segunda-feira, 29 de julho de 2024

Thomas Friedman - Um líder pequeno para o momento

New York Times / O Estado de S. Paulo

Acordo de cessar-fogo espera decisão de Netanyahu, que teme agir sem aval da extrema direita

Quando penso no discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta-feira, em uma reunião conjunta do Congresso dos EUA, a primeira coisa que me vem à mente é um famoso ditado: “Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”. Esta é uma daquelas semanas para Israel, os Estados Unidos e o Oriente Médio. Uma década está pronta para acontecer – ou não.

Por puro acidente, a semana passada marcou a sobreposição de um conjunto de pontos de virada entre guerra ou paz que nem Tolstoi poderia imaginar. Na sequência da decisão de Biden de colocar seu país à frente de seus interesses pessoais e ceder o poder, Netanyahu – que consistentemente faz o oposto – chegou a Washington. E enfrentou duas decisões que poderiam proporcionar a Biden um enorme legado de política externa e, ao mesmo tempo, transformar o legado de Netanyahu – ou não.

É como se os roteiristas de The West Wing, da NBC, passassem a colaborar com os de Fauda, da Netflix – e agora lutassem para saber se devem fazer a série sobre um novo amanhecer ou uma nova tragédia para EUA, Israel e o mundo árabe.

Graças às viagens frequentes de Biden, do secretário de Estado, Antony Blinken, do diretor da CIA, Bill Burns, e do Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, Netanyahu tem duas decisões que poderiam interromper os combates em Gaza e no Líbano e estabelecer as bases de uma aliança americano-árabe-israelense contra o Irã. Seria a oportunidade mais importante para remodelar o Oriente Médio desde os acordos de Camp David, na década de 1970.

A primeira decisão, porém, exige que Netanyahu concorde agora com um cessar-fogo em fases, provisoriamente alcançado pelos negociadores dos EUA, de Israel, do Catar, do Egito e do Hamas, que resultaria, na Fase 1, em uma pausa de seis semanas nos combates em Gaza e o regresso de 33 reféns israelenses (alguns mortos, outros vivos), incluindo 11 mulheres, em troca de centenas de palestinos nas prisões israelenses.

Em junho, Netanyahu sinalizou seu apoio ao acordo, mas, desde então, tem brincado com alguns termos dele, para ganhar tempo antes de assiná-lo e possivelmente alienar os integrantes de extrema direita do seu gabinete, aos quais prometeu uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.

Netanyahu se concentrou em três questões de segurança. Uma é o movimento de volta de civis para o norte de Gaza. Procurava uma forma para impedir que membros do Hamas regressem para o norte, misturados aos civis. Com milhares de pessoas em deslocamento, porém, o Exército israelense sabe que isso será impossível.

A segunda questão é o controle da fronteira entre Gaza e o Egito, onde o Hamas construiu túneis e rotas de contrabando de armas. O exército israelense acredita ter identificado ou destruído a maior parte deles e acha que Israel e Egito podem garantir que ninguém atravesse por terra, por enquanto. A última questão é a passagem de Rafah, do Egito para Gaza, que Israel afirma que o Hamas nunca mais poderá controlar.

Nenhuma delas deveria constituir obstáculo ao acordo, a menos que Netanyahu queira inflamar um desses pontos para desistir, mesmo com todos os principais responsáveis militares e de inteligência de Israel apoiando o plano.

‘HORA DA VERDADE.’ Na segunda-feira, o Haaretz citou o coronel aposentado Lior Lotan, especialista em reféns e conselheiro do ministro da Defesa, Yoav Gallant (o único adulto sério no gabinete de Netanyahu), dizendo ao Channel 12 News de Israel na sexta-feira anterior: “Agora é a hora da verdade. Há uma oportunidade única nas negociações, mas essas oportunidades passam se não forem aproveitadas. Os termos do acordo incluem riscos que o sistema de defesa pode tolerar. Todos os chefes dos serviços de segurança dizem isso. Enfrentá-los com uma hipótese, como se fosse possível conseguir mais por meio de mais pressão militar, seria errado”.

