quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Diminuir o rombo do INSS exige mudança no BPC

O Globo

Mesmo que pente-fino proposto pelo governo dê certo, despesa com programa continuará crescendo

Uma estimativa do próprio governo reconhece que o anunciado pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, será insuficiente para barrar a expansão do gasto no programa, um dos responsáveis pelo rombo crescente do INSS. Na melhor das hipóteses, a despesa saltará de R$ 106,6 bilhões neste ano para R$ 140,8 bilhões em 2028, contabilizando a economia de R$ 47,3 bilhões esperada com o corte de benefícios irregulares.

Dois fatores explicam a previsão de alta feita pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Um é o crescimento vegetativo do número de beneficiários. Na questão demográfica, obviamente não há nada que o governo possa fazer.

O outro é a vinculação da correção do BPC à aplicada ao salário mínimo, desde o ano passado regido por regra que permite aumento acima da inflação. Nesse ponto, o governo tem toda a liberdade de ação. Deveria desvincular a correção do BPC da empregada no mínimo. É possível e desejável encontrar um modelo de atualização do benefício que preserve seu poder de compra e o objetivo de proteção social, sem aumentar o déficit do INSS e arruinar as contas públicas.

Os objetivos de diminuir irregularidades são ambiciosos, e é bom que sejam assim. O sistema de benefícios governamentais sempre atraiu gente em busca de vantagens indevidas. Sem contar que o recente salto no número de benefícios é bastante suspeito. Por isso serão chamados beneficiários que não fazem parte do Cadastro Único (CadÚnico) e cujas informações podem estar desatualizadas. O governo prevê, também, uma checagem de renda pelo cruzamento de bases de dados e pela revisão bianual da avaliação biopsicossocial prevista para as pessoas com deficiência.

Com isso, o governo pretende cortar 670 mil benefícios irregulares por ano. A meta é economizar R$ 6,6 bilhões em 2025, R$ 12,8 bilhões em 2026, R$ 13,6 bilhões em 2027 e R$ 14,3 bilhões no ano seguinte. Todas as medidas de revisão e controle são positivas e deveriam ser feitas continuamente. O erro é achar que resolvem a situação. Nem perto disso. Se nada mais for feito, o BCP poderá em breve custar mais de 1% do PIB e tornar a gestão da Previdência ainda mais difícil.

Diante dos números, é imperioso atacar o problema de forma realista. Corrigir o BPC e outros benefícios como auxílio-doença somente pela inflação não provocaria dano social, por manter intacta a capacidade de consumo da população de baixa renda com idade igual ou superior a 65 anos ou portadora de alguma deficiência. De quebra, poderia render uma economia anual de R$ 20 bilhões aos cofres públicos.

Romper de vez a transferência geracional da miséria e da pobreza deve ser um dos principais objetivos desse e de todos os futuros governos. Mas, para atingir essa meta, é preciso ter um setor público com as contas em ordem. Por inibir a geração de renda, a falta de responsabilidade fiscal pune de forma mais drástica os mais pobres.

Medidas para mitigar riscos de vício em bets representam avanço

O Globo

Ministério da Fazenda cria regras com a intenção de evitar excessos e transtornos associados a apostas

São bem-vindas as medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda para mitigar o vício e o endividamento em apostas on-line, duas das preocupações surgidas desde que a modalidade foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim do ano passado. A legalização foi, sem dúvida, positiva. De nada adiantaria manter uma proibição hipócrita se as bets estão em todo lugar, até nas camisas dos grandes times de futebol. Existentes há anos, elas não contribuíam para o país, por não arrecadar impostos. Embora positiva, a regularização não está livre de desafios. O maior deles é o risco do vício e da ruína financeira.

Varejistas intrigados com vendas estagnadas ou em queda em momento em que o mercado de trabalho está aquecido contrataram uma consultoria para examinar as possíveis causas. Uma das conclusões foi que, nas classes C e D, as quantias gastas em apostas estão sendo desviadas de partes do orçamento antes destinadas ao consumo ou à poupança. Em 2023, as bets movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões. Neste ano, a estimativa é que o valor chegue a R$ 130 bilhões. O descompasso entre o aumento da renda familiar e a queda ou estagnação de vendas em segmentos como moda, móveis e artigos de uso pessoal e doméstico não é ruim apenas para as empresas. Pode ser indício de dependência.

