Diminuir o rombo do INSS exige mudança no BPC
O Globo
Mesmo que pente-fino proposto pelo governo dê
certo, despesa com programa continuará crescendo
Uma estimativa do próprio governo reconhece
que o anunciado pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado
a idosos e deficientes de baixa renda, será insuficiente para barrar a expansão
do gasto no programa, um dos responsáveis pelo rombo crescente do INSS.
Na melhor das hipóteses, a despesa saltará de R$ 106,6 bilhões neste ano para
R$ 140,8 bilhões em 2028, contabilizando a economia de R$ 47,3 bilhões esperada
com o corte de benefícios irregulares.
Dois fatores explicam a previsão de alta feita pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Um é o crescimento vegetativo do número de beneficiários. Na questão demográfica, obviamente não há nada que o governo possa fazer.
O outro é a vinculação da correção do BPC à
aplicada ao salário mínimo, desde o ano passado regido por regra que permite
aumento acima da inflação. Nesse ponto, o governo tem toda a liberdade de ação.
Deveria desvincular a correção do BPC da empregada no mínimo. É possível e
desejável encontrar um modelo de atualização do benefício que preserve seu
poder de compra e o objetivo de proteção social, sem aumentar o déficit do INSS
e arruinar as contas públicas.
Os objetivos de diminuir irregularidades são
ambiciosos, e é bom que sejam assim. O sistema de benefícios governamentais
sempre atraiu gente em busca de vantagens indevidas. Sem contar que o recente
salto no número de benefícios é bastante suspeito. Por isso serão chamados
beneficiários que não fazem parte do Cadastro Único (CadÚnico) e cujas
informações podem estar desatualizadas. O governo prevê, também, uma checagem
de renda pelo cruzamento de bases de dados e pela revisão bianual da avaliação
biopsicossocial prevista para as pessoas com deficiência.
Com isso, o governo pretende cortar 670 mil
benefícios irregulares por ano. A meta é economizar R$ 6,6 bilhões em 2025, R$
12,8 bilhões em 2026, R$ 13,6 bilhões em 2027 e R$ 14,3 bilhões no ano
seguinte. Todas as medidas de revisão e controle são positivas e deveriam ser
feitas continuamente. O erro é achar que resolvem a situação. Nem perto disso.
Se nada mais for feito, o BCP poderá em breve custar mais de 1% do PIB e tornar
a gestão da Previdência ainda
mais difícil.
Diante dos números, é imperioso atacar o
problema de forma realista. Corrigir o BPC e outros benefícios como
auxílio-doença somente pela inflação não provocaria dano social, por manter
intacta a capacidade de consumo da população de baixa renda com idade igual ou
superior a 65 anos ou portadora de alguma deficiência. De quebra, poderia
render uma economia anual de R$ 20 bilhões aos cofres públicos.
Romper de vez a transferência geracional da
miséria e da pobreza deve ser um dos principais objetivos desse e de todos os
futuros governos. Mas, para atingir essa meta, é preciso ter um setor público
com as contas em ordem. Por inibir a geração de renda, a falta de
responsabilidade fiscal pune de forma mais drástica os mais pobres.
Medidas para mitigar riscos de vício em bets
representam avanço
O Globo
Ministério da Fazenda cria regras com a
intenção de evitar excessos e transtornos associados a apostas
São bem-vindas as medidas anunciadas pelo
Ministério da Fazenda para mitigar o vício e o endividamento em apostas on-line,
duas das preocupações surgidas desde que a modalidade foi aprovada pelo
Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim do ano
passado. A legalização foi, sem dúvida, positiva. De nada adiantaria manter uma
proibição hipócrita se as bets estão em todo lugar, até nas camisas dos grandes
times de futebol. Existentes há anos, elas não contribuíam para o país, por não
arrecadar impostos. Embora positiva, a regularização não está livre de
desafios. O maior deles é o risco do vício e da ruína financeira.
