quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Maior desafio de Galípolo é manter confiança no BC

O Globo

Novo presidente precisará pautar sua gestão por parâmetros técnicos, como tem feito no cargo de diretor

Como esperado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o economista Gabriel Galípolo para comandar o Banco Central (BC) a partir de janeiro, depois que acabar o mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto. Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC, terá o desafio de manter a confiança na condução da política monetária. Pelo que tem demonstrado até aqui, não há motivo para duvidar de sua capacidade de executar a tarefa.

Qualquer nome indicado para comandar o BC será sempre alvo de escrutínio. No caso de Galípolo, a vigilância será maior. O motivo é a campanha — injusta — promovida por Lula contra Campos Neto desde o início do governo. Até o final do ano, o chefe do Executivo terá de escolher mais três diretores do BC. Com isso, a maioria dos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) terá sido indicada por ele. Cria-se naturalmente o temor de interferência na política monetária.

Para dissipar esse temor e manter a inflação sob controle, o essencial é que as decisões de Galípolo e dos novos indicados continuem a ser estritamente técnicas. O sistema de metas de inflação tem se provado um instrumento eficaz para influenciar o setor produtivo e os consumidores. Mas a base de tudo é a credibilidade. Sem confiança, a ancoragem das expectativas inflacionárias não funciona. Por isso é essencial que, a cada pronunciamento, a cada reunião do Copom, Galípolo demonstre que se guia pelos mesmos parâmetros técnicos que o têm guiado desde que assumiu a diretoria do BC.

O histórico recente sugere que a transição se dará sem sobressaltos. Nas duas últimas reuniões, o Copom manteve a taxa de juros inalterada em 10,5% ao ano por unanimidade. Na semana passada, Campos Neto afirmou não se lembrar de ter havido “espírito de equipe tão grande” quanto o existente entre ele e os demais diretores do BC.

Seu legado é inegavelmente positivo. O BC brasileiro foi um dos primeiros a subir os juros diante dos riscos inflacionários trazidos pela pandemia. De 2% em março de 2021, a taxa foi a 13,75% em agosto do ano seguinte — e lá se manteve por quase um ano, sem nenhuma concessão no período eleitoral. Com isso, a inflação caiu de 10,06% em 2021 para 4,62% no ano passado, abaixo do teto da meta (4,75%). Os atuais dados positivos de nível de emprego e de renda mostram que o Brasil, na comparação internacional, se recuperou melhor dos efeitos da Covid-19.

Antes de Galípolo assumir, o Copom passará por novo teste na reunião prevista para setembro. As expectativas de inflação subiram recentemente, mas o banco central americano, o Fed, anunciou que começará a reduzir os juros no mês que vem. Com isso, a tendência é haver mais dólares por aqui, aliviando a pressão sobre o câmbio e os preços. O Copom terá de decidir se mantém ou sobe os juros brasileiros. É crucial que apresente seus argumentos de forma objetiva, com base em parâmetros técnicos. E que essa prática continue na gestão Galípolo depois que ele passar pela sabatina no Senado.

Exército faz bem em abrir inquérito contra autores de carta golpista

O Globo

Indícios incriminam quatro coronéis que escreveram texto pedindo golpe para impedir posse de Lula

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, age corretamente ao determinar abertura de inquérito policial militar para investigar quatro coronéis — dois da ativa e dois da reserva —, autores de uma carta que, em 2022, pressionava o comando da Força a dar um golpe impedindo a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Exército detectou indícios de crime no episódio e terá 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para concluir a investigação.

Uma sindicância investigou 46 oficiais quando foi descoberta a carta, endereçada ao então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Concluiu que 37 participaram no episódio: quatro escreveram o texto e 33 o assinaram. Ao final, 11 deixaram de ser punidos depois de apresentar justificativas plausíveis. Outros 26 receberam punições disciplinares, de prisão a advertência. Os quatro que redigiram o documento serão agora submetidos à investigação criminal.

