para o governo.
Em meio a isso, a Fazenda tirou da gaveta o
projeto de mudar o desenho da regulação e da supervisão do sistema financeiro,
com a intenção de colocá-lo em prática no próximo ano. A proposta acabou sendo
antecipada com o debate sobre a autonomia. Baseada no modelo “twin peaks”,
adotado no fim do século passado no Reino Unido e na Austrália, a intenção é
redefinir as funções de regulação e supervisão entre o BC e a CVM, que se
tornariam super-reguladores com focos diferentes.
Enquanto o BC ficaria responsável pela
regulação e pela supervisão prudencial do mercado financeiro, de capitais e de
seguros, além de cuidar da política monetária, a CVM seria responsável pela
supervisão de condutas e proteção ao consumidor nesses mercados. O modelo não
mudaria a autonomia operacional do BC, já estabelecida em lei. A Susep seria
incorporada ao BC. A Previc poderia entrar no redesenho.
Hoje BC, CVM e Susep atuam no mercado
financeiro, de capitais e de seguros, respectivamente, e na supervisão de
condutas e da proteção dos consumidores nesses mercados. Para especialistas,
isso cria sobreposições de funções e impede uma atuação mais firme dos órgãos
na supervisão sistêmica e no monitoramento de condutas irregulares.
Para especialistas, a proposta de criar os
super-reguladores é positiva. O ex-presidente do BC Arminio Fraga disse
ao Valor (18/7) que o modelo “twin peaks” é “padrão ouro de
arquitetura” do sistema regulatório e de fiscalização do mercado, trazendo foco
a essas atividades. Para ele, com o surgimento de instituições financeiras em
vários formatos, de conglomerados a fundos, a mudança contribui para a saúde
sistêmica, de um lado, e para a proteção dos investidores e integridade do
mercado, de outro.
Outro ex-presidente do BC, Gustavo Loyola,
também apoia o projeto, confiando na melhora da fiscalização do mercado de
crédito como um todo, incluindo os títulos de crédito privado, que estão nas
carteiras de fundos mútuos, fundos de pensão e seguradoras, cuja qualidade fica
atualmente um pouco fora do radar.
Arminio Fraga defende, porém, uma discussão
cuidadosa, e um ponto para o qual sugere atenção especial é o dos orçamentos do
BC e da CVM, que, para ele, devem ficar dentro do federal. Até porque as
atividades do BC e da CVM nem sempre dão resultado positivo. Basta ver a
volatilidade das operações de “swap cambial” do BC, absorvidas pelo Tesouro
quando dão prejuízo.
Todos concordam que a proposta, mesmo sendo
boa, é complexa e precisaria ser implantada gradualmente, até porque há
diferença de cultura entre as autarquias. Mesmo que a ideia demore para ser
implantada ou fique pelo caminho, dado o debate técnico e político e a esperada
oposição dos servidores públicos, os alertas que levantou não podem ser
esquecidos. Um deles é que qualquer que seja o sistema de fiscalização e
supervisão vigente, precisa de pessoal e recursos. Chama a atenção o caso da
CVM, que, em relatório de 2023, registrou que seu orçamento obrigatório foi de
R$ 267 milhões naquele ano e o discricionário, de R$ 30 milhões, mas arrecadou
só com a taxa de fiscalização R$ 970 milhões, sem contar outras fontes como
multas. Tem carência de pessoal e depende de convênios com associações de
mercado para dar conta de suas tarefas.
Outra questão é a importância de uma visão
abrangente da supervisão e da fiscalização. Como disse Loyola, muito do crédito
é atualmente levantado no mercado de capitais, cerca de 30%, e fica de fora da
supervisão do BC, prejudicando uma análise sistêmica das carteiras. Nos Estados
Unidos, o percentual é de 70%, e a tendência é o Brasil caminhar nessa direção.
Dados do BC registram que o estoque de títulos privados emitidos chegava a R$
1,06 trilhão em maio, entre debêntures e notas comerciais, e o de títulos
securitizados somava mais R$ 779 bilhões.