Varejistas intrigados com vendas estagnadas
ou em queda em momento em que o mercado de trabalho está aquecido contrataram
uma consultoria para examinar as possíveis causas. Uma das conclusões foi que,
nas classes C e D, as quantias gastas em apostas estão sendo desviadas de
partes do orçamento antes destinadas ao consumo ou à poupança. Em 2023, as bets
movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões. Neste ano, a estimativa é
que o valor chegue a R$ 130 bilhões. O descompasso entre o aumento da renda familiar
e a queda ou estagnação de vendas em segmentos como moda, móveis e artigos de
uso pessoal e doméstico não é ruim apenas para as empresas. Pode ser indício de
dependência.
As portarias do Ministério da Fazenda
publicadas na semana passada tentam atacar o problema. As casas de apostas
deverão fiscalizar o comportamento dos usuários, podendo suspender o uso da
plataforma se necessário. Para isso, terão de dispor de ferramentas analíticas
e de metodologias para avaliar o perfil dos apostadores e os riscos de
transtornos. Já no momento do cadastro, precisarão informar sobre os riscos,
não só de dependência, como também de perda de valores.
As novas regras disciplinam a propaganda e as
estratégias para atrair clientes. Ponto relevante é o veto à publicidade que
apresente a aposta como “socialmente atraente” ou que contenha afirmações de
celebridades ou influenciadores sugerindo que o jogo “contribui para o êxito
pessoal, social ou para melhoria das condições financeiras”. As empresas terão
de usar linguagem clara, respeitando a proteção de menores de 18 anos e grupos
de vulneráveis. Pelas normas, as bets serão legalmente responsáveis pela publicidade
de seus afiliados e submetidas à fiscalização da Secretaria de Prêmios e
Apostas (SPA), ligada ao Ministério da Fazenda.
É fundamental o Estado assegurar o jogo sem
excessos, disciplinando a publicidade, protegendo crianças, adolescentes e
monitorando danos como dependência e endividamento. Além disso, órgãos de
controle e fiscalização precisarão ficar atentos para coibir crimes como
lavagem de dinheiro, fraudes e sonegação fiscal num setor por onde circulam
grandes cifras.
Maduro amplia repressão e Lula tem o dever de
condená-lo
Valor Econômico
Parcial, o governo brasileiro terá de conviver com o desprestígio de não conseguir mediar satisfatoriamente conflitos em sua área de influência
Dez dias depois da eleição que deu mais um
mandato de presidente da Venezuela a Nicolás Maduro, as atas que comprovam sua
recondução ao cargo não foram publicadas. O jogo eleitoral foi sujo antes,
durante e depois de as urnas fecharem. Continua em falta a transparência e
sobra repressão. O governo, sagrado vencedor sem provas, encarregou a Corte
Suprema do país, submissa a Maduro, de auditar as atas eleitorais, não
apresentadas a mais ninguém. Até agora, os protestos da oposição resultaram em
mais de 1.100 prisões, algumas feitas em várias batidas ao acaso,
intimidatórias, e 24 mortes. Os líderes Edmundo González Urrutia, candidato
presidencial pela frente contra Maduro, e María Corina Machado, principal
representante dos partidos que o apoiaram, estão em local incerto. A
Procuradoria Geral, comandada pelo chavista Tarek Saab, abriu investigação
criminal contra ambos.
O resultado oficial, anunciado na madrugada
após a eleição, deu vitória a Maduro por 51,9% dos votos, ante 43% de Edmundo
González. Já na segunda-feira 29, Maduro foi empossado, diante de protestos da
oposição, da União Europeia, dos EUA e de boa parte dos países
latino-americanos, como Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Reconheceram
imediatamente o eleito China, Rússia, Cuba, Irã, Síria, Nicarágua e outros, na
esmagadora maioria, regimes não democráticos, além do Partido dos Trabalhadores
brasileiro. O Itamaraty e muitos outros países solicitaram a divulgação das
atas eleitorais que comprovassem a legitimidade da vitória.