De acordo com o Exército, a carta é “uma manifestação de cunho político, o que se caracteriza como transgressão disciplinar para os militares da ativa”. Pela lei, quem está na ativa não pode emitir opinião política. O documento foi encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A investigação sugere que tenha sido produzido numa reunião em novembro de 2022, depois das eleições que decretaram a vitória de Lula. Em depoimento à Polícia Federal, Freire Gomes disse ter tomado ciência da carta por meio do setor de Comunicação Social do Exército. Ele afirmou que se opôs aos planos golpistas e ordenou investigações para identificar os envolvidos.

A carta com o pedido de golpe ilustra o momento de convulsão que o Brasil vivia no fim do governo Jair Bolsonaro. Depois da confirmação de sua derrota, o país foi tomado por bloqueios de estradas e acampamentos em frente a quartéis pedindo uma descabida intervenção militar. A instabilidade desaguou no 8 de Janeiro, quando apoiadores de Bolsonaro, em ações coordenadas e violentas, invadiram as sedes do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Executivo, protagonizando uma das páginas mais tristes e vergonhosas da nossa História.

Graças à atuação firme das instituições republicanas, o Brasil manteve a normalidade democrática. E isso pressupõe respeito às leis. Como qualquer cidadão, militares da ativa podem ter convicções ideológicas ou preferências eleitorais. Mas não podem emitir opinião. Muito menos escrever ao comando do Exército pressionando por golpe de Estado. Isso é crime seja o autor civil ou militar, da ativa ou reformado.

Em que pese o golpismo de alguns, as Forças Armadas desempenharam até aqui seu papel constitucional com correção. Isso ficou patente quando se negaram a embarcar na aventura do golpe. Por isso mesmo os desvios devem ser rechaçados pela própria tropa e punidos na forma da lei, com amplo direito de defesa e sem qualquer vestígio de revanchismo. Quem errou deve responder por seus atos. É assim que funciona numa democracia.

Decisão sobre juro é teste para Galípolo no comando do BC

Valor Econômico

Espera-se que Galípolo mantenha independência de julgamento, apego aos dados e autonomia, como fez seu antecessor

Na primeira sucessão do Banco Central autônomo, Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária, foi indicado para ser o próximo presidente da instituição. A substituição de Roberto Campos Neto seguiu um ritual sugerido pelo próprio: a indicação ocorreu com bastante antecedência para que o Senado tenha tempo suficiente para avaliar o nome e decidir tempestivamente. Pelas críticas do presidente Lula à política monetária do BC e a Campos Neto, a quem considerava um adversário político, a transição, que poderia ser tumultuada, se transformou, como deve ser, em um processo ordenado e tranquilo.

Egresso do Banco Fator, Galípolo foi por alguns meses o braço direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como secretário executivo. Sua ascensão à diretoria do BC já prefigurava sua trajetória rumo à Presidência, confirmada ontem. Não se esperam problemas para sua ratificação pelo Senado, onde cultivou ao longo do tempo um bom relacionamento.

Como economista mais heterodoxo, sua chegada ao Banco Central, em julho de 2023, foi inicialmente recebida por boa parte dos investidores como um augúrio de uma guinada na política monetária rumo à leniência no cumprimento das metas de inflação e um alinhamento com as diretrizes econômicas do Planalto. Mas suas decisões têm mostrado um compromisso mais técnico e ele não tem feito oposição à conduta do colegiado do BC, considerado ortodoxo demais pelo presidente Lula, que acredita que os juros deveriam cair mais rápido.

Na reunião de maio, houve certo ruído porque Galípolo e mais três diretores indicados pelo atual governo votaram por um corte de 0,5 ponto na Selic, em uma decisão desempatada por Campos Neto, que defendeu corte menor, de 0,25 ponto. Foi quando os investidores enxergaram, com exagero, uma divisão na instituição que refletiria obliquamente o cisma lulistas contra bolsonaristas da cena política. O estrago da divisão nos preços dos ativos foi grande, mas, logo depois, Galípolo afirmou que cogitou também o corte de 0,25 ponto na ocasião. A impressão também foi alterada por votações subsequentes unânimes para interromper o ciclo de queda dos juros e, na última reunião, para deixar em aberto a possibilidade de novo aperto monetário.

