Valor Econômico
Economista e professor Paulo Paiva sugere nova reforma da previdência além de mudanças na governança do orçamento e na lei de finanças públicas
A solução para a questão fiscal no Brasil
passa por um novo conjunto de reformas que melhore a capacidade do Executivo de
gerir o Orçamento, desate várias amarras do gasto público e abra espaço para
despesas não obrigatórias.
Sem isso, o país caminha para um colapso
fiscal, defende Paulo Paiva, professor associado da Fundação Dom Cabral e
ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Se nada for feito, em menos de uma década toda a receita será insuficiente para cobrir as despesas obrigatórias, argumenta o economista.
Paiva se baseia nos números do próprio
governo. O Balanço Geral da União de 2023 projeta que no ano 2100 o déficit do
regime geral de previdência será quase o dobro da receita (ver quadro). De hoje até 2030,
receita, despesa e déficit permanecerão mais ou menos constantes pelo critério
de proporção do PIB. Depois disso, a receita se mantém estável enquanto a
despesa dispara e dobra de tamanho - e o déficit, claro, acompanha. Isso apenas
11 anos depois de promulgada uma reforma no sistema previdenciário.
Outra mudança nas regras de aposentadoria
será necessária em breve, como defende Paiva e como mostra estudo do Banco
Mundial retratado em reportagem de Edna Simão e Jéssica Sant’Ana na edição
do Valor de
5 de agosto (“Previdência pode ter de adiar aposentadorias por idade”).
A segunda reforma defendida por ele é
orçamentária. Para Paiva, é preciso mexer na legislação para retirar o elevado
grau de vinculação do Orçamento. “Descarimbar” recursos pode melhorar a margem
de gastos discricionários (não obrigatórios), como investimentos.
O professor faz questão de dizer que não é
contra áreas-chave como saúde e educação serem privilegiadas na destinação do
dinheiro, mas defende a revisão dos critérios e limites, porque isso reduz o
grau de liberdade para manejar o Orçamento.
Entre as desvinculações necessárias, está a
dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Ainda mais com uma política
de valorização real do mínimo, a vinculação onera as despesas da Previdência e
agrava o quadro de insustentabilidade do regime geral.
Em 2020, as despesas obrigatórias primárias
comprometiam 86% do Orçamento da União. Continuaram crescendo e, no ano
passado, chegaram a 92% do Orçamento. “Então, de fato”, diz, “só tem disponível
para realocação e para novos investimentos 8% do Orçamento.” E há uma tendência
de redução desse percentual. Cada vez mais o governo perde sua capacidade de
investir e de realocar os recursos conforme as prioridades surjam.
Paiva é um dos economistas que defendem a
modernização da legislação de finanças públicas, hoje regida pela sexagenária
lei 4.320, de 1964, “de antes mesmo do regime militar”. Essa seria a terceira
medida na linha reformista, sem implicar uma mudança muito profunda - a não ser
para as contas públicas.
A lei, diz ele, precisa de atualização e
conta para isso com dois projetos no Congresso. Um deles, de 2016, do então
senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), chegou a ser aprovado no Senado. Seguiu
para a Câmara, onde foi modificado, mas a tramitação parou antes da votação
pelos deputados. Paiva e outros professores ligados à Dom Cabral propõem
algumas adaptações no projeto, como a inclusão de um teto para a dívida
pública.
Em que pese o compromisso da equipe econômica
com medidas de ajuste fiscal para “pelo menos contornar o problema”, o
professor vê uma ala muito forte no governo com a “leitura equivocada da teoria
keynesiana”, segundo ele, de que não é preciso cortar gasto porque o
crescimento econômico - pretensamente estimulado pelo dinheiro público, ainda
que feito por medidas e programas ineficientes - geraria ganhos suficientes,
inclusive de receita, para compensá-lo.
Além disso, tem a revisão de gastos,
discussão muito em voga na União Europeia, na OCDE e em vários países, comenta.
Mas essa revisão tem de ir além do pente-fino que o governo promete para
benefícios sociais, como análise dos inscritos no Cadastro Único e no BPC.
Revisão permanente de gasto público é tema de
um projeto do ex-senador José Serra (PSDB-SP). Depois de passar pelo Senado, a
tramitação parou na Câmara, diz Paiva. A ideia do economista é que na proposta
de aperfeiçoamento da lei de finanças públicas da FDC esse tópico seja
incluído.
Paiva também alerta para a gradativa perda de
capacidade do Poder Executivo de definir o Orçamento, com transferência de
algumas atribuições para os outros poderes. É o caso das emendas parlamentares,
cada vez mais presentes. A questão é que Legislativo e Executivo não participam
do esforço de ajuste fiscal. Frequentemente pressionam a conta do aumento de
gastos, sobretudo com salários e extensão de benefícios.
Essas mudanças não são fáceis, comenta o
economista. “Mas eu pessoalmente imagino que, independentemente do atual
governo, em algum momento e não muito longe, nós teremos de fazê-las.”
Sem isso, o colapso fiscal com que o país
flerta há tempos acabará se impondo.
Problema global
A questão fiscal não é uma exclusividade
brasileira. Na edição de agosto da carta macroeconômica da ARX Investimentos,
Gabriel Leal de Barros aponta como economias avançadas e emergentes se veem às
voltas com o problema. O economista cita que tanto Estados Unidos quanto vários
países da Europa terão de apresentar ainda este ano planos de consolidação
fiscal de médio prazo “em obediência ao mecanismo do excessive deficit
procedure (EDP)”.
No Brasil, a análise envereda para a dívida
pública, “cujo custo de rolagem já é elevado renova o desafio de colocar as
contas públicas nos trilhos”.
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