As portarias do Ministério da Fazenda publicadas na semana passada tentam atacar o problema. As casas de apostas deverão fiscalizar o comportamento dos usuários, podendo suspender o uso da plataforma se necessário. Para isso, terão de dispor de ferramentas analíticas e de metodologias para avaliar o perfil dos apostadores e os riscos de transtornos. Já no momento do cadastro, precisarão informar sobre os riscos, não só de dependência, como também de perda de valores.

As novas regras disciplinam a propaganda e as estratégias para atrair clientes. Ponto relevante é o veto à publicidade que apresente a aposta como “socialmente atraente” ou que contenha afirmações de celebridades ou influenciadores sugerindo que o jogo “contribui para o êxito pessoal, social ou para melhoria das condições financeiras”. As empresas terão de usar linguagem clara, respeitando a proteção de menores de 18 anos e grupos de vulneráveis. Pelas normas, as bets serão legalmente responsáveis pela publicidade de seus afiliados e submetidas à fiscalização da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), ligada ao Ministério da Fazenda.

É fundamental o Estado assegurar o jogo sem excessos, disciplinando a publicidade, protegendo crianças, adolescentes e monitorando danos como dependência e endividamento. Além disso, órgãos de controle e fiscalização precisarão ficar atentos para coibir crimes como lavagem de dinheiro, fraudes e sonegação fiscal num setor por onde circulam grandes cifras.

Maduro amplia repressão e Lula tem o dever de condená-lo

Valor Econômico

Parcial, o governo brasileiro terá de conviver com o desprestígio de não conseguir mediar satisfatoriamente conflitos em sua área de influência

Dez dias depois da eleição que deu mais um mandato de presidente da Venezuela a Nicolás Maduro, as atas que comprovam sua recondução ao cargo não foram publicadas. O jogo eleitoral foi sujo antes, durante e depois de as urnas fecharem. Continua em falta a transparência e sobra repressão. O governo, sagrado vencedor sem provas, encarregou a Corte Suprema do país, submissa a Maduro, de auditar as atas eleitorais, não apresentadas a mais ninguém. Até agora, os protestos da oposição resultaram em mais de 1.100 prisões, algumas feitas em várias batidas ao acaso, intimidatórias, e 24 mortes. Os líderes Edmundo González Urrutia, candidato presidencial pela frente contra Maduro, e María Corina Machado, principal representante dos partidos que o apoiaram, estão em local incerto. A Procuradoria Geral, comandada pelo chavista Tarek Saab, abriu investigação criminal contra ambos.

O resultado oficial, anunciado na madrugada após a eleição, deu vitória a Maduro por 51,9% dos votos, ante 43% de Edmundo González. Já na segunda-feira 29, Maduro foi empossado, diante de protestos da oposição, da União Europeia, dos EUA e de boa parte dos países latino-americanos, como Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile. Reconheceram imediatamente o eleito China, Rússia, Cuba, Irã, Síria, Nicarágua e outros, na esmagadora maioria, regimes não democráticos, além do Partido dos Trabalhadores brasileiro. O Itamaraty e muitos outros países solicitaram a divulgação das atas eleitorais que comprovassem a legitimidade da vitória.

O Centro Carter, único observador internacional presente, disse que não pôde verificar a autenticidade dos resultados e que ele “não atingiu os padrões internacionais de integridade eleitoral em nenhuma das suas fases relevantes e violou numerosos preceitos da própria legislação nacional”.

A oposição reuniu atas de 24.532 urnas das 30.026 disponíveis no dia da eleição e publicou-as em um site. Diversas fontes as consultaram e concluíram que o governo perdeu as eleições por ampla margem, cerca de 67% para González e 30,4% para Maduro. Em função disso, os EUA reconheceram o triunfo da oposição, e o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, disse que chegara a hora de uma “transição respeitosa e pacífica” para um novo governo.

Dois dias após as eleições, o governo venezuelano expulsou diplomatas de 7 países que exigiram provas do êxito do governo e a divulgação das atas - Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, Uruguai e República Dominicana.