Governo faz aposta de risco com Orçamento
Folha de S. Paulo
Ao mirar limite inferior, Fazenda mantém
dúvida sobre cumprimento de meta fiscal; deve-se focar em mudanças estruturais
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
assumiu um risco bastante elevado ao propor o congelamento
de R$ 15 bilhões de despesas do Orçamento, mirando assim o limite
inferior da meta fiscal de déficit zero neste ano.
A opção pelo piso da margem de tolerância da
regra do arcabouço, que consta no relatório de avaliação de receitas e despesas
do terceiro bimestre, garante o cumprimento da meta mesmo que as contas do
governo encerrem 2024 com rombo de R$ 28,8 bilhões.
A escolha, porém, mantém a dúvida sobre se o
governo proporá o afrouxamento da meta fiscal, o que pode ter impactos
negativos no câmbio e na inflação, obrigando o Banco Central a manter os juros
elevados por mais tempo.
Em junho, o TCU (Tribunal de Contas da União)
emitiu alerta de que tomar o piso como referência para adotar ou não o
contingenciamento de gastos pode elevar o risco de estouro da meta e afetar a
credibilidade das regras fiscais.
O alerta foi ignorado, a despeito de o
secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, ter dito que o governo
persegue o centro da meta do arcabouço —declaração não respaldada pelo
secretário do Tesouro, Rogério Ceron.
A estratégia contida no relatório do terceiro
bimestre renova a aposta do ministro Fernando
Haddad (Fazenda) de aumento da arrecadação para fechar as
contas. Mas não deixa margem de manobra para acomodar eventual frustração das
medidas já adotadas.
O desempenho fraco da arrecadação com a
negociação para contribuintes derrotados pelo voto de desempate nos julgamentos
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a principal medida de
aumento de receitas para 2024, reforça as dúvidas.
Ela será o pêndulo a jogar a favor ou contra
num cenário em que a aceleração das despesas obrigatórias com os pagamentos
do INSS e
do Benefício de Prestação Continuada (BPC) não dá trégua.
O foco de Haddad no ajuste fiscal pelo lado
da alta dos impostos deu sinais concretos de que bateu no teto com a rejeição
da medida provisória que restringiu o uso de crédito do PIS/Cofins.
O ministro enfrenta a resistência do
presidente Lula em discutir a fundo cortes, incluindo a revisão do salário
mínimo como indexador de benefícios do INSS e assistenciais,
algo que chegou a ser aventado há algum tempo.
Por ora, o anúncio de redução de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias em 2025, por meio de um pente-fino em gastos sociais, e o congelamento de R$ 15 bilhões deram tempo à Fazenda. Mas já passa da hora de mudar o foco e enfrentar cortes que levem o governo a entregar mais com menos.
Lula encara sua omissão
Folha de S. Paulo
Petista enfim critica Maduro, que prevê uso
da força bruta caso perca a eleição
Foi necessário que Nicolás
Maduro ameaçasse promover
um "banho de sangue" caso seja derrotado na eleição de
domingo (28), para Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) criticar a ditadura venezuelana.
"Quem perde as eleições toma
um banho de votos, não de sangue. Maduro tem de aprender: quando você ganha,
você fica. Quando você perde, vai embora e se prepara para disputar outra
eleição", afirmou o brasileiro na segunda (22).
Para quem insiste
em qualificar como democracia o regime autoritário construído
por Hugo Chávez e cimentado por Maduro nos últimos 20 anos, a fala representa
um avanço. Mas retórica não basta.
Na condição de chefe de Estado da maior
democracia latino-americana, Lula precisa superar sua omissão histórica diante
do recrudescimento do chavismo.
Caso Maduro venha a perder, será necessário
unir forças com vizinhos da região para forçá-lo a respeitar o resultado das
urnas e, caso seja vitorioso, não impedir contestações da lisura da eleição.
Já que, num país onde todas as instituições
do Estado respondem ao caudilho, inclusive o Conselho Nacional Eleitoral,
acumulam-se evidências de interferências no pleito, como prisões políticas e
coações para esvaziar a candidatura da oposição, unificada em torno de Edmundo
González.
