Déficit de empresas estatais aumenta preocupação fiscal
O Globo
Depois de saneamento, rombo voltou no governo
Lula e atingirá maior valor nos últimos dez anos
Não bastasse o desequilíbrio nas contas do
governo, as estatais federais encerraram os primeiros oito meses do ano com
déficit de R$ 3,4 bilhões, o equivalente a 0,04% do PIB, segundo o Banco
Central. A projeção, mantida a tendência até dezembro, é que fechem 2024
com R$ 3,7 bilhões no vermelho, o pior resultado em dez anos (em 2014, as
estatais registraram déficit de R$ 3,5 bilhões, em valores corrigidos).
Consideradas também as estatais estaduais e municipais, o rombo equivale a 0,1%
do PIB (ou R$ 7,2 bilhões), o mais alto na série histórica iniciada em 2002.
O valor de 0,1% do PIB pode parecer pequeno, mas faz diferença num momento em que o governo pena para cumprir uma meta fiscal que varia de déficit de 0,25% a superávit de 0,25%. “Esse déficit alguém tem que pagar, e quem vai pagar somos nós, evidentemente”, afirmou o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, ao comentar o assunto no Jornal Nacional.
Pela série histórica iniciada em 2002, os
anos em que as empresas da União fecharam no vermelho se concentram nos
primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na gestão Dilma
Rousseff. Sob Michel Temer e Jair Bolsonaro, houve um programa de saneamento
nas contas das estatais federais dependentes do Tesouro — critério que inclui
apenas empresas que entram no Orçamento da União e não as submetidas a regras
de mercado, como Petrobras ou bancos públicos. Mas elas voltaram ao vermelho no
atual governo Lula, como mostra o gráfico elaborado pelo Valor Data exibido
nesta página (abaixo).
A explicação oficial é que os números
refletem uma ilusão contábil. De acordo com essa versão, as empresas receberam
aportes bilionários do Tesouro para sanear suas contas, por isso acumularam
superávits. Passaram a apresentar déficits agora, na narrativa oficial, apenas
porque voltaram a investir. É o caso, diz o governo, da Emgepron, que recebeu
R$ 10 bilhões do Tesouro entre 2017 e 2019 para construir navios. Os recursos
não foram gastos e contribuíram para o superávit das estatais na ocasião.
Agora, a empresa voltou a construir quatro fragatas da classe Tamandaré e o
navio polar Almirante Saldanha, com isso registrou prejuízo de R$ 1,2 bilhão só
até julho.
Não é preciso ser especialista em contas
públicas para desmontar a lógica primária dessa narrativa. O governo
fez o aporte para tapar o rombo e sanear as estatais, não para que elas
gastassem esse dinheiro abrindo um novo buraco. Para as gestões petistas, é
como se o déficit em si fosse benigno, por resultar em alguma obra ou produto.
A realidade é outra. Preservadas da competição pelo influxo de recursos do
Tesouro, as estatais se tornam ineficientes e improdutivas (não há, por sinal,
melhor exemplo disso do que as sucessivas tentativas de reerguer o setor
naval). Ao mesmo tempo, cedo ou tarde o déficit tem de ser coberto pelo
Tesouro, seja por transferência financeira ou por aumento de capital. Com as
contas do Tesouro no vermelho, isso resulta em aumento da dívida pública, cuja
trajetória ascendente é a maior responsável pelos juros altos e pelas
dificuldades de crescimento.
Ao transferir recursos às estatais para que
elas façam investimentos — mesmo que necessários —, o governo entende que elas
são uma engrenagem importante para induzir o crescimento. “O governo usa esses
recursos fora do Orçamento para manter a economia aquecida”, disse à GloboNews
o economista Gabriel Barros, da ARX Investimentos. Só que isso se soma à
profusão de gastos por fora do arcabouço fiscal —ou gastos parafiscais — que
tem contribuído para deteriorar a credibilidade do governo e a confiança no Brasil.
Para piorar, assim como aconteceu nas gestões
petistas anteriores, a injeção de recursos nas estatais tem sido abatida das
metas. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano permite a dedução de
até R$ 5 bilhões usados em projetos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), uma nova modalidade do que se convencionou chamar de “contabilidade
criativa”. Uma administração das contas públicas que se preocupasse com os
efeitos negativos dos déficits procuraria compensá-los no próprio universo das
estatais, sem transferir a conta ao Tesouro. Do contrário, nas palavras do
economista Josué Pellegrini, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente,
“vai bater na dívida pública, isso não tem conversa”. Por enquanto, o que
aparece é positivo. Mais à frente, a conta é cobrada. “São políticas que não se
sustentam”, afirma Pellegrini.
Por fim, falta transparência. Faz quase dois
anos que o Ministério da Gestão e