O Brasil teve status especial. O assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, acompanhou o pleito in loco e recebeu a promessa de que as atas por urnas seriam devidamente divulgadas em três dias - não foram. Enquanto o Itamaraty exigia transparência, o presidente Lula, na terça-feira (30), foi em socorro de Maduro, afirmando que não viu “nada de anormal” na eleição, e que se tratava de uma disputa que deveria ser resolvida pela Justiça - que, no caso, é totalmente favorável a Maduro. Depois, em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil e mais 10 países não subscreveram resolução solicitando a apresentação imediata dos resultados na presença de organizações de observadores independentes.

Diante do impasse, a oposição recorreu a uma estratégia polêmica que se revelou inútil. Apelou aos militares e à polícia para que se colocassem “ao lado do povo” e cessassem a repressão, ao mesmo tempo em que prometiam “garantias aos que cumprirem com seu dever constitucional” a ser dadas por um “novo governo”. Deram a senha para serem acusados de “sediciosos” pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e processados pela Procuradoria como golpistas.

Brasil, México e Colômbia se articulam para negociar uma saída com Maduro, não se sabe qual. Há indícios de que Colômbia e México são favoráveis a uma transição pacífica, com entrega do poder. Em nota conjunta na quinta-feira os três países pediram solução do impasse pelas “vias institucionais” e respeito à “soberania popular” por meio de “apuração imparcial”. Maduro não deu respostas, solicitou conversas com Lula e há articulação para que elas sejam feitas também na presença de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, e Lopez Obrador, do México.

A saída natural é a mais difícil. Se Maduro tivesse vencido as eleições, seria o primeiro a divulgar as atas. A repressão que se seguiu, com apoio dos militares, é prova de que não está disposto a deixar o poder. Ao desdenhar por anos a fio da destruição da democracia na Venezuela, por afinidade ideológica e sob pretexto de poder instilar moderação junto aos chavistas, os governos petistas podem terminar impotentes diante de questões vitais, como o desfecho das eleições.

Parcial, o governo brasileiro terá de conviver com o desprestígio de não conseguir mediar satisfatoriamente conflitos em sua área de influência e andar na contramão das posições de seus sócios no Mercosul, Argentina e Uruguai. A menos que seja bem-sucedido em uma missão quase impossível: um acordo amplo para Maduro deixar o poder sem persecuções legais contra os principais líderes chavistas. Mas não se sabe até agora se o Brasil está realmente interessado nisso.

É preciso disciplinar a gastança do Judiciário

Folha de S. Paulo

Aumento acima da inflação de despesas do Poder agrava distorções; regular teto salarial seria primeiro passo necessário

É assustador constatar que o Judiciário federal —que encabeça o sistema de Justiça mais caro de que se tem notícia no mundo— será autorizado a elevar seus gastos acima da inflação no próximo ano.

Tal aumento não decorre de nenhum objetivo de política pública, muito menos de alguma carência a ser sanada nos tribunais da União. Como a Folha noticiou, trata-se tão somente da aplicação automática da regra orçamentária instituída pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com a norma, as despesas da administração federal terão alta real entre 0,6% e 2,5% a cada ano, a depender dos resultados da arrecadação de impostos. Como a receita está em alta, impulsionada pela ofensiva tributária da Fazenda, a expansão em 2025 se dará pelo limite máximo.

Acontece que o percentual incide separadamente sobre as verbas de cada um dos Poderes —seguindo a isonomia prevista na Constituição para mantê-los independentes uns dos outros.

Se faz sentido do ponto de vista institucional, a aplicação do princípios ampliará distorções há muito intocadas em um sistema de Justiça perdulário e repleto de privilégios, ainda mais inaceitáveis em um Estado altamente deficitário.

Em âmbito federal, o limite das despesas do Judiciário subirá dos R$ 56,11 bilhões deste ano para R$ 59,95 bilhões. Abre-se o caminho para a majoração de salários e benefícios já fora da realidade nacional, que consomem a grande maioria dos recursos desse Poder e o tornam uma anomalia mundial.

Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembolso médio com cada magistrado do país foi de R$ 68,1 mil mensais no ano passado, enquanto cada servidor dos tribunais federais e estaduais custou R$ 20,1 mil pelo mesmo cálculo.

Dados do Tesouro Nacional mostram que o sistema de Justiça custa 1,6% da renda nacional, maior parcela entre 53 países para os quais há informação disponível, incluindo ricos e emergentes, e quatro vezes a média nessa amostra.

