Financial Times / Valor Econômico
Se a imigração em massa permanecer inaceitável, mas se tornar essencial, a única solução provável são os contratos temporários
Nas democracias ricas, a imigração está alimentando ferrenhas reações hostis. Não é de surpreender. Embora alguns poucos insistam que todos têm o direito de compartilhar a liberdade e prosperidade desses países, muitos de seus concidadãos veem os que tentam entrar em suas fronteiras mais como invasores. De forma similar, o ponto de vista favorável de economistas sobre o lado econômico da questão ignora o fato de que os imigrantes são pessoas cujos descendentes podem passar a morar nesses países de forma permanente. A imigração, portanto, se trata de uma questão de identidade nacional.
Nas recentes eleições europeias, as atitudes
em relação aos imigrantes foram fundamentais para arregimentar apoio para os
partidos nacionalistas. Nos Estados Unidos, a feroz campanha de Donald Trump
contra as pessoas que cruzam a fronteira sul do país tem sido uma grande fonte
de seu poder de atração. “Os criminosos do mundo estão vindo para cá, para uma
cidade perto de você - e estão sendo enviados pelos governos deles”, disse
Trump em seu discurso na convenção do Partido Republicano. Tanto nos EUA quanto
no Reino Unido, pesquisas mostram como a imigração é uma questão que se
sobressai e cria divisões: Trump sabe muito bem o que está fazendo e por quê.
No entanto, Lant Pritchett, um dos principais
pensadores mundiais sobre desenvolvimento econômico, em um artigo sobre “a
aceitabilidade política da mobilidade laboral por tempo limitado”, argumenta
que as mudanças demográficas podem forçar uma abertura na chamada “janela de
Overton” sobre o que é possível discutir quanto à imigração. Os países de alta
renda podem precisar abandonar a visão binária atual das opções - ou excluir a
migração ou que ela se torne um caminho para a cidadania - em nome do próprio interesse
e no dos países em desenvolvimento.
Se os países quiserem sustentar o pacto de
bem-estar intergeracional e não puderem aumentar a idade de aposentadoria para,
digamos, os 75 anos, os imigrantes, tanto qualificados quanto relativamente não
qualificados, serão necessários
Comecemos o interesse destes últimos. A
diferença nos salários médios entre países ricos e pobres é assombrosa. Em
2021, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o poder de
compra da renda média mensal na Etiópia equivalia a 5% do observado na
Alemanha. Mesmo o da Índia equivalia a apenas 15%.
Essas diferenças criam tanto a maior
oportunidade de arbitragem do planeta quanto enormes potenciais ganhos de
bem-estar. Pritchett argumenta que se 1,1 bilhão de pessoas fossem autorizadas
a se deslocar e seu ganho salarial médio fosse de US$ 15 mil anuais em termos
de poder de compra, o ganho total seria de US$ 16,5 trilhões. Isso, acrescenta
Pritchett, seria mais de 100 vezes maior do que os benefícios para os países em
desenvolvimento referentes a toda a assistência internacional ao
desenvolvimento.
Ainda assim, embora essas diferenças
salariais criem um enorme incentivo econômico para os pobres se mudarem a
países ricos, mesmo que temporariamente, os que conseguem fazê-lo são
relativamente poucos: os controles são muito rígidos e os custos e riscos,
simplesmente muito grandes.
Isso, porém, poderia mudar, argumenta ele.
Em primeiro lugar, a combinação entre o
envelhecimento médio da população e a menor fertilidade histórica gerará
aumentos tão grandes na proporção de idosos em relação às pessoas em idade
economicamente ativa que o sistema de apoio aos idosos se tornará insustentável
sem imigração. Na Espanha, por exemplo, essa proporção deverá cair de 2,45 em
2020 para 1 em 2050.
Em segundo, muitos trabalhos essenciais não
exigem alta capacitação, mas os trabalhadores precisam estar presentes. Os
serviços de cuidado a idosos são um exemplo.
Em terceiro, as pessoas em países ricos
começarão a perceber que há outra opção - trabalho temporário com contrato, sem
reunificação familiar ou possibilidade de cidadania.
Em quarto, serão criadas, então, empresas
para organizar a migração de pessoas com contratos temporários, seja entrando
ou saindo de países ricos. As empresas desse mercado assumirão a
responsabilidade por cumprir os termos exigidos.
Por fim, nada disso requer mudanças
fundamentais nas atitudes em relação aos imigrantes em países ricos. No
entanto, provavelmente exigiria a criação de identidades digitais seguras para
as várias categorias de residentes legítimos. As penalidades para empregar
pessoas que não possuem essas identidades seriam muito altas. As empresas que
violem suas obrigações legais na migração de trabalhadores temporários, e
inclusive os trabalhadores, também devem estar sujeitos a altas penalidades.
Uma objeção é que isso criaria duas classes
de seres humanos: pessoas de primeira classe com direito a viver em países de
alta renda e pessoas de segunda classe que teriam, no melhor cenário, apenas
residência temporária nesses países, com o propósito de trabalhar lá. O esquema
proposto, contudo, não impediria os países de também permitirem a entrada
permanente de pessoas. Ainda mais importante, a proposta ofereceria a essa
segunda classe bem mais oportunidades, que possivelmente até mudariam a vida
das pessoas.
De acordo com Pritchett, em sua rodada de
pesquisas de 2009-2010, a Gallup perguntou às pessoas ao redor do mundo se
gostariam de se mudar temporariamente para trabalhar em outro país. Cerca de
1,1 bilhão responderam “sim”, incluindo 41% da população com 15 a 24 anos e 28%
daqueles com 25 a 44 anos. O melhor indisponível não deveria ser inimigo do bom
disponível.
Nada disso é imaginável agora. É bem
provável, entretanto, que isso mude. Afinal, as pessoas que estarão trabalhando
em 2050 já nasceram quase todas. Mesmo se as pessoas começassem a trabalhar aos
15 anos, o que para os dias de hoje seria, de fato, cedo demais, ninguém que
não esteja vivo agora estará disponível para trabalhar antes de 2040, sem
imigração. Se os países quiserem sustentar o pacto de bem-estar intergeracional
e não puderem aumentar a idade efetiva de aposentadoria para, digamos, os 75
anos, os imigrantes, tanto qualificados quanto relativamente não qualificados,
serão necessários. Se os países não quiserem abrir um caminho para a cidadania
plena para um grande número de pessoas, serão conduzidos à opção de contratos
temporários. Isso será particularmente irresistível para países com índices de
fertilidade próximos a 1 filho por mulher, como existem vários hoje em dia.
Se a imigração em massa permanecer
inaceitável, mas se tornar essencial, então algo mais aceitável precisará ser
encontrado. A única solução provável são os contratos temporários. Poucos
defenderão essa opção. Mas ela seria melhor do que as alternativas. A hora dela
vai chegar. (Tradução de Sabino Ahumada)
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