A necessidade de uma carga maior de juros para conter uma inflação cujas expectativas se distanciam da meta divide os investidores. Parte deles vê as últimas declarações de Galípolo, de que a alta dos juros “está na mesa” do Copom, como um fato a ser consumado na reunião do Comitê em 17 de setembro.

A próxima reunião do Copom, da qual Galípolo participará como virtual novo presidente do BC, antecipa no calendário seu “batismo de fogo” à frente da instituição. Simplificadamente, a dúvida é se ele defenderá aumento de juros diante da contrariedade do Planalto com tal medida. Galípolo, no entanto, se mostrou alinhado com o colegiado do BC e assinou embaixo da advertência de que a autoridade monetária “não hesitará em elevar a taxa de juros” se for apropriado.

A adoção de uma política ainda mais contracionista, com juros altos, de 6% acima da inflação, não é uma decisão fácil, nem está claro ao mercado que é a mais adequada. Da reunião de julho até agora, não houve piora nas condições prospectivas da inflação. A política fiscal segue expansionista, embora em menor grau, porque o governo tentará cumprir a meta fiscal e se aproximará dela. O dólar, que havia disparado com temores de recessão nos EUA e espetacular mudança no fluxo de carry trade (busca de ganho com diferenças entre as taxas de juros dos países) após aumento de juros no Japão, recuou muito. A perspectiva mudou e é mais favorável: o Fed deu sinal verde para a queda de juros e a economia americana mantém a perspectiva de pouso suave.

Além disso, o boletim Focus prevê desaceleração da economia em 2025 (1,86%), com taxa Selic de 10% ao fim do ano que vem. Os juros futuros, em torno de 6% reais, apertam as condições de crédito, enquanto os efeitos defasados da política monetária apontam a economia ainda sob uma carga forte de Selic de 13,25% (setembro de 2023).

O IPCA-15, de 0,19% em agosto (4,35% em 12 meses), trouxe boas notícias. A média dos núcleos de inflação acompanhados pelo BC recuou. Mais importante, a inflação dos serviços subjacentes, hoje determinantes do processo de alta de preços, diminuiu de 5,15% para 4,72%, segundo cálculos da Warren Investimentos para a evolução trimestral dessazonalizada e anualizada. Na projeção mensal pelos mesmos parâmetros, involuiu de 6,5% em julho para 3% em agosto (Quantitas). Os serviços intensivos em trabalho tiveram a menor alta desde novembro. Alimentos, cujo papel baixista sobre o IPCA teria acabado, segundo o Copom, teve deflação em julho, que se mantém em agosto.

Com todo esse cenário, o mercado está dividido sobre a necessidade de alta dos juros. Alguns apostam que seria melhor esperar mais com a taxa a 10,5% do que elevá-la apenas um mês depois da interrupção do ciclo de baixa, enquanto algumas casas de investimento projetam alta imediata. O voto de Galípolo será observado com atenção e dará um sinal do que pode ser sua gestão à frente do BC. Espera-se que ele mantenha independência de julgamento, apego aos dados e autonomia, como fez seu antecessor.

Creche precisa ser tema nas eleições municipais

Folha de S. Paulo

Com falta de vagas nesses estabelecimentos, urge política para a primeira infância, e prefeituras têm papel fundamental

Um dos temas mais importantes a serem debatidos nas eleições municipais é o da educação na primeira infância (0 a 6 anos). Ações voltadas para essa faixa etária repercutem ao longo de todo o percurso escolar e no futuro profissional, o que contribui para a qualidade de vida dos indivíduos e o desenvolvimento do país.