O Centro Carter, único observador
internacional presente, disse que não pôde verificar a autenticidade dos
resultados e que ele “não atingiu os padrões internacionais de integridade
eleitoral em nenhuma das suas fases relevantes e violou numerosos preceitos da
própria legislação nacional”.
A oposição reuniu atas de 24.532 urnas das
30.026 disponíveis no dia da eleição e publicou-as em um site. Diversas fontes
as consultaram e concluíram que o governo perdeu as eleições por ampla margem,
cerca de 67% para González e 30,4% para Maduro. Em função disso, os EUA
reconheceram o triunfo da oposição, e o secretário de Estado americano, Anthony
Blinken, disse que chegara a hora de uma “transição respeitosa e pacífica” para
um novo governo.
Dois dias após as eleições, o governo
venezuelano expulsou diplomatas de 7 países que exigiram provas do êxito do
governo e a divulgação das atas - Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá,
Uruguai e República Dominicana.
O Brasil teve status especial. O assessor
especial do presidente Lula, Celso Amorim, acompanhou o pleito in loco e
recebeu a promessa de que as atas por urnas seriam devidamente divulgadas em
três dias - não foram. Enquanto o Itamaraty exigia transparência, o presidente
Lula, na terça-feira (30), foi em socorro de Maduro, afirmando que não viu
“nada de anormal” na eleição, e que se tratava de uma disputa que deveria ser
resolvida pela Justiça - que, no caso, é totalmente favorável a Maduro. Depois,
em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil e mais 10
países não subscreveram resolução solicitando a apresentação imediata dos
resultados na presença de organizações de observadores independentes.
Diante do impasse, a oposição recorreu a uma
estratégia polêmica que se revelou inútil. Apelou aos militares e à polícia
para que se colocassem “ao lado do povo” e cessassem a repressão, ao mesmo
tempo em que prometiam “garantias aos que cumprirem com seu dever
constitucional” a ser dadas por um “novo governo”. Deram a senha para serem
acusados de “sediciosos” pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e
processados pela Procuradoria como golpistas.
Brasil, México e Colômbia se articulam para
negociar uma saída com Maduro, não se sabe qual. Há indícios de que Colômbia e
México são favoráveis a uma transição pacífica, com entrega do poder. Em nota
conjunta na quinta-feira os três países pediram solução do impasse pelas “vias
institucionais” e respeito à “soberania popular” por meio de “apuração
imparcial”. Maduro não deu respostas, solicitou conversas com Lula e há
articulação para que elas sejam feitas também na presença de Gustavo Petro,
presidente da Colômbia, e Lopez Obrador, do México.
A saída natural é a mais difícil. Se Maduro
tivesse vencido as eleições, seria o primeiro a divulgar as atas. A repressão
que se seguiu, com apoio dos militares, é prova de que não está disposto a
deixar o poder. Ao desdenhar por anos a fio da destruição da democracia na
Venezuela, por afinidade ideológica e sob pretexto de poder instilar moderação
junto aos chavistas, os governos petistas podem terminar impotentes diante de
questões vitais, como o desfecho das eleições.
Parcial, o governo brasileiro terá de
conviver com o desprestígio de não conseguir mediar satisfatoriamente conflitos
em sua área de influência e andar na contramão das posições de seus sócios no
Mercosul, Argentina e Uruguai. A menos que seja bem-sucedido em uma missão
quase impossível: um acordo amplo para Maduro deixar o poder sem persecuções
legais contra os principais líderes chavistas. Mas não se sabe até agora se o
Brasil está realmente interessado nisso.
É preciso disciplinar a gastança do
Judiciário
Folha de S. Paulo
Aumento acima da inflação de despesas do
Poder agrava distorções; regular teto salarial seria primeiro passo necessário
É assustador constatar que o Judiciário
federal —que encabeça o sistema de Justiça mais caro de que se tem notícia no
mundo— será autorizado a elevar seus
gastos acima da inflação no próximo ano.