O Hamas também parece querer um acordo. O grupo se tornou cada vez mais impopular em Gaza por iniciar uma guerra sem planos para o dia seguinte e sem proteção para os palestinos. Não está claro quem tentará matar primeiro o líder do Hamas, Yahya Sinwar, se e quando ele sair do esconderijo: Israel ou os civis de Gaza.

Outro benefício é que o acordo provavelmente abriria caminho para um cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, para que civis em ambos os lados da fronteira Líbano-Israel voltem para casa. Dado o aumento do uso de foguetes de precisão por Israel e pelo Hezbollah, autoridades dos EUA acham que o pior perigo para o Oriente Médio é uma guerra cada vez maior entre Israel e o Hezbollah.

E, agora, a segunda grande decisão. A equipe de Biden elaborou todos os detalhes para uma aliança de defesa entre americanos e sauditas, que incluiria a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, desde que Netanyahu concorde em negociar uma solução de dois Estados. Os sauditas não pedem um prazo para a formalização de um Estado palestino. Mas exigem que Israel aceite iniciar negociações de boa-fé.

Tal negociação, com um cessar-fogo nas frentes de Gaza e do Líbano, seria um golpe diplomático. Isolaria o Irã e o Hamas. Normalizaria as relações entre o Estado judeu e o berço do Islã. Daria a Israel a cobertura para angariar apoio palestino e árabe para as tropas de manutenção da paz em Gaza. E daria a Israel o material para uma aliança de defesa regional mais formal com parceiros árabes contra o Irã.

ESTADO PALESTINO. Por último, isso poderia criar um caminho para um Estado palestino, quando os combates em Gaza terminarem e todos compreenderem a lição mais importante da guerra: nenhuma das partes pode arcar com o custo de outro conflito, não quando todos usam armas de precisão.

Como David Makovsky, diretor do Projeto sobre Relações Árabe-Israelenses do Instituto de Washington, disse: “Com duas decisões – sim para um acordo de cessar-fogo com troca de reféns agora e sim para os termos de normalização com os sauditas, que acabariam com a guerra dos estados árabes sunitas contra Israel e permitiriam a consolidação de uma aliança regional para isolar o Irã – Netanyahu criaria uma vitória para Israel e para o seu parceiro, Biden”.

“Os Acordos de Abraham seriam sucedidos pelos ‘Acordos de Joseph’. Dois legados para dois líderes: Biden e Bibi. Seria uma ironia amarga e trágica se Netanyahu, cuja autoimagem é a de um pensador estratégico, perdesse este momento por causa da política interna israelense e do medo dos seus parceiros de extrema direita.”

TAMANHO DO PREMIÊ. Na verdade, vamos descobrir muito em breve se Netanyahu consegue viver segundo sua autoimagem Churchilliana ou se é, como observou certa vez o escritor Leon Wieseltier, apenas “um homem pequeno em um grande momento”.

Netanyahu tem se agarrado ao poder para evitar ser preso caso seja considerado culpado em algum dos julgamentos em curso: por quebra de confiança, aceitação de subornos e fraude. Ele não tem se mostrado disposto a fazer nada sem a permissão dos malucos de extrema direita do seu gabinete. Mas, com o Knesset israelense em recesso desde ontem até 27 de outubro, Netanyahu poderia concordar com os acordos de Gaza e da Arábia Saudita sem receio de seu governo ser derrubado.

Então, o mundo está esperando, os reféns estão esperando, Biden está esperando, os palestinos estão esperando, os sauditas estão esperando, os israelenses estão esperando. Será que Bibi, mais uma vez, será apenas um homem pequeno em um grande momento, ou surpreenderá a todos sendo um grande homem em um grande momento?

Um comentário:

Anônimo disse...

Netanyahu é um anão em todos os sentidos.