Por Hugo Henud / O Estado de S. Paulo
Para Jairo Nicolau, professor da FGV, a ausência de novas lideranças na esquerda capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado explica o desempenho eleitoral aquém do esperado desse campo político: ‘Eleitor vota em líderes, não em partidos’
A esquerda brasileira enfrenta um desafio
crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo
perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas
têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político
e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta
mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com
ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por
afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto
nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo
terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e
evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas
siglas nas eleições municipais.
Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia
que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido
destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas
eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João
Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua
pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na
disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com
articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam
preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.
Quanto à projeção para 2026 e aos “recados”
das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos
destinados por meio de emendas
parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus
redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar
esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos.
“Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores
distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.
Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:
A esquerda enfrentou dificuldades em várias
capitais e grandes centros urbanos. Na sua avaliação, o que explica essa perda
de terreno, especialmente em regiões que antes eram redutos tradicionais desse
campo político?
Vou trazer um elemento que me parece crucial
para a esquerda hoje: a ausência de lideranças. O que está faltando à esquerda
são justamente novas lideranças, mais do que ideias, porque o Brasil não é um
país onde as pessoas votam em partidos pelas ideias. Um exemplo disso são as
novas lideranças da direita, como Nikolas
Ferreira. São muitas lideranças de direita que estão surgindo nos últimos
anos. Por outro lado, quantos jovens com menos de 40 anos existem entre as
lideranças de esquerda? Quase nenhum. Veja as eleições em São Paulo: a
discussão na capital paulista gira em torno de três personagens – Nunes, Boulos e Marçal.
Quer dizer, quem falou em partido, quem falou em doutrina em São Paulo?
Ninguém. No caso de Marçal, não é sobre suas ideias, mas sim sobre ele como
figura, como pessoa física, que atraiu o eleitorado. Quem fala em partido? Quem
fala em programa? São os nomes que se destacam: Lula, Jair
Bolsonaro, Pablo Marçal, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Nikolas. Faltam à
esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual.
E quanto ao desempenho do PT nessas eleições?
Há uma percepção de que políticas públicas assistencialistas, por exemplo, já
não são suficientes para assegurar a adesão eleitoral.
Os partidos de esquerda, diante do insucesso
em algumas cidades e de certo cansaço com políticas públicas do governo Lula,
precisam fazer um balanço. Mas, se me perguntassem o que eu sugeriria para um
partido de esquerda formar novos quadros ou discutir propostas para o Brasil,
eu diria: formar novas lideranças. O eleitor vota em líderes, não em partidos.
Quem são, hoje, os nomes do PT? Faltam às siglas de esquerda lideranças emergentes que possam se comunicar, nas cidades e nas câmaras, com um Brasil que mudou. Um país onde as pessoas são mais escolarizadas, mais religiosas; onde a elite é menos homogênea racialmente — ainda majoritariamente branca, mas em transformação. Um Brasil em que as pessoas se conectam pelas redes sociais e por novos meios. Esse novo Brasil demanda novas lideranças. Aqui, os partidos dependem de líderes mais do que em outros países, e o que falta à esquerda, mais que programas, são lideranças capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado. O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas.
Qual partido conseguiu, de fato, dialogar
melhor com os eleitores evangélicos nessas eleições? Os resultados mostram que
partidos de centro e direita tiveram mais sucesso nesse público. Quais fatores
ajudam a explicar esse desempenho?
Esse é um fenômeno recente. Nem sempre a
esquerda teve dificuldades. Lula já foi eleito presidente com o apoio das
principais denominações evangélicas, em 2002 e 2006. O que aconteceu é que
parte da agenda comportamental, antes pouco politizada, foi politizada e atraiu
os evangélicos para a direita. E isso ocorreu porque a direita apresentou
líderes que dialogam diretamente com esse segmento, enquanto a esquerda não
apresentou quase nenhum representante no segmento. Sabe como os partidos de
esquerda vão se aproximar dos evangélicos? Quando tiverem um dirigente do PT,
por exemplo, que seja evangélico, carismático e que as pessoas realmente
gostem. Assim, eles chegam aos evangélicos. O Brasil funciona em função de
nomes.
Como o senhor avalia a atuação do governador
Tarcísio de Freitas nestas eleições? Ele sai politicamente fortalecido para
2026?
O Republicanos, partido de Tarcísio, teve um
bom desempenho, o que, sem dúvida, o fortalece como uma liderança importante no
Estado. No entanto, prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes
com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam,
necessariamente, preditores de sucesso nas eleições seguintes. Veja o caso de
Doria: enquanto prefeito e, depois, governador, muitos analistas o apontavam
como um dos principais nomes para a eleição presidencial de 2022, mas isso não
se concretizou. O mesmo vale para Serra, Cabral, Alckmin... Portanto, não é tão
simples assim.
Olhando para o cenário nacional, os
resultados municipais podem influenciar as eleições de 2026?
Os resultados municipais nunca influenciaram
resultados nacionais. Resultados municipais servem para uma reconfiguração da
distribuição dos partidos como as câmaras municipais, prefeitura, e essa
mudança acontece de maneira tênue. Mas mostra padrões, tendências...
Existe um “recado” das urnas que já sinaliza
tendências?
Com esses resultados, acho que dificilmente a direita deixará de dominar a Câmara dos Deputados, com cerca de 60% a 70% dos assentos. Posso dizer isso com certa segurança. A direita, provavelmente, será majoritária no Senado e elegerá muitos nomes. Também está ocorrendo uma clara compactação do sistema partidário brasileiro e uma redução da dispersão, tornando a vida muito difícil para os pequenos partidos devido à reforma política e à cláusula de desempenho [medida que limita o acesso de partidos com pouca votação ao fundo partidário e tempo de propaganda em rádio e TV]. Outro ponto: um partido central da política brasileira até 2016 está em um processo contínuo de declínio preocupante, que é o PSDB. Eu diria que, se o PSDB não tivesse dois governos de Estado, hoje três, estaria uma situação ainda mais complicada. Já os partidos da esquerda precisam se movimentar.
O senhor avalia que as emendas parlamentares
tiveram um papel decisivo no apoio de lideranças locais nas campanhas
municipais? Até que ponto essas emendas podem influenciar os resultados das
eleições e o processo de renovação política?
O que vai começar a atrapalhar a renovação é a combinação dos recursos de financiamento público com as emendas parlamentares, que subiram a valores astronômicos. Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases. Quando chegarmos a 2026, com as redes que esses políticos montaram — que já apareceram nas eleições municipais em algumas cidades — será muito difícil que um deputado ou senador não seja reeleito. Hoje, um deputado está em uma posição muito melhor do que seus colegas de 10 ou 20 anos atrás, quando as emendas ainda não eram obrigatórias. Agora, são valores de milhões, que superam até o orçamento de pequenas cidades no Brasil. Esses recursos são distribuídos a cidades, organizações da sociedade civil e entidades estatais; ou seja, todos os aliados do político. Em 2026, provavelmente veremos uma redução na renovação, porque os políticos que já ocupam cargos estão em uma situação muito mais favorável do que seus desafiadores.
Um comentário:
Muito mais que a renovação de líder à esquerda se afastou do eleitor pela sua origem marxista que separa O capital e o trabalho sendo os dois um dependente do outro e inerente da vida
Acrescentando isso ao valor e a importância que a esquerda dá asfalta dente áreas completamente fora da média do eleitor brasileiro que é conservador cristão e preza pela família
Para acabar com o prestígio que ainda tinha , ao assumir esse viés autoritário do. PT apoio do STF censurando, perseguindo e prendendo a oposição está afastando mais ainda o eleitor
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