Tal aumento não decorre de nenhum objetivo de
política pública, muito menos de alguma carência a ser sanada nos tribunais da
União. Como a Folha noticiou, trata-se tão somente da aplicação
automática da regra orçamentária instituída pelo governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
De acordo com a norma, as despesas da
administração federal terão alta real entre 0,6% e 2,5% a cada ano, a depender
dos resultados da arrecadação de impostos. Como a receita está em alta,
impulsionada pela ofensiva tributária da Fazenda, a expansão em 2025 se dará
pelo limite máximo.
Acontece que o percentual incide
separadamente sobre as verbas de cada um dos Poderes —seguindo a isonomia
prevista na Constituição para mantê-los independentes uns dos outros.
Se faz sentido do ponto de vista
institucional, a aplicação do princípios ampliará distorções há muito intocadas
em um sistema de Justiça perdulário e repleto de privilégios, ainda mais
inaceitáveis em um Estado altamente deficitário.
Em âmbito federal, o limite das despesas do
Judiciário subirá dos R$ 56,11 bilhões deste ano para R$ 59,95 bilhões. Abre-se
o caminho para a majoração
de salários e benefícios já fora da realidade nacional, que consomem
a grande maioria dos recursos desse Poder e o tornam uma anomalia mundial.
Segundo relatório do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ),
o desembolso médio com cada magistrado do país foi de R$ 68,1 mil mensais no
ano passado, enquanto cada servidor dos tribunais federais e estaduais custou
R$ 20,1 mil pelo mesmo cálculo.
Dados do Tesouro Nacional mostram que o
sistema de Justiça custa 1,6% da renda nacional, maior parcela entre 53 países
para os quais há informação disponível, incluindo ricos e emergentes, e quatro
vezes a média nessa amostra.
Disciplinar a escalada de benesses no
Judiciário é sem dúvida tarefa política e institucionalmente difícil e
delicada, mas necessária. Um começo seria tornar mais efetivo o teto salarial
do serviço público, hoje de R$ 44 mil mensais e contornado no Judiciário e
no Ministério
Público por abonos,
auxílios e outros penduricalhos.
Enquanto não se instituem regras mais
sustentáveis para conter a expansão de despesas em toda a administração, o
sistema de Justiça —que, aliás, se dá o direito de dois meses de férias ao ano—
deveria no mínimo direcionar mais recursos e esforços à melhora da prestação de
seus serviços à sociedade.
Polícia mais letal
Folha de S. Paulo
Sob Tarcísio, mortes por PMs quase dobram em
2024 e voltam a patamar inaceitável
O estado de São Paulo precisa
retomar os avanços que haviam sido conquistados na contenção da letalidade
policial. Sob o governo de Tarcísio de
Freitas (Republicanos), as taxas voltaram aos altos patamares
anteriores à implementação das câmeras corporais, em 2021.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública,
301 pessoas foram mortas por PMs em serviço no primeiro semestre de 2024, o que
representa aumento de
94% em relação ao mesmo período do ano passado. O número de mortos
por policiais civis e agentes de folga subiu 68%, de 221 para 373.
O fenômeno não se concentra no interior. Na
capital paulista, a expansão foi ainda maior, de 98,5%.
Dado que a elevação da letalidade se deve
principalmente, como se vê, a ações em serviço, os comandos da Polícia
Militar e da gestão estadual têm o dever de prevenir e punir
tais comportamentos.
De acordo com o governo Tarcísio, trata-se de
mera consequência da reação violenta dos criminosos a um incremento do trabalho
das forças de segurança. No entanto tal argumento não se sustenta, pois São
Paulo já conseguiu combinar diminuição da letalidade policial e combate ao
crime.
O que os dados evidenciam é uma política
linha-dura, que não desencoraja excessos e abusos. As câmeras corporais não são
panaceia. Sinal disso é que, na capital, onde em tese todos os batalhões
utilizam a tecnologia, a letalidade é maior do que a do estado.
Os equipamentos, somente, não geram redução
de mortes se não integrarem um programa contínuo, com capacitação técnica dos
agentes, acompanhado da punição rigorosa dos responsáveis.