Somente o regime —no comando dos aparatos
militar, policial e das milícias— detém os meios para promover um "banho
de sangue".
Na verdade, a selvageria de Caracas é antiga
e notória. Ao menos 125 pessoas foram mortas pelo Estado desde a onda de
protestos de 2017. Em 2022, a ONU divulgou
relatório com 122 casos de tortura e de violência sexual. O país
está sob investigação do Tribunal Penal Internacional desde 2021.
Temendo o pior, e talvez projetando a
repercussão sobre seu governo da violência de uma ditadura que apoia, Lula
decidiu enviar à Venezuela seu
assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o pleito.
Conhecido por se eximir de condenar o regime,
o sucesso de Amorim depende também de o Brasil de fato reconhecer o
indiscutível caráter autoritário de Maduro.
O ‘susto’ de Lula
O Estado de S. Paulo
Quatro longos dias depois de Maduro ameaçar
os venezuelanos com um ‘banho de sangue’ caso não seja reeleito, Lula resolve
se dizer ‘assustado’, gesto que é óbvio fruto de cálculo político
O presidente Lula da Silva levou quatro
longos dias para se dizer “assustado” com a advertência do ditador Nicolás
Maduro de que haverá um “banho de sangue” na Venezuela se ele não for reeleito
na votação prevista para este domingo. Nesse intervalo, enquanto todos os que
prezam a democracia já haviam se assustado de fato com o violento repto
chavista, Lula, ao contrário, tinha se limitado a dizer que “eles (os
venezuelanos) que elejam o presidente que eles quiserem” – como se se tratasse
de uma eleição como qualquer outra e como se o companheiro Maduro não tivesse
feito uma ameaça explícita de promover uma guerra civil caso perca no voto. Na
mesma linha, Celso Amorim, o chanceler brasileiro de facto, havia tratado
a ameaça de Maduro como “um arroubo sem consequências”.
Sabe-se lá o que aconteceu nesses quatro dias
para que Lula subitamente acordasse “assustado” com a perspectiva real de que
Maduro se agarre ao poder na marra. É muito difícil acreditar que só agora o
demiurgo petista, que sempre festejou a “democracia” chavista, tenha se dado
conta de que a Venezuela é uma feroz ditadura e que ditaduras, especialmente as
ferozes, não costumam cair pacificamente pelo voto. É lícito supor, portanto,
que a mudança de discurso de Lula talvez tenha mais a ver com um cálculo segundo
o qual um eventual desfecho violento na Venezuela pode acabar sendo debitado
politicamente de sua conta. Recorde-se que mais de 100 pessoas morreram na
brutal repressão do regime aos multitudinários protestos de opositores em 2017,
no que talvez seja um amargo aperitivo do que pode acontecer agora.
A despeito do novo discurso do presidente,
não mudou um milímetro a convicção de Lula de que o processo eleitoral
venezuelano é realmente justo e livre, a despeito da perseguição a opositores,
da censura, da subserviência do Judiciário ao chavismo e das ameaças aos
eleitores que ousam não votar em Maduro. Nas palavras de Celso Amorim, a
votação de domingo “será uma ocasião de demonstrar que a democracia está
consolidada” na Venezuela.
É esse crente fervoroso da “democracia”
venezuelana que será o “observador” de Lula nas eleições daquele país, o que na
prática significa que ele foi designado para avalizar a lisura de uma votação
que ocorre sob o signo da truculência estatal. Será curioso ver Amorim
confirmar a justiça de uma eventual vitória de Maduro, desfecho que hoje todas
as pesquisas de intenção de voto dizem ser virtualmente impossível – salvo se
houver fraude.
O “susto” de Lula, portanto, recende a farsa.
Desde antes da ascensão definitiva de Maduro ao poder, em abril de 2013, após a
morte de Hugo Chávez, o petista sempre apoiou o regime de Caracas. A despeito
da progressiva degradação da democracia na Venezuela, o lulismo sempre cerrou
fileiras com o chavismo em nome de um alinhamento ideológico antiamericano
infantil e retrógrado.
