quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli - Realimentando a estagnação secular

Valor Econômico

A renda per capita brasileira de 2024 deve se igualar à de 2013

Neste momento, o Palácio do Planalto comemora as previsões de crescimento do PIB em torno de 2,5%, bem como a (relativamente) baixa taxa de desemprego de 6,9%. Os números são vendidos como evidência do sucesso da política econômica implantada após a volta de Lula à Presidência. Será?

A renda per capita da principal economia do planeta, os EUA, cresce em média 1,5% ao ano. Trata-se de um padrão mantido ao longo de um século e meio, desde o fim da Guerra de Secessão. Anos de recessão, como os da crise do subprime e da covid, são compensados com anos de crescimento acima de 3%, o que explica a média acima. No Brasil, em contraste, a renda per capita de 2024 deve se igualar à de 2013. Foi a segunda década perdida, repetindo a estagnação dos anos 1980. No período, houve o grande desastre de 2015-16, quando o PIB caiu 6,7%, fruto do voluntarismo desinformado de Dilma Rousseff.

Como a taxa de crescimento da população brasileira está hoje em 0,5% ao ano, para que os brasileiros preservassem seu nível de renda relativamente aos norte-americanos o PIB do Brasil precisaria crescer 2% ao ano. Conclui-se que não há nada a ser festejado quando o país cresce a 2,5%.

O baixo desemprego atual é parcialmente explicado pela reforma trabalhista de Temer, mas sobretudo pela demanda aquecida pelos gastos públicos criados a partir de 2023. A PEC da Transição (dezembro/2022) ampliou em R$ 145 bilhões os gastos permanentes, beneficiando programas como o Bolsa Família, Auxílio Gás, Farmácia Popular, entre outros. A reindexação do salário mínimo ao crescimento do PIB e o retorno do piso de gastos com educação e saúde em 15% e 23% da receita líquida do governo federal, antes suspensos pelo extinto Teto de Gastos, ampliaram ainda mais as despesas permanentes. Por fim, a quitação de R$ 90 bilhões em precatórios pedalados por Bolsonaro foi uma despesa elevada, mas felizmente não permanente.

Todo esse aumento de dispêndios teve diversos desdobramentos sobre a economia. O primeiro é o impacto direto sobre a demanda, que leva a economia a operar a pleno emprego, dificultando a convergência da inflação para a meta de 3% ao ano, o que obriga o BC a manter a taxa Selic elevada.

O segundo é sobre a dívida pública. O déficit primário mantém-se em torno de 0,5% do PIB, apesar da recuperação das receitas decorrente da revisão de isenções tributárias e diferimentos de tributos injustificáveis. Para que a dívida pública em fração do PIB parasse de crescer, seria necessário um superávit primário de 2% do PIB. Como não se vê a menor possibilidade de isso ocorrer, a dívida segue crescendo, devendo atingir 83% do PIB ao fim de 2026, um salto de 10 pontos percentuais do PIB durante o atual mandato presidencial, mesmo sem pandemia, guerras ou choques externos. A dívida sobe por escolha política doméstica.

A desconfiança do mercado em relação a uma dívida que cresce continuamente se reflete parcialmente em fuga para ativos no exterior, provocando aumento da taxa de câmbio, e também em taxas de juros mais altas exigidas pelos credores para aceitarem rolar os títulos públicos que vencem. Ao longo do primeiro semestre de 2023, a taxa de juros das NTN-B 2035 subiu de 5,34% (acima da inflação do IPCA) para 6,6%. No mesmo período, o dólar saltou de R$ 4,84 para R$ 5,73. Desde julho, a melhoria dos mercados no exterior gerou realocação de recursos em direção a economias emergentes, reduzindo a taxa da citada NTN-B a 6,1% e o dólar a R$ 5,50. Um pequeno alívio, mas em níveis ainda muito altos. Domesticamente, a única mudança relevante foi que Lula suspendeu seus ataques a Campos Neto.

Enquanto Haddad tenta segurar a gastança, as desonerações sobre folha salarial implantadas por Dilma em 2011 foram novamente prorrogadas pelo Congresso, juntamente com as concedidas a pequenos e médios municípios, até 2027. Renúncia fiscal de R$ 25 bilhões. Como compensação, aposta-se em receitas ilusórias e não permanentes, como IR sobre a atualização de imóveis e repatriação de recursos aplicados no exterior, renegociação camarada de multas vencidas aplicadas por agências reguladoras, precatórios abandonados e recursos esquecidos em antigas contas bancárias.

Diante da pressão inflacionária, tanto de demanda via gastos públicos, como de oferta via câmbio desvalorizado, as previsões de inflação se descolam da meta, o que forçará o Banco Central a elevar gradualmente a taxa Selic. Os juros elevados mantêm os investimentos privados baixos, impedindo a sustentabilidade do crescimento. A gastança de Lula faz a festa dos rentistas da dívida pública e dos ricos que possuem investimentos no exterior, enquanto durar o baixo desemprego.

Adicione-se a isso intervenções nos mercados, como a recente alteração na regulação do gás, as mudanças apressadas nas regras e tributos, a politização das agências reguladoras, a interrupção das privatizações de refinarias - que aumentaria a eficiência desse mercado -, o crescente favorecimento de grupos de pressão e de aliados escolhidos a dedo, além de uma série de medidas que parecem retiradas de um manual de “como não crescer a longo prazo”. Essas políticas reforçam as distorções de médio e curto prazo discutidas anteriormente, perpetuando a estagnação do país.

 

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