Mas, após operações que deixaram o saldo
sangrento de ao
menos 93 mortos na Baixada Santista nos últimos 12 meses, o
governo repete a truculência em outra região que já foi palco de abusos.
Reportagem da Folha revelou
imagens em que agentes agridem moradores, inclusive mulheres, em
Paraisópolis, na zona sul da capital.
Permitir a violência policial, explícita ou implicitamente, infringe direitos humanos e não produz nenhum ganho efetivo em segurança para os contribuintes paulistas.
O atrevimento da Câmara e do Senado
O Estado de S. Paulo
Lideranças ofendem a inteligência de todos ao
afirmar que não conseguem identificar a autoria das emendas de comissão e
demonstram ignorar a Constituição que juraram cumprir
O Congresso foi ousado ao ser cobrado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) a identificar a autoria das emendas de comissão.
“Não existe”, segundo representantes da Câmara, a “figura do patrocinador” das
emendas; logo, a Câmara “não tem como colaborar” com o STF, posicionamento que
foi endossado por prepostos do Senado, segundo a ata de uma reunião realizada
na última terça-feira.
A resposta ofende a inteligência de todos os
cidadãos. É tanta a desfaçatez que seria melhor que os enviados simplesmente
dissessem que não há, nem nunca houve, por parte da cúpula do Congresso, o
menor interesse em respeitar os princípios constitucionais da transparência,
impessoalidade, moralidade e publicidade no uso de recursos públicos.
A comprovar essa falta de disposição,
deputados e senadores mostram que nada é capaz de fazê-los cumprir o
compromisso solene de posse no qual juram defender a Constituição durante o
mandato. Se assim fosse, o Supremo não teria de voltar a esse tema em agosto de
2024, menos de dois anos após a histórica decisão na qual a Corte declarou a
inconstitucionalidade do chamado “orçamento secreto”.
O esquema, revelado pelo Estadão,
proporcionou apoio político do Legislativo ao governo Jair Bolsonaro por meio
das emendas de relator. Controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado, as
RP-9 eram distribuídas por critérios próprios e garantiam repasses bilionários
aos parlamentares.
Foi a ausência de identificação do proponente
e a opacidade sobre seu destinatário que deram base ao contundente voto da
ministra Rosa Weber, hoje aposentada. As emendas de relator, segundo ela,
representavam verdadeiro regime de exceção ao Orçamento-Geral da União e
burlavam a transparência e a distribuição isonômica de recursos públicos, de
maneira “incompatível com a ordem constitucional, democrática e republicana”.
O Congresso, em vez de cumprir a decisão,
optou por driblá-la. Em uma interpretação marota, restabeleceu o papel que as
RP-9 sempre tiveram, de correção pontual do Orçamento, mas emulou as práticas
condenadas pelo STF nas emendas de comissão, também conhecidas como RP-8, com a
conivência do governo Lula da Silva.
Ao perceber a manobra, o ministro Flávio
Dino, que herdou de Rosa Weber a relatoria do caso, cobrou esclarecimentos. A
resposta do Congresso é estupefaciente. Apegando-se a procedimentos previstos
no Regimento, como se este estivesse acima da Constituição, o Legislativo disse
que tais informações estão nas atas das reuniões nas quais as emendas foram
aprovadas, ainda que os documentos não detalhem a autoria da indicação nem a
obra que será feita, o projeto a ser tocado ou município que receberá a verba.
Ora, ninguém é ingênuo para crer que o
Legislativo não saiba quem indicou a emenda e para o que exatamente ela serviu.
Somadas, as emendas de comissão devem superar o patamar de R$ 15 bilhões neste
ano. Esse dinheiro, por óbvio, não está perdido, e informar onde ele foi parar
não é nenhuma benevolência, mas obrigação do Congresso.