Maduro tem se mantido no poder há mais de uma
década a um custo altíssimo para o povo venezuelano. Além da miséria a que
foram relegados pelo regime chavista, os venezuelanos que não conseguiram se
desvencilhar das patas do ditador ainda sofrem com o cerceamento de suas
liberdades individuais e de seus direitos políticos. Temendo ser derrotado,
Maduro cassou, uma a uma, todas as candidaturas da oposição que lhe pareceram
ameaças reais a seu poder.
Na Venezuela, são escassos e corajosos os
veículos de imprensa que ainda ousam levar à sociedade os fatos tais como eles
são, não como Maduro quer que sejam apresentados à audiência. Não raro essa
coragem cívica é retribuída com a violência da temida Milícia Bolivariana,
guarda paraestatal que opera sob as ordens de Maduro e que goza de liberdade
praticamente ilimitada para fazer o que bem entender com aqueles que se opõem
ao regime.
É sob essas condições que Lula crê que haverá
eleições limpas na Venezuela? É isso o que o autodeclarado campeão da
democracia no Brasil entende por democracia?
Sob o domínio do medo
O Estado de S. Paulo
Ao cerrar fileiras em torno de Kamala,
democratas reenergizaram disputa. Mas a eleição ainda será sobre quem é menos
impopular, pautada mais pelo pavor do que pela esperança
Eleições nos EUA são melodramáticas e
sabia-se que esta seria ainda mais. Mas mesmo as maiores expectativas estão
sendo superadas. Em uma semana o republicano Donald Trump quase foi
assassinado, viu um processo judicial ser dispensado por uma corte federal,
apontou seu vice-presidente e virtual sucessor à liderança do movimento MAGA
(“Faça a América Grande de Novo”) e foi formalmente nomeado na convenção
republicana, enquanto, do outro lado, o presidente Joe Biden se recolheu com
covid, abandonou a disputa e endossou a candidatura de sua vice, Kamala Harris,
que foi virtualmente nomeada por aclamação pelas lideranças democratas. É uma
disputa totalmente nova – ou quase.
Em princípio, as chances dos democratas para
a presidência e o Congresso, após terem sido arruinadas pela desastrosa
participação de Joe Biden no debate contra Trump, foram revitalizadas. A
questão da idade se evaporou – e até se voltou contra Trump. Harris, com 59
anos, se valeu de sua experiência como promotora em debates no Senado e a
utilizará para confrontar Trump, que responde a ações criminais, foi condenado
em uma delas e só não foi nas demais graças a inúmeras chicanas de seus
advogados. Ela certamente pode se sair melhor que Biden. Mas também pode se
sair pior. Há pelo menos três classes de vulnerabilidades que serão exploradas
pelos adversários.
Uma é a sua personalidade. Seus maneirismos,
risadas extemporâneas e frases de efeito convolutas abastecerão a usina de
memes e vídeos virais. Em segundo lugar, seu registro político está mais à
esquerda que o de Biden. Harris é uma típica progressista da Califórnia, o que
a desfavorece nos Estados “pêndulo”. Mas o primeiro aspecto tende a ser
superestimado pelos republicanos, e o segundo pode ser revertido. Harris ainda
é relativamente desconhecida, e pode reconstruir uma imagem mais ao centro, a
começar pela escolha de seu vice.
A terceira vulnerabilidade pode não se
mostrar decisiva – dificilmente há um elemento “decisivo” neste pleito
turbulento –, mas é praticamente irremediável. Após a renúncia de Biden, os
democratas podiam escolher entre uma competição aberta e a coroação da
vice-presidente. As duas opções tinham seus ônus e bônus. O risco no primeiro
caso era precipitar o partido no caos e na guerra fratricida. Ao invés disso, a
opção foi por uma demonstração de velocidade e unidade. Mas a manobra tem
custos sobre a legitimidade.
