Valor Econômico
Placas estão se movendo devagar e silenciosamente. Mas os tremores podem começar a partir de agosto
A aparente calmaria do recesso parlamentar
deixou à sombra um tema que, quando recolocado ao sol, movimentará as placas
tectônicas existentes entre os três Poderes. A potencial causa do terremoto é o
chamado “orçamento secreto”.
Implementado durante o governo Bolsonaro e aparentemente mantido durante a administração Lula, ele permanece no radar do Supremo Tribunal Federal (STF) e será tema de uma audiência de conciliação convocada pelo ministro Flávio Dino para 1º de agosto.
É conhecida a insatisfação de parte do Poder
Judiciário com o desfecho do processo que considerou inconstitucional essa
prática. O caso foi considerado uma prioridade em 2022 por Rosa Weber, que
presidia a Corte e relatava o processo. Não à toa, foi colocado em julgamento
em dezembro daquele ano, justamente durante o período de transição entre os
dois governos. O mecanismo, considerado pouco transparente e de difícil
controle, havia sido questionado pelos partidos políticos PSB, Cidadania, Psol
e PV.
Vivia-se um momento em que as emendas de
relator ao Orçamento-Geral da União estavam passando de R$ 16,5 bilhões para R$
19,4 bilhões, na comparação entre os orçamentos de 2022 e 2023.
Dino passava por outra etapa de sua carreira.
Recém-eleito senador pelo PSB do Maranhão e cotado para assumir o Ministério da
Justiça e Segurança Pública, ele tinha acabado de conceder uma entrevista à CNN
na qual criticou enfaticamente o mecanismo utilizado pelo Congresso para
avançar sobre a gestão dos recursos orçamentários, em detrimento do Poder
Executivo. Segundo ele, sua prioridade ao assumir uma cadeira no Senado seria
acabar com o orçamento secreto.
“É muito importante conseguirmos superar um
dos graves problemas que há no nosso país, que é o orçamento secreto. É preciso
acabar com essa modalidade de destinação de recursos financeiros orçamentários
que têm se prestado a muitas distorções, perda de qualidade no gasto público e
também cometimento de ilicitudes, crimes. Essa é uma questão prioritária”,
disse na entrevista.
Não houve tempo hábil para levar o plano
adiante. Dino ficou pouquíssimo tempo no Senado, praticamente os momentos
necessários para tomar posse, licenciar-se e assumir o Ministério da Justiça e
Segurança Pública.
No novo cargo, chegou a ser questionado em
uma audiência pública na Câmara. Respondeu que se tratava de um assunto do
Parlamento. Sua pasta não era a responsável pela gestão orçamentária do país,
desviou.
Meses depois, foi indicado para a vaga aberta
no Supremo após a aposentadoria da ministra Rosa Weber e dela herdou o acervo
do gabinete. Nada fora do padrão. Entre esses processos, contudo, lá estava o
que questiona se a decisão anterior da Corte, aquela que visava barrar o
orçamento secreto por considerá-lo inconstitucional, vem sendo devidamente
respeitada.
Primeiro, o ministro pediu informações ao
Palácio do Planalto e ao Congresso. Com as respostas em mãos, e a constatação
de que até o presente momento não houve “comprovação cabal nos autos do pleno
cumprimento” daquela ordem judicial, decidiu então realizar a audiência de
conciliação. Dela devem participar o procurador-geral da República, o
presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro-chefe da
Advocacia-Geral da União (AGU) e os chefes das advocacias do Senado Federal e
da Câmara dos Deputados, além do advogado do Psol. A sigla é a responsável pelo
questionamento.
Chama atenção o esclarecimento do Ministério
do Planejamento e Orçamento que foi encaminhado ao STF. Ele aponta que uma
parcela das emendas parlamentares ainda não apresenta exigência de necessidade
de indicação de beneficiário nem de ordem de prioridade pelos seus autores.
Internamente, avalia-se no Supremo que a resposta demonstra, com outras
palavras, que a prática continua.
Em meio à expectativa quanto aos rumos da
ação, diz-se no Congresso que é possível, sim, aprimorar as chamadas “emendas
Pix”. Essa modalidade permite transferências diretas a prefeituras, e também é
um mecanismo criticado pela falta de transparência e controle.
Segundo um influente parlamentar, uma solução
poderia ser encontrada pela cúpula do Congresso e incluída, por exemplo, na
proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem que está em
tramitação. A ideia seria assegurar que as “emendas Pix” tenham um “objeto
definido”, desde que o Supremo não tente proibir as emendas de bancada e
comissão.
No Palácio do Planalto, a avaliação é que os
parlamentares sinalizam disposição em calibrar as “emendas Pix” justamente como
forma de blindar as emendas de comissão. Já houve embate recentemente entre os
dois Poderes devido ao calendário de pagamento destas emendas.
Em outras palavras, existe a expectativa no
governo de recuperar espaço na gestão de recursos orçamentários. E é real,
também, o risco de alguns partidos que integram a base de sustentação do
Planalto no Congresso reagirem de maneira brusca a uma nova atuação do STF
nesse campo.
Por enquanto, as placas estão se movendo
devagar e silenciosamente. Mas os tremores podem começar a partir de agosto.
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