Nem se trata de criar algo novo, mas de
retomar regras que vigoraram por décadas, após a eclosão do escândalo dos Anões
do Orçamento, e que têm sido sumariamente ignoradas nos anos recentes, como se
nunca tivessem existido. Chama a atenção a facilidade com que o Congresso
destruiu sistemas de controle que levaram anos para serem construídos e
consolidados, numa incrível volta a um trevoso passado, no qual o clientelismo
era a regra.
A insistência em manter tanto segredo sugere
várias hipóteses, todas ruins. É provável que o enorme poder conquistado por
algumas lideranças do Congresso evaporasse instantaneamente se o chamado baixo
clero soubesse que seus votos valem bem menos, em termos de emendas, que os de
colegas mais próximos da cúpula do Legislativo.
Para o cidadão, é a certeza de que a verba
pública tem sido mal alocada em milhares de ações de prioridade questionável,
baixo impacto e pouca eficiência, sem qualquer vinculação com políticas
públicas, prática que só amplia as desigualdades regionais e sociais, mas que
fortalece, perpetua e enriquece os políticos de sempre.
A força do ódio aos imigrantes
O Estado de S. Paulo
Alimentado pelas redes sociais, ódio de
extremistas britânicos contra imigrantes explodiu em violência gratuita. Cabe
aos líderes responsáveis impedir que essa mensagem prospere
A comoção com o assassinato de três crianças
a facadas serviu de estopim para a pior onda de violência em mais de uma década
no Reino Unido. Em redes como o X espalhou-se a informação de que o autor do
crime era um imigrante muçulmano e, ato contínuo, grupos contrários à imigração
incitaram manifestações contra estrangeiros, em especial os seguidores da fé
islâmica. O assassino, já detido, não era imigrante, muito menos muçulmano. O
estrago, porém, já estava feito: a violência, com insultos e xenofobia, se espalhou
por diversas cidades do Reino Unido, deixando um rastro de destruição, prisões
e ataques a inocentes.
O caso assusta pelo nível de brutalidade
primitiva que se viu nas ruas inglesas ao longo de alguns dias, algo que
discrepa totalmente da imagem de uma sociedade que se apresenta ao mundo como
liberal e tolerante. É claro que não se deve tomar a parte pelo todo, isto é,
não se pode concluir que o Reino Unido tenha se tornado de uma hora para outra
um país de bárbaros, mas é digno de nota a latência do ódio, para cuja explosão
bastou um punhado de mensagens mal-intencionadas numa rede social.
Esse ódio já havia se manifestado, em
essência, no discurso que alimentou o Brexit, isto é, a saída do Reino Unido da
União Europeia (UE). Recorde-se que no centro da campanha do Brexit estava a
histeria contra os imigrantes com passaporte europeu, especialmente dos países
mais pobres que estavam sendo aceitos na UE. Era preciso, nas palavras dos
extremistas que advogavam pelo Brexit, “retomar o controle sobre a imigração”.
O Brexit, contudo, não teve o resultado
esperado pelos xenófobos. Ao contrário: fora da União Europeia, o Reino Unido
não participa mais dos acordos europeus que disciplinam a imigração, seja
dentro da própria Europa, seja nos países do Mediterrâneo, onde regularmente
aportam milhares de refugiados.
Ou seja, a promessa de mais controle e
segurança não se confirmou, pelo menos não como anunciaram os radicais. É essa
sensação de vulnerabilidade que dá corpo ao discurso violento contra imigrantes
– e não somente no Reino Unido – mesmo no momento em que a maioria dos países
da UE e o próprio Reino Unido precisam de imigrantes para seu mercado de
trabalho.
O ódio contra os imigrantes, portanto, é
irracional não somente pela truculência que inspira, mas sobretudo porque
prejudica os interesses econômicos e sociais dos países em que brota. Ou talvez
seja o caso de notar que o ódio aos imigrantes tem uma racionalidade própria: o
imigrante é o corpo estranho, que representa o atraso e a degradação social e
nacional, e por isso precisa ser combatido sem trégua. Como enfatizou Donald
Trump, candidato à presidência dos EUA e espécie de porta-voz mundial dos xenófobos,
os imigrantes são “animais” que “envenenam o sangue do país”.