Trump pavimentou sua trajetória política como
um campeão contra o politicamente correto e o establishment. Harris é uma
criatura desse establishment. O Partido Republicano se comporta hoje como uma
seita, mas pode alegar que seu candidato foi submetido a primárias e acusar o
partido adversário de se vangloriar como um “salvador da democracia” sem ter
submetido sua candidata ao escrutínio do eleitorado. Em 2020, Harris não ganhou
nenhuma primária em nenhum Estado e foi a primeira a abandonar a disputa. Sua escolha
como vice foi declaradamente pautada menos por suas ideias, capital político ou
carisma, e mais pelo seu status de “mulher negra”. Agora, ela foi entronizada
por caciques democratas, articulistas da mídia e astros de Hollywood.
Mas há um aspecto dessa disputa que não só
não é novo, como foi intensificado: trata-se de uma competição por quem é menos
impopular, travada pelo medo. Os republicanos seguirão se apresentando como o
bastião do american way of life contra a inflação, a esquerda
identitária e a imigração. Os democratas, como o baluarte de direitos
fundamentais, como o aborto, contra um megalômano com ambições ditatoriais.
O eleitorado está mais habituado às
idiossincrasias e barbaridades de Trump, e nos debates e na convenção
republicana o ex-presidente fez gestos de moderação. As ideias de Harris são
menos conhecidas em nível nacional, e ela terá a opção de se descolar do
progressismo democrata mais radical. Mas os ataques pessoais dos dois
candidatos após a renúncia de Biden sugerem que a dinâmica da disputa será
muito menos sobre quem será capaz de oferecer uma visão de futuro, unidade
nacional e esperança aos eleitores, e muito mais sobre quem será capaz de
aterrorizá-los sobre a “ameaça existencial” do adversário.
A USP reinventa seu tribunal racial
O Estado de S. Paulo
Presencial ou virtual, a avaliação de quem
faz jus às cotas é arbitrária e ilegítima
A Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da
Universidade de São Paulo (USP) anunciou novas regras para a confirmação da
autodeclaração de candidatos postulantes a vagas pelo regime de cotas raciais.
A partir de 2025, os candidatos reprovados na análise fotográfica serão
convocados para uma entrevista virtual, em que uma comissão composta por
professores, alunos, servidores e integrantes da sociedade civil decidirá, com
base em critérios fenotípicos como tom da pele, formato do nariz, espessura dos
lábios ou configuração do cabelo, se o aluno é ou não “negro”.
Trata-se de uma reação à polêmica despertada
pelo bloqueio da inscrição de um aluno pobre na Faculdade de Medicina da USP em
uma vaga pelo regime de cotas. Não é um caso isolado. Só neste ano, a USP
recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram sua autodeclaração racial
negada.
É uma lamentável ironia testemunhar a
principal universidade do País apelando à pseudociência para resolver a
quadratura do círculo e, sob eufemismos como “comissão” ou “banca” de
heteroidentificação, negar o status de tribunal racial àquilo que não pode ser
classificado senão como um tribunal racial.
Não se trata de ignorar os efeitos deletérios
do racismo. Como disse Joaquim Nabuco, “a escravidão permanecerá por muito
tempo como a característica nacional do Brasil”. Mais de um século após a
Abolição, quase todos os brasileiros reconhecem e lastimam essa chaga. Tampouco
se trata de questionar a legalidade, moralidade ou eficácia de ações
afirmativas, como as cotas raciais. É um questionamento legítimo, mas o fato é
que o Congresso aprovou as cotas e o Supremo Tribunal Federal reconheceu sua
constitucionalidade, contrabalançando a vedação da Constituição a qualquer
forma de discriminação racial com a sua exigência de igualdade de direitos e
busca de harmonia social. Para o bem ou para o mal, a discriminação racial a
título de reparação histórica foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro.