Disciplinar a escalada de benesses no Judiciário é sem dúvida tarefa política e institucionalmente difícil e delicada, mas necessária. Um começo seria tornar mais efetivo o teto salarial do serviço público, hoje de R$ 44 mil mensais e contornado no Judiciário e no Ministério Público por abonos, auxílios e outros penduricalhos.

Enquanto não se instituem regras mais sustentáveis para conter a expansão de despesas em toda a administração, o sistema de Justiça —que, aliás, se dá o direito de dois meses de férias ao ano— deveria no mínimo direcionar mais recursos e esforços à melhora da prestação de seus serviços à sociedade.

Polícia mais letal

Folha de S. Paulo

Sob Tarcísio, mortes por PMs quase dobram em 2024 e voltam a patamar inaceitável

O estado de São Paulo precisa retomar os avanços que haviam sido conquistados na contenção da letalidade policial. Sob o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), as taxas voltaram aos altos patamares anteriores à implementação das câmeras corporais, em 2021.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, 301 pessoas foram mortas por PMs em serviço no primeiro semestre de 2024, o que representa aumento de 94% em relação ao mesmo período do ano passado. O número de mortos por policiais civis e agentes de folga subiu 68%, de 221 para 373.

O fenômeno não se concentra no interior. Na capital paulista, a expansão foi ainda maior, de 98,5%.

Dado que a elevação da letalidade se deve principalmente, como se vê, a ações em serviço, os comandos da Polícia Militar e da gestão estadual têm o dever de prevenir e punir tais comportamentos.

De acordo com o governo Tarcísio, trata-se de mera consequência da reação violenta dos criminosos a um incremento do trabalho das forças de segurança. No entanto tal argumento não se sustenta, pois São Paulo já conseguiu combinar diminuição da letalidade policial e combate ao crime.

O que os dados evidenciam é uma política linha-dura, que não desencoraja excessos e abusos. As câmeras corporais não são panaceia. Sinal disso é que, na capital, onde em tese todos os batalhões utilizam a tecnologia, a letalidade é maior do que a do estado.

Os equipamentos, somente, não geram redução de mortes se não integrarem um programa contínuo, com capacitação técnica dos agentes, acompanhado da punição rigorosa dos responsáveis.

Mas, após operações que deixaram o saldo sangrento de ao menos 93 mortos na Baixada Santista nos últimos 12 meses, o governo repete a truculência em outra região que já foi palco de abusos.

Reportagem da Folha revelou imagens em que agentes agridem moradores, inclusive mulheres, em Paraisópolis, na zona sul da capital.

Permitir a violência policial, explícita ou implicitamente, infringe direitos humanos e não produz nenhum ganho efetivo em segurança para os contribuintes paulistas.

O atrevimento da Câmara e do Senado

O Estado de S. Paulo

Lideranças ofendem a inteligência de todos ao afirmar que não conseguem identificar a autoria das emendas de comissão e demonstram ignorar a Constituição que juraram cumprir

O Congresso foi ousado ao ser cobrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a identificar a autoria das emendas de comissão. “Não existe”, segundo representantes da Câmara, a “figura do patrocinador” das emendas; logo, a Câmara “não tem como colaborar” com o STF, posicionamento que foi endossado por prepostos do Senado, segundo a ata de uma reunião realizada na última terça-feira.

A resposta ofende a inteligência de todos os cidadãos. É tanta a desfaçatez que seria melhor que os enviados simplesmente dissessem que não há, nem nunca houve, por parte da cúpula do Congresso, o menor interesse em respeitar os princípios constitucionais da transparência, impessoalidade, moralidade e publicidade no uso de recursos públicos.

A comprovar essa falta de disposição, deputados e senadores mostram que nada é capaz de fazê-los cumprir o compromisso solene de posse no qual juram defender a Constituição durante o mandato. Se assim fosse, o Supremo não teria de voltar a esse tema em agosto de 2024, menos de dois anos após a histórica decisão na qual a Corte declarou a inconstitucionalidade do chamado “orçamento secreto”.

O esquema, revelado pelo Estadão, proporcionou apoio político do Legislativo ao governo Jair Bolsonaro por meio das emendas de relator. Controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado, as RP-9 eram distribuídas por critérios próprios e garantiam repasses bilionários aos parlamentares.