Cabe aos líderes responsáveis trabalhar para
que essa mensagem não prospere, pois dela resulta a violência que o mundo
testemunhou no Reino Unido. Nesse ponto, fica claro que as redes sociais, que
já tinham sido cruciais para espalhar a desinformação que resultou no Brexit,
foram o veículo por meio do qual os extremistas incitaram a turba que foi às
ruas para agredir imigrantes totalmente inocentes. Se é de mensagem de ódio que
se trata, o meio que a propaga importa.
Há quem considere que as redes sociais são
neutras, isto é, não produzem as mensagens que ali circulam, razão pela qual
não podem responder pelo que se diz nos textos – seriam o equivalente ao
carteiro, que não tem nada a ver com uma carta que eventualmente contenha
ofensas ou desinformação. Mas há quem lembre que, diferentemente do carteiro,
as donas das redes ganham muito dinheiro como o engajamento dos usuários,
fomentado por algoritmos que privilegiam mensagens com maior potencial de gerar
reações e compartilhamentos, e a experiência indica que esse potencial é tanto
maior quanto mais agressiva ou provocadora a mensagem for.
Logo, esse sistema talvez não seja tão isento
quanto seus proprietários alegam, razão pela qual precisa ser responsabilizado
de alguma forma. As redes sociais não inventaram o ódio, mas, como mostrou o
caso britânico, certamente ajudam a alimentá-lo.
A essência dos programas sociais
O Estado de S. Paulo
Avaliação de impacto de programas como o de
Heliópolis deveria servir de padrão para governos
Ao longo de 2023, para cada R$ 1 que o
Instituto Bacarelli investiu em programas sociais em São Paulo, entre os quais
se destaca a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, R$ 3,49 foram criados na forma
de benefícios para a sociedade. Não se trata de chute, mas do resultado da
aplicação de métricas baseadas no protocolo SROI (retorno social do
investimento, na sigla em inglês), criado a partir de princípios estabelecidos
pela Social Value International, rede britânica global focada em impacto
social.
Resultado tão significativo recebeu a atenção
do economista José Pastore, que tratou do assunto em recente coluna no Estadão,
traçando um paralelo entre a obsessão dos governantes em “cortar fitas” de
inauguração de obras sociais e o pouco-caso no acompanhamento dos resultados de
cada programa ou projeto. Uma completa inversão de valores, pois afinal é o
monitoramento contínuo que permite constatar a eficácia das políticas sociais
adotadas, promover correção de rota quando necessário, acertar o foco e até, se
for o caso, substituir iniciativas por outras mais eficientes.
Mas essa é uma prática rara num país
habituado ao foguetório eleitoreiro dos lançamentos e pouco afeito ao
acompanhamento das ações. O caso do Instituto Bacarelli, organização
filantrópica privada que há mais de 27 anos atua na inclusão social por meio da
educação artística e cultural de jovens na comunidade de Heliópolis, na zona
sul de São Paulo, e outras regiões da cidade, expõe um padrão que deveria
servir de exemplo para os programas governamentais, sejam eles municipais,
estaduais ou federais.
Com uma ferramenta desenvolvida pelo Insper,
seguindo preceitos do protocolo SROI, o Instituto para o Desenvolvimento do
Investimento Social (Idis) avaliou o impacto social do Instituto Bacarelli ao
longo do ano. É importante ressaltar que não se trata de uma análise de
resultados que, obviamente, deve ser feita de forma regular e aponta quantas
pessoas estão sendo atendidas pelo projeto, os custos e a quantidade de
famílias envolvidas. Avaliação de impacto é um processo mais profundo, que
investiga a geração de valor social aos beneficiários e à sociedade como um
todo.
O ROI (retorno sobre o investimento, na sigla
em inglês), é uma métrica contábil que identifica o potencial financeiro de um
investimento. O SROI segue princípio semelhante, mas para o retorno social e
reflete ganho em qualidade de vida.