Nem por isso os tribunais raciais são
legítimos. A Lei de Cotas para as universidades federais (Lei 12.711 de 2012),
por exemplo, determina que as vagas serão preenchidas por “autodeclarados
pretos, pardos, indígenas e quilombolas”. A regra está em linha com o Estatuto
da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 2010), que define como “população negra” o
“conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas”. Em outras palavras,
para todos os efeitos jurídicos, a lei não admite outro critério para definir
se um cidadão é negro senão a sua própria subjetividade.
Mas não é o que acontece na USP e outras instituições que estão instituindo tribunais raciais. Por óbvio, essas bancas e comissões visam a coibir o problema real de eventuais oportunistas (“loiros de olhos azuis”) que buscam se beneficiar de vagas reservadas para negros. Mas a solução é ilegal. Quem define se é preto ou pardo é o cidadão, e deve ser tratado como tal. Se há fraude, o ônus da prova recai sobre quem acusa, e a questão deve ser arbitrada pela instituição legitimada para tanto: o Poder Judiciário.
O esforço para controlar as contas públicas é
de todos
Correio Braziliense
Fica claro que o controle das contas públicas
é função tanto do Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário, assim como
de todo o setor privado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é
reticente ao fazer cortes de despesas pelo que ele considera ser apenas vontade
do mercado financeiro, mas demonstra ter ciência da necessidade de se cumprir o
arcabouço fiscal e controlar as contas públicas. No mesmo dia em que o
Ministério da Fazenda divulgou o Relatório da Avaliação de Receitas e Despesas
Primárias do terceiro bimestre deste ano, revelando um deficit primário
(excluindo juros da dívida pública) de R$ 28,8 bilhões para este ano, Lula foi
categórico ao afirmar que, se o país gastar mais do que arrecada, "vai
quebrar".
O valor do rombo é o limite para que o país
cumpra o parâmetro legal do deficit zero, que considera tolerância de 0,25
ponto para mais ou para menos. Mesmo estando no limite, Lula fez a ressalva de
que não vai atender à expectativa do mercado de um corte orçamentário de mais
de R$ 60 bilhões neste momento para equilibrar as contas públicas, alegando que
um bloqueio feito agora pode se mostrar desnecessário em pouco tempo.
Lembrando que o governo já bloqueou R$ 15
bilhões e promete um pente-fino sobre gastos com benefícios sociais, restam
dois cenários de agora até o fim do ano: receitas extraordinárias e ganho de
arrecadação eliminam a necessidade de cortes adicionais ou o contrário. Não
havendo receita suficiente, será necessário fazer um corte adicional, com o
valor podendo chegar aos R$ 62 bilhões estimados pelo mercado financeiro.
O presidente, ao fazer as afirmações, tocou
em um ponto delicado, mas que precisa ser discutido. Lula lembrou que os que
pedem bloqueio de investimentos e de obras (com o corte orçamentário) são os
mesmos que são desonerados. E ressaltou que, sem a desoneração da folha de
pagamento de 17 setores, não haveria necessidade de bloqueio orçamentário.
Assim, o presidente lembra que o esforço para conter as contas públicas não
está só com o governo, mas também com o Congresso.
Hoje, o Congresso é dono de parte do
Orçamento, com as emendas parlamentares ficando com mais de R$ 50 bilhões,
enquanto, por decisão dos congressistas, uma medida que deveria ser pontual
está sendo perpetuada. Não há dúvida de que os setores econômicos precisam ter
uma carga menor de impostos, mas por quais motivos apenas 17 têm esse
privilégio que custa, nas contas do governo, quase R$ 20 bilhões?
Fica claro que o controle das contas públicas
é função tanto do Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário, assim como
de todo o setor privado. Nesse ponto, é preciso que o Congresso se vire de
frente para o Brasil. O Congresso precisa agir para encontrar formas de
compensar desonerações de forma a contribuir não para o presidente Lula, mas,
sim, para que o país consiga equilibrar suas contas.
Passou da hora para que o esforço pelo controle das contas públicas seja de todos, assim como cabe ao governo federal ser mais eficiente nos seus gastos, para reduzir desperdícios. É preciso, ainda, que o governo não sofra por ter que fazer gastos. Discursos não resolvem problemas econômicos.
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