Foi a ausência de identificação do proponente e a opacidade sobre seu destinatário que deram base ao contundente voto da ministra Rosa Weber, hoje aposentada. As emendas de relator, segundo ela, representavam verdadeiro regime de exceção ao Orçamento-Geral da União e burlavam a transparência e a distribuição isonômica de recursos públicos, de maneira “incompatível com a ordem constitucional, democrática e republicana”.

O Congresso, em vez de cumprir a decisão, optou por driblá-la. Em uma interpretação marota, restabeleceu o papel que as RP-9 sempre tiveram, de correção pontual do Orçamento, mas emulou as práticas condenadas pelo STF nas emendas de comissão, também conhecidas como RP-8, com a conivência do governo Lula da Silva.

Ao perceber a manobra, o ministro Flávio Dino, que herdou de Rosa Weber a relatoria do caso, cobrou esclarecimentos. A resposta do Congresso é estupefaciente. Apegando-se a procedimentos previstos no Regimento, como se este estivesse acima da Constituição, o Legislativo disse que tais informações estão nas atas das reuniões nas quais as emendas foram aprovadas, ainda que os documentos não detalhem a autoria da indicação nem a obra que será feita, o projeto a ser tocado ou município que receberá a verba.

Ora, ninguém é ingênuo para crer que o Legislativo não saiba quem indicou a emenda e para o que exatamente ela serviu. Somadas, as emendas de comissão devem superar o patamar de R$ 15 bilhões neste ano. Esse dinheiro, por óbvio, não está perdido, e informar onde ele foi parar não é nenhuma benevolência, mas obrigação do Congresso.

Nem se trata de criar algo novo, mas de retomar regras que vigoraram por décadas, após a eclosão do escândalo dos Anões do Orçamento, e que têm sido sumariamente ignoradas nos anos recentes, como se nunca tivessem existido. Chama a atenção a facilidade com que o Congresso destruiu sistemas de controle que levaram anos para serem construídos e consolidados, numa incrível volta a um trevoso passado, no qual o clientelismo era a regra.

A insistência em manter tanto segredo sugere várias hipóteses, todas ruins. É provável que o enorme poder conquistado por algumas lideranças do Congresso evaporasse instantaneamente se o chamado baixo clero soubesse que seus votos valem bem menos, em termos de emendas, que os de colegas mais próximos da cúpula do Legislativo.

Para o cidadão, é a certeza de que a verba pública tem sido mal alocada em milhares de ações de prioridade questionável, baixo impacto e pouca eficiência, sem qualquer vinculação com políticas públicas, prática que só amplia as desigualdades regionais e sociais, mas que fortalece, perpetua e enriquece os políticos de sempre.

A força do ódio aos imigrantes

O Estado de S. Paulo

Alimentado pelas redes sociais, ódio de extremistas britânicos contra imigrantes explodiu em violência gratuita. Cabe aos líderes responsáveis impedir que essa mensagem prospere

A comoção com o assassinato de três crianças a facadas serviu de estopim para a pior onda de violência em mais de uma década no Reino Unido. Em redes como o X espalhou-se a informação de que o autor do crime era um imigrante muçulmano e, ato contínuo, grupos contrários à imigração incitaram manifestações contra estrangeiros, em especial os seguidores da fé islâmica. O assassino, já detido, não era imigrante, muito menos muçulmano. O estrago, porém, já estava feito: a violência, com insultos e xenofobia, se espalhou por diversas cidades do Reino Unido, deixando um rastro de destruição, prisões e ataques a inocentes.

O caso assusta pelo nível de brutalidade primitiva que se viu nas ruas inglesas ao longo de alguns dias, algo que discrepa totalmente da imagem de uma sociedade que se apresenta ao mundo como liberal e tolerante. É claro que não se deve tomar a parte pelo todo, isto é, não se pode concluir que o Reino Unido tenha se tornado de uma hora para outra um país de bárbaros, mas é digno de nota a latência do ódio, para cuja explosão bastou um punhado de mensagens mal-intencionadas numa rede social.

Esse ódio já havia se manifestado, em essência, no discurso que alimentou o Brexit, isto é, a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Recorde-se que no centro da campanha do Brexit estava a histeria contra os imigrantes com passaporte europeu, especialmente dos países mais pobres que estavam sendo aceitos na UE. Era preciso, nas palavras dos extremistas que advogavam pelo Brexit, “retomar o controle sobre a imigração”.