Ademais, pesquisas evidenciam o papel de tais políticas na diminuição da desigualdade de gênero, já que a maternidade afeta os salários e a empregabilidade das mulheres.

O ponto de partida dessa trajetória é a creche, que atende a faixa de 0 a 3 anos. As deficiências brasileiras nessa seara, em quantidade e qualidade, são históricas, apesar de melhorias pontuais.

Segundo levantamento divulgado pelo Ministério da Educação na terça-feira (27), 632,8 mil crianças esperam por vagas em creches, e 44% dos municípios têm filas para esse serviço. Na pré-escola (4 e 5 anos), são 78,2 mil ausentes, sendo que metade (39 mil) não está em sala de aula por falta de vagas.

Pela lei, a matrícula na rede de ensino é obrigatória aos 4 anos, mas o Estado tem de atender o público de 0 a 3 anos se houver demanda.

De acordo com o Censo Escolar de 2023, 4,1 milhões estão em creches públicas e privadas, o que representa 39% das crianças nessa faixa etária. Apesar do aumento gradual (em 2005, a taxa era de 17%), não se atingiu a meta estipulada em 2014 pelo Plano Nacional de Educação, de 50% em 2024.

Há grande desigualdade regional também. Os índices são menores no Norte (21%), no Centro-Oeste (32%) e no Nordeste (35%); Sudeste e Sul (46%) estão acima da média nacional. A região amazônica de fato apresenta desafios, como a geografia e as enormes distâncias.

Creches são de responsabilidade das prefeituras, mas governos estaduais e federal têm obrigação de apoiar as redes municipais. Cumpre que o tema faça parte dos programas dos candidatos para as eleições que se avizinham.

A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu, no ano passado, dar continuidade a obras paradas no setor de educação, mas até o momento nenhuma foi retomada. De um total de 3.783 construções abandonadas, 1.317 (35%) são para creche e pré-escola.

Os principais gargalos da educação brasileira se concentram no ensino básico, cujo pilar é a atenção à primeira infância. Eliminação de filas e planos pedagógicos precisam ser prioridades locais.

Marçal testa limites

Folha de S. Paulo

Ante candidato antissistema, Justiça deve agir com celeridade e autocontenção

Pablo Marçal é um influenciador com discurso radical de direita antissistema. Em condições normais, seria um candidato nanico à prefeitura paulistana, pois sua legenda é o inexpressivo PRTB, que não tem direito a tempo de rádio e TV nem ao fundo partidário, recebendo tão somente uma migalha do fundo eleitoral.

Mas Marçal é um desses fenômenos da internet e subiu nas pesquisas do Datafolha, empatando na margem de erro com Guilherme Boulos (PSOL) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com quem disputa o voto bolsonarista. Cumpre aguardar novas sondagens de intenção de voto para verificar se a ascensão é efêmera ou mais durável.

Não são poucas as vulnerabilidades do postulante, que incluem uma condenação por furto qualificado, que acabou prescrita, e a acusação de vínculos com o PCC.

A conduta tresloucada de Marçal em manifestações públicas, quando se mostra disposto a ataques gratuitos e sem fundamento a adversários, criou problemas até para a organização dos debates.

A candidatura populista se tornou também alvo da Justiça Eleitoral, dado que em um curto período de tempo desde a pré-campanha acumulou um número expressivo de irregularidades em potencial.

A providência judicial mais dura até aqui foi a suspensão dos perfis de Marçal nas redes sociais, a partir do argumento de que o candidato comete abuso de poder econômico ao premiar com dinheiro seguidores que divulgam na internet vídeos curtos de participações dele em entrevistas e debates.

O efeito prático da medida, porém, foi favorecer o punido —que criou novas contas, reforçou seu discurso de vítima do establishment e teve sua visibilidade multiplicada nas plataformas digitais.

Nos meios político e jurídico, avalia-se que os desmandos de Marçal podem levar até à inabilitação de sua chapa. Já houve, por parte do Ministério Público Eleitoral, um pedido de suspensão da candidatura, negado em primeira instância.

Se tem a obrigação de zelar pelo cumprimento de uma legislação por vezes muito detalhista, a Justiça Eleitoral precisa atuar com celeridade, de modo a tomar as decisões antes da abertura das urnas, e também autocontenção.

Na democracia, cabe aos eleitores, não a magistrados, definir quem serão os governantes. Idealmente, portanto, as cortes deveriam reservar inabilitações e cassações a raras e extremas situações.

Gás eleitoral

O Estado de S. Paulo

De olho na eleição de 2026, governo propõe quadruplicar as despesas com o Auxílio Gás e o número de famílias alcançadas pelo programa num arranjo que parece driblar regras fiscais

O governo Lula da Silva anunciou que pretende quadruplicar o gasto com o Auxílio Gás dos atuais R$ 3,4 bilhões para R$ 13,6 bilhões até 2026. Na nova versão, o programa será rebatizado de Gás para Todos e passará a atender quase 21 milhões de famílias às vésperas da eleição presidencial. Atualmente, o Auxílio Gás atende 5,6 milhões de famílias, que recebem um benefício equivalente à compra de um botijão de gás a cada dois meses.

A partir de agora, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Caixa Econômica Federal ganharão protagonismo na operacionalização do programa. A ANP deverá credenciar as revendedoras que desejarem participar do programa e definir um preço-teto para o botijão, e a Caixa receberá repasses diretos da União e da estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA) para remunerar o comércio.

Na avaliação do governo, a forma como o programa original foi elaborado não combate a pobreza energética, dado que os botijões são caros e os beneficiários preferem gastar o dinheiro que recebiam por meio do Auxílio Gás com outros itens, recorrendo ao uso de lenha, álcool e carvão para cozinhar – fontes mais baratas e perigosas.

Se esse é o problema, o programa não vai resolvê-lo. Ao contrário: tende a aumentar a demanda e a fazer com que os preços dos botijões subam ainda mais. Estabelecer um preço-teto nesse cenário será inócuo. Ademais, nada impede que os beneficiários revendam o botijão ou troquem-no por outros produtos.

Para as distribuidoras, de fato, a medida do governo é excelente, pois terão a garantia de que esses recursos chegarão a elas, uma reclamação recorrente do setor sobre o desenho atual do Auxílio Gás. Hoje, os beneficiários precisam ser “convencidos” a gastar os recursos que recebem com os botijões, um incentivo para que elas pratiquem preços mais baixos ou ao menos mais competitivos que os de seus concorrentes.

Há também problemas fiscais relacionados à iniciativa. Como não há espaço no Orçamento para elevar esses gastos, o governo pretende fazer repasses diretos à Caixa para bancar o programa. O projeto também autoriza a PPSA a enviar ao banco os valores equivalentes às receitas de comercialização da venda do excedente em óleo do pré-sal, que serão deduzidos das obrigações da empresa com a União em um encontro de contas.

Na Exposição de Motivos do projeto de lei, o governo afirma que a proposta é “meramente autorizativa” e “não implica redução de receita pública”. Não parece crível, e cabe à equipe econômica esclarecer algumas questões, entre elas a forma como as receitas e despesas do programa serão contabilizadas no Orçamento – se é que os recursos vão transitar por lá.

O secretário executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, disse não saber o tamanho da renúncia, que dependerá do desenho final da proposta, e afirmou que é possível que o programa exija ajustes, via redução de gastos obrigatórios ou discricionários ou redução de espaço das despesas no futuro.

Já o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, atribuiu a autoria do projeto ao Ministério de Minas e Energia e afirmou que a Fazenda avaliou somente a compatibilidade da proposta com o arcabouço fiscal e o Orçamento. Segundo ele, o programa não consumirá o corte de gastos de R$ 25,9 bilhões previsto para 2025.

O governo tem todo o direito de propor políticas públicas como a ampliação do Auxílio Gás, desde que siga os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e arque com o custo político e econômico de suas decisões. Bastaria prever, na peça orçamentária, a elevação das alíquotas de impostos, ampliação da base de cálculo ou criação de novos tributos e submetê-las ao Congresso.

Enquanto cobra austeridade do Congresso, o governo recorre a subterfúgios para financiar uma proposta que mira o horizonte eleitoral e que parece driblar o arcabouço fiscal. Em meio ao embate sobre a participação das emendas parlamentares no Orçamento, fica a impressão de que há dois pesos e duas medidas em se tratando de gastos, e que a ideia só é ruim quando ela não vem do governo.

O dever de condenar Maduro

O Estado de S. Paulo

Após relatos de que Maduro estaria prendendo e torturando adolescentes por ‘atos terroristas’, a Lula não cabe outra posição digna que não a condenação veemente do regime chavista

O ditador Nicolás Maduro está babando de ódio pela oposição desde que sua fraude para se aferrar ao poder ficou evidente não só para a esmagadora maioria da população da Venezuela, como também para todos os países que prezam pela democracia e pelos direitos humanos. A sanha persecutória de Maduro parece ter atingido um patamar de violência inaudito até para o conhecido padrão de crueldade do regime chavista. Segundo fontes ouvidas pelo jornal The Washington Post, Maduro teria lançado seus meganhas contra mais de uma centena de menores de idade acusados de praticar “atos terroristas”, como passaram a ser tratadas pelo regime de Caracas quaisquer manifestações de repúdio à subversão da vontade popular consagrada nas urnas.

De acordo com esses relatos, as forças de segurança de Maduro, sem falar nas temidas milícias a serviço do Palácio de Miraflores, conhecidas como “Coletivos”, teriam sequestrado 120 adolescentes, vários deles arrancados do seio de suas famílias por homens armados até os dentes em plena madrugada, para serem jogados em prisões onde estariam sendo submetidos a suplícios de toda ordem. Esses menores estão entre os cerca de 1,6 mil venezuelanos que já foram presos a mando de Maduro após a irrupção de uma onda de protestos que varreu o país vizinho desde que a fraude eleitoral restou cabalmente comprovada por instituições insuspeitas, como o Carter Center.

Além da prisão arbitrária desses adolescentes – que não têm sequer permissão para serem assistidos por advogados e tampouco podem manter contato com seus familiares –, os mastins de Maduro ainda estariam praticando uma segunda violência contra seus próprios concidadãos. Há denúncias de que pais e mães, não raro pobres, têm sido extorquidos pelos policiais chavistas para que paguem – em dólar, claro – pela alimentação de seus filhos no cárcere ou por um brevíssimo contato físico com eles.

Que tipo de tratamento merece um governo que põe as suas forças de segurança para caçar cidadãos, inclusive menores de idade, que simplesmente ousaram contestar o resultado de uma eleição ou às vezes nem isso?

Pela pletora de barbaridades que Maduro cometeu desde muito antes da eleição de 28 de julho – apenas o encerramento de um ciclo de arbitrariedades para conspurcar o processo eleitoral –, o presidente Lula da Silva, do alto da condição de chefe de Estado e de governo da maior economia da América do Sul e segunda maior democracia das Américas, já deveria ter parado de ser complacente com o tirano bolivariano.

Agora, diante desses relatos de prisão e tortura de adolescentes, Lula tem o dever moral de abandonar a infame posição de espera pela divulgação das atas eleitorais na qual se colocou – além de insistir na realização de uma nova eleição, um prêmio para quem a violou – para condenar de forma inequívoca a fraude e a violência perpetradas por Maduro. Essa seria a atitude digna do presidente da República a essa altura, se não por zelo à própria biografia, ao menos por coerência, haja vista que o petista faz questão de se projetar como articulador de uma formidável frente global em defesa da democracia. Ademais, enquanto finge não ver as atrocidades de Maduro, Lula não escolhe palavras quando se trata de condenar países alinhados aos Estados Unidos, como Israel e Ucrânia, mesmo quando exercem seu direito de se defender.

Não cabem mais reticências. Não cabe mais tergiversação. Talvez Lula ansiasse por normalizar a presidência de Maduro, decerto esperando que ele vencesse uma eleição verdadeiramente limpa, ainda que comprada pela dinheirama que governos populistas costumam derramar sobre os estratos mais vulneráveis da população antes do pleito. O governo petista talvez só não esperasse que quase 70% dos eleitores venezuelanos – os que não foram impedidos de votar pelo regime – dissessem um sonoro “não” à perpetuação do caudilho no poder. E agora parece paralisado diante da surpresa.

O caminho é claro. Qualquer posição que não seja o reconhecimento de uma fraude para lá de comprovada é uma posição mais que ridícula: é cúmplice.

A história que se repete na Vale

O Estado de S. Paulo

Escolha de presidente encerra especulações, mas não a pressão do governo na mineradora

A solução interna da Vale, com a escolha do vice-presidente financeiro, Gustavo Pimenta, para presidir a mineradora, encerra meses de especulações em torno do interesse do presidente Lula da Silva em ter um executivo de sua confiança no comando da empresa. Mas está longe de pôr um ponto final na tensa relação entre o governo e a Vale, como Lula fez questão de deixar claro ao retomar, já no dia seguinte ao anúncio, o discurso em que compara a companhia a um cachorro com muitos donos que “ou morre de fome ou morre de sede, porque todo mundo pensa que colocou água, todo mundo pensa que deu comida e ninguém colocou”.

O presidente já recorreu a essa mesma comparação esdrúxula para descrever o modelo de corporation, adotado pela Vale desde 2020, no qual nenhum acionista pode deter mais do que 10% do capital e não há controlador definido. Mais de uma vez, Lula da Silva se mostrou ainda mais ressentido com a pulverização do capital do que com a própria privatização da empresa, na década de 1990, até hoje abominada pelo PT.

Quando Lula assumiu seu primeiro mandato, em 2003, a Previ (caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil) e a Bradespar (empresa de participações do Bradesco) estavam no controle da mineradora, que tinha também o BNDES como acionista relevante. Roger Agnelli, que presidia a empresa desde 2001, era presença constante em cerimônias com Lula, que cobrava, dele e da Vale, investimentos e projetos como se a mineradora fosse um ministério de seu governo.

Ao longo de seus dois primeiros mandatos, as exigências em nada se diferenciavam das de agora, duas décadas depois. A Vale foi obrigada a investir em siderúrgicas, das quais já saiu. Também foi pressionada a encomendar em um estaleiro ainda não concluído um navio graneleiro que acabou importando da China. As relações de Lula com a direção da Vale começaram a azedar durante a crise de 2008, quando a empresa demitiu 1.300 funcionários sem aviso prévio ao governo, e chegaram ao ápice em 2011, no governo de Dilma Rousseff, quando Agnelli deixou a empresa sob forte pressão do governo.

Agora, Lula da Silva ataca a Vale pelo desastre de Brumadinho, um tema de forte apelo popular, e o governo cobra um adicional pela concessão das ferrovias Vitória-Minas e Carajás, que a empresa mantém para escoamento do minério. A renovação ocorreu na gestão Bolsonaro, mas o governo questiona valores. O acordo pode envolver cifras que vão de R$ 8,5 bilhões a R$ 20 bilhões, segundo estimativas de mercado. São dois casos que testarão a capacidade de negociação do novo presidente da Vale.

Mas o que efetivamente testará o jogo de cintura de Gustavo Pimenta é a formidável pressão para fazer da Vale a vanguarda do desenvolvimentismo estatólatra tão caro ao lulopetismo. Não é à toa que Lula tentou emplacar Guido Mantega no comando da empresa, na certeza de que o fidelíssimo ex-ministro transformaria uma empresa extremamente competitiva – porque toma decisões estratégicas baseadas nos interesses de seus acionistas – num “cachorro” dócil a serviço da ideologia antediluviana do PT.

