Folha de S. Paulo
Eleitores que detestam republicano, mas não
podem dizer isso em público, devem decidir eleição
Se a diferença nas pesquisas dos estados mais
importantes for pequena, Trump vai perder. E pelo mesmo motivo que o levou à
vitória quando as pesquisas indicavam que estava atrás de Hillary Clinton: o
voto dos envergonhados.
Na primeira eleição de Trump, muitos tinham vergonha do seu discurso, mas ainda assim queriam votar nele. Quando lhes foi perguntado, seja por amigos, seja em pesquisas de intenção de voto, em quem votariam, simplesmente mentiam ou diziam que estavam indecisos. Esse efeito também explica por que os partidos europeus de extrema direita normalmente conseguem mais votos que as pesquisas indicam.
Só que agora é o contrário. Donald Trump é
hoje o dono do Partido
Republicano; ninguém ousa se opor publicamente a ele. No passado, o
partido tinha até uma corrente chamada "Trump Nunca", pois
acreditavam que esse culto de personalidade seria um desserviço a nação. Desse
grupo, fazia parte até mesmo J.D. Vance, recentemente escolhido por
Trump para compor sua chapa como vice-presidente.
Todavia, os que criticavam Trump dentro do
partido perderam primárias para candidatos mais extremistas, mudaram seu
discurso ou se aposentaram. J.D. Vance chegou a bradar que Trump seria o Hitler americano, enquanto Mitch Romney, um dos
poucos que continuaram a criticar abertamente o então presidente, perdeu qualquer capital político dentro do partido que
ainda tinha depois de ser o candidato a presidente derrotado em duas eleições
presidenciais.
Muitos eleitores republicanos detestam Trump,
mas não podem dizer isso em público (e às vezes nem mesmo em suas residências)
sem serem vistos como traidores. Esses eleitores devem decidir a eleição, assim
como aqueles que tinham vergonha de votar em alguém que acusava o México de mandar estupradores para os EUA e que o certo
era agarrar mulheres pelas partes íntimas.
Hoje, a retórica é ainda pior, já que Trump
disse que iria acabar com esquerdistas que viviam como vermes ou que
imigrantes estariam envenenando o sangue dos americanos, imitando
expressões nazistas. Para seus fiéis seguidores, Trump poderia até matar alguém
em plena luz do dia na Quinta avenida que não perderia votos, como ele mesmo disse, mas retórica nazista pode jogar muita
gente no colo dos democratas.
As bolhas de internet não são o mundo real,
não porque as pessoas são diferentes, mas pela forma como a comunicação se dá
nesse meio. Os extremos chamam a atenção, enquanto comportamento ou debate
normal é jogado para escanteio. A mídia tradicional também às vezes funciona
assim. Jornais não reportam as centenas de assassinatos diários no Brasil. Já
nos acostumamos com a barbárie. Ainda assim, a maior parte dos jornais ainda é
sobre fatos importantes do cotidiano político, econômico e esportivo.
Mas isso não quer dizer que, entre as dezenas
de milhões de pessoas que vivem sua vida normalmente, sem ficar na internet por
horas, esse tipo de comportamento vá ser validado. Alguns estudos indicam que
a polarização tem realmente aumentado, com 75% da base de eleitores apoiando qualquer absurdo dos
seus candidatos e a polarização sendo alimentada pelos próprios aspirantes à
Casa Branca, que assim conseguem mais doações
para suas candidaturas.
É a economia, estúpido, disse James Carville em 1992. Estudos
indicam que não necessariamente mais, o que torna os resultados mais incertos.
Ainda assim, os 25% que faltam devem decidir a eleição. Quietos.
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