O Brexit, contudo, não teve o resultado esperado pelos xenófobos. Ao contrário: fora da União Europeia, o Reino Unido não participa mais dos acordos europeus que disciplinam a imigração, seja dentro da própria Europa, seja nos países do Mediterrâneo, onde regularmente aportam milhares de refugiados.

Ou seja, a promessa de mais controle e segurança não se confirmou, pelo menos não como anunciaram os radicais. É essa sensação de vulnerabilidade que dá corpo ao discurso violento contra imigrantes – e não somente no Reino Unido – mesmo no momento em que a maioria dos países da UE e o próprio Reino Unido precisam de imigrantes para seu mercado de trabalho.

O ódio contra os imigrantes, portanto, é irracional não somente pela truculência que inspira, mas sobretudo porque prejudica os interesses econômicos e sociais dos países em que brota. Ou talvez seja o caso de notar que o ódio aos imigrantes tem uma racionalidade própria: o imigrante é o corpo estranho, que representa o atraso e a degradação social e nacional, e por isso precisa ser combatido sem trégua. Como enfatizou Donald Trump, candidato à presidência dos EUA e espécie de porta-voz mundial dos xenófobos, os imigrantes são “animais” que “envenenam o sangue do país”.

Cabe aos líderes responsáveis trabalhar para que essa mensagem não prospere, pois dela resulta a violência que o mundo testemunhou no Reino Unido. Nesse ponto, fica claro que as redes sociais, que já tinham sido cruciais para espalhar a desinformação que resultou no Brexit, foram o veículo por meio do qual os extremistas incitaram a turba que foi às ruas para agredir imigrantes totalmente inocentes. Se é de mensagem de ódio que se trata, o meio que a propaga importa.

Há quem considere que as redes sociais são neutras, isto é, não produzem as mensagens que ali circulam, razão pela qual não podem responder pelo que se diz nos textos – seriam o equivalente ao carteiro, que não tem nada a ver com uma carta que eventualmente contenha ofensas ou desinformação. Mas há quem lembre que, diferentemente do carteiro, as donas das redes ganham muito dinheiro como o engajamento dos usuários, fomentado por algoritmos que privilegiam mensagens com maior potencial de gerar reações e compartilhamentos, e a experiência indica que esse potencial é tanto maior quanto mais agressiva ou provocadora a mensagem for.

Logo, esse sistema talvez não seja tão isento quanto seus proprietários alegam, razão pela qual precisa ser responsabilizado de alguma forma. As redes sociais não inventaram o ódio, mas, como mostrou o caso britânico, certamente ajudam a alimentá-lo.

A essência dos programas sociais

O Estado de S. Paulo

Avaliação de impacto de programas como o de Heliópolis deveria servir de padrão para governos

Ao longo de 2023, para cada R$ 1 que o Instituto Bacarelli investiu em programas sociais em São Paulo, entre os quais se destaca a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, R$ 3,49 foram criados na forma de benefícios para a sociedade. Não se trata de chute, mas do resultado da aplicação de métricas baseadas no protocolo SROI (retorno social do investimento, na sigla em inglês), criado a partir de princípios estabelecidos pela Social Value International, rede britânica global focada em impacto social.

Resultado tão significativo recebeu a atenção do economista José Pastore, que tratou do assunto em recente coluna no Estadão, traçando um paralelo entre a obsessão dos governantes em “cortar fitas” de inauguração de obras sociais e o pouco-caso no acompanhamento dos resultados de cada programa ou projeto. Uma completa inversão de valores, pois afinal é o monitoramento contínuo que permite constatar a eficácia das políticas sociais adotadas, promover correção de rota quando necessário, acertar o foco e até, se for o caso, substituir iniciativas por outras mais eficientes.

Mas essa é uma prática rara num país habituado ao foguetório eleitoreiro dos lançamentos e pouco afeito ao acompanhamento das ações. O caso do Instituto Bacarelli, organização filantrópica privada que há mais de 27 anos atua na inclusão social por meio da educação artística e cultural de jovens na comunidade de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, e outras regiões da cidade, expõe um padrão que deveria servir de exemplo para os programas governamentais, sejam eles municipais, estaduais ou federais.