É comum deparar com balanços repletos de números de projetos sociais estatais, como o que foi feito pelo governo em abril, um ano depois da retomada do Bolsa Família, o maior programa nacional de transferência de renda. Mas costumeiramente são dados quantitativos: mais de 21,1 milhões de famílias atendidas, investimento médio de R$ 14,3 bilhões, valor médio de benefício de R$ 682,91. Sem desconsiderar a importância dos programas – em especial o Bolsa Família –, o País carece de balanços qualitativos regulares para orientar suas políticas sociais. Para que possa festejar não lançamentos ou inaugurações, mas os efeitos de incentivos bem aplicados.
Educação e saúde desafiam candidatos
Correio Braziliense
Pesquisa do Correio mostra que educação,
saúde, saneamento básico, mudança climática e violência estão entre os temas
que seguirão desafiando prefeitos eleitos
Educação, saúde, saneamento básico, mudança
climática e violência estão entre os temas que seguirão desafiando prefeitos
eleitos, ou reconduzidos ao cargo, nas eleições de outubro próximo. Essas
questões são recorrentes em sondagens sobre o que esperam os brasileiros para
as cidades em que moram. Uma pequena amostra foi colhida pelo Correio
Braziliense, ouvindo moradores de três grandes municípios da região do Entorno
do Distrito Federal — Águas Lindas de Goiás, Luziânia e Valparaíso de Goiás —,
que, juntos, abrigam mais de 353 mil eleitores.
Na reportagem "Saúde pública preocupa
eleitores do Entorno" (7/8/24, pág. 13), moradores das três cidades
visitadas reclamaram principalmente das dificuldades de acesso à saúde, pela
falta de profissionais, ausência de estrutura para os exames laboratoriais e de
imagens, além de falta de leitos nas unidades hospitalares. Diante de tantos
empecilhos, a alternativa é recorrer à rede pública da capital federal, onde
voltam a enfrentar barreiras ao atendimento devido à alta demanda também da
população do Distrito Federal.
De acordo com a legislação vigente, o
financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) envolve as três esferas de
governo — federal, estadual e municipal — por meio da vinculação do orçamento
da seguridade social. Conforme a Lei nº 141/2012, os municípios têm a obrigação
de investir 15% da sua receita na saúde, e os estados, 12%. Mas nem sempre há
transparência suficiente para que a população tome conhecimento dos valores
aplicados em setores sensíveis e que indicam o padrão de qualidade de vida nas
cidades.
Também é comum a falta de detalhamento sobre
atuação nessas áreas estratégicas por parte de candidatos ao Executivo e
Legislativo local — postura que não deve ser desconsiderada por quem os elege.
Cabe aos prefeitos, por exemplo, administrar os recursos para garantir o bom
funcionamento da atenção básica, mais voltada a ações de prevenção e educação
em saúde. Aos vereadores, elaborar e aprovar leis que resultem em melhorias
para esse sistema.
No caso dos moradores dos municípios vizinhos
à capital do país, o cenário requer avanços. A infraestrutura dessas cidades é
precária, exigindo que os cidadãos desloquem-se para Brasília em busca de meios
para suprir suas necessidades de suporte em saúde. Essa dificuldade e a
sensação de abandono são comuns entre segmentos populacionais em situação de
vulnerabilidade socioeconômica de diferentes partes do país, como em alguns
municípios de Minas Gerais em que a renda per capita não chega a um terço do salário
mínimo vigente.
Esses exemplos e situações lamentáveis
enfrentadas por parcelas da população podem e precisam ser corrigidas pelos que
chegam ao poder. A democracia tem a vantagem de permitir aos cidadãos e aos
políticos reverem suas decisões para que o bem-estar das pessoas e acesso aos
serviços públicos indispensáveis não seja privilégio de poucos, mas a
construção contínua de mais igualdade e menos injustiça para todos. Saúde,
educação e segurança pública devem ser prioridade. Um desafio para os futuros
prefeitos e vereadores.
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