Creche deve ser compromisso público

Correio Braziliense

Quase metade dos municípios brasileiros, 44%, tem fila de espera para matrícula em creches. São mais de 630 mil crianças privadas da vivência em um ambiente que promove o desenvolvimento integral

Quase metade dos municípios brasileiros, 44%, tem fila de espera para matrícula em creches. São mais de 630 mil crianças, com até 4 anos, privadas da vivência em um ambiente que promove o desenvolvimento integral desde a primeira infância. Os dados fazem parte do Retrato da Educação Infantil no Brasil — Acesso e Disponibilidade de Vagas, divulgado, na terça-feira, pelo Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) e o Ministério da Educação (MEC). O levantamento feito nos 5.569 municípios e no DF mostra, ainda, que, entre aqueles que não planejam expandir as vagas (35%), 23% mantêm cadastrados meninos e meninas que aguardam a oportunidade. Os números revelam, no mínimo, uma desconexão entre as necessidades das famílias e as prioridades de seus representantes, além de um desmerecimento institucionalizado dos benefícios atrelados ao acesso ampliado à educação infantil.

Há de se ressaltar que a educação infantil é competência prioritária dos municípios e, apesar de, no país, a frequência em creche não ser obrigatória, é dever do Poder Público ofertar vagas às famílias que apresentam essa demanda, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e ratificado, em 2022, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, quando questionados sobre o não planejamento para a expansão de vagas, 11% dos municípios alegam não saber elaborar um plano e 3% dizem não ter tempo hábil para isso. Ou se tratam de argumentos infundados ou de justificativas que revelam um despreparo técnico crítico na condução de uma área estratégica da gestão pública.

Além da quantidade, espera-se equidade nos serviços de educação infantil. Para o Gaepe-Brasil, é necessário um plano de expansão de vagas de creche para atender toda a demanda existente no país, mas havendo lista de espera, deve-se considerar as desigualdades sociais. Os municípios parecem estar em uma situação menos pior nesse quesito. Dos que adotam critérios para priorização de matrícula (44%), 64% têm como principal aspecto a situação de risco e vulnerabilidade das crianças sem vaga. 

Porém, apenas 23% consideram como prioridade o fato de a criança ter mãe solo ou adolescente. É sabido que a presença de meninos e meninas nas creches é essencial para a inserção da mulher no mercado de trabalho de forma promissora. Também é solução para uma realidade comum nos lares carentes do país: crianças cuidando de outras crianças. Além de conflitante com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a prática acaba por ampliar a crise educacional brasileira, já que a criança mais velha, e também a mãe adolescente, tende a ter seu desempenho escolar comprometido por assumir responsabilidades de adultos.

Uma das frentes do governo federal para amenizar o problema está inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê a construção de 2,5 mil creches até 2026, sendo o primeiro edital, com 1.178 unidades, contemplando áreas de vulnerabilidade social. Há ainda a promessa de concluir obras paralisadas por meio do Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação Básica. A solução deve passar também pela ruptura de um legado de não compreensão da criança como um ser social de direito — desafio a longo prazo, envolvendo múltiplos atores, incluindo professores — e pela escolha de gestores municipais comprometidos, de fato, com a educação infantil.



 

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa matéria do jornalista da folha de São Paulo está interessante, ele o tempo todo Sugere a justiça eleitoral para caçar a chapa do Pablo Marçal porque ele é uma pessoa má para ser candidato , e no final diz que na democracia quem decide quem vai governar é o eleitor ou seja parece um tucano e não petista Porque no final desdisse todo o conteúdo anterior do texto que defendia a censura e o cancelamento da candidatura do Marçal
Mas em resumo da ópera, no andar da carruagem o Marçal vai ser eleito no primeiro turno