Com uma ferramenta desenvolvida pelo Insper, seguindo preceitos do protocolo SROI, o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) avaliou o impacto social do Instituto Bacarelli ao longo do ano. É importante ressaltar que não se trata de uma análise de resultados que, obviamente, deve ser feita de forma regular e aponta quantas pessoas estão sendo atendidas pelo projeto, os custos e a quantidade de famílias envolvidas. Avaliação de impacto é um processo mais profundo, que investiga a geração de valor social aos beneficiários e à sociedade como um todo.

O ROI (retorno sobre o investimento, na sigla em inglês), é uma métrica contábil que identifica o potencial financeiro de um investimento. O SROI segue princípio semelhante, mas para o retorno social e reflete ganho em qualidade de vida.

É comum deparar com balanços repletos de números de projetos sociais estatais, como o que foi feito pelo governo em abril, um ano depois da retomada do Bolsa Família, o maior programa nacional de transferência de renda. Mas costumeiramente são dados quantitativos: mais de 21,1 milhões de famílias atendidas, investimento médio de R$ 14,3 bilhões, valor médio de benefício de R$ 682,91. Sem desconsiderar a importância dos programas – em especial o Bolsa Família –, o País carece de balanços qualitativos regulares para orientar suas políticas sociais. Para que possa festejar não lançamentos ou inaugurações, mas os efeitos de incentivos bem aplicados.

Educação e saúde desafiam candidatos

Correio Braziliense

Pesquisa do Correio mostra que educação, saúde, saneamento básico, mudança climática e violência estão entre os temas que seguirão desafiando prefeitos eleitos

Educação, saúde, saneamento básico, mudança climática e violência estão entre os temas que seguirão desafiando prefeitos eleitos, ou reconduzidos ao cargo, nas eleições de outubro próximo. Essas questões são recorrentes em sondagens sobre o que esperam os brasileiros para as cidades em que moram. Uma pequena amostra foi colhida pelo Correio Braziliense, ouvindo moradores de três grandes municípios da região do Entorno do Distrito Federal — Águas Lindas de Goiás, Luziânia e Valparaíso de Goiás —, que, juntos, abrigam mais de 353 mil eleitores.

Na reportagem "Saúde pública preocupa eleitores do Entorno" (7/8/24, pág. 13), moradores das três cidades visitadas reclamaram principalmente das dificuldades de acesso à saúde, pela falta de profissionais, ausência de estrutura para os exames laboratoriais e de imagens, além de falta de leitos nas unidades hospitalares. Diante de tantos empecilhos, a alternativa é recorrer à rede pública da capital federal, onde voltam a enfrentar barreiras ao atendimento devido à alta demanda também da população do Distrito Federal.

De acordo com a legislação vigente, o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) envolve as três esferas de governo — federal, estadual e municipal — por meio da vinculação do orçamento da seguridade social. Conforme a Lei nº 141/2012, os municípios têm a obrigação de investir 15% da sua receita na saúde, e os estados, 12%. Mas nem sempre há transparência suficiente para que a população tome conhecimento dos valores aplicados em setores sensíveis e que indicam o padrão de qualidade de vida nas cidades.

Também é comum a falta de detalhamento sobre atuação nessas áreas estratégicas por parte de candidatos ao Executivo e Legislativo local — postura que não deve ser desconsiderada por quem os elege. Cabe aos prefeitos, por exemplo, administrar os recursos para garantir o bom funcionamento da atenção básica, mais voltada a ações de prevenção e educação em saúde. Aos vereadores, elaborar e aprovar leis que resultem em melhorias para esse sistema.

No caso dos moradores dos municípios vizinhos à capital do país, o cenário requer avanços. A infraestrutura dessas cidades é precária, exigindo que os cidadãos desloquem-se para Brasília em busca de meios para suprir suas necessidades de suporte em saúde. Essa dificuldade e a sensação de abandono são comuns entre segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade socioeconômica de diferentes partes do país, como em alguns municípios de Minas Gerais em que a renda per capita não chega a um terço do salário mínimo vigente.

Esses exemplos e situações lamentáveis enfrentadas por parcelas da população podem e precisam ser corrigidas pelos que chegam ao poder. A democracia tem a vantagem de permitir aos cidadãos e aos políticos reverem suas decisões para que o bem-estar das pessoas e acesso aos serviços públicos indispensáveis não seja privilégio de poucos, mas a construção contínua de mais igualdade e menos injustiça para todos. Saúde, educação e segurança pública devem ser prioridade. Um desafio para os futuros prefeitos e vereadores. 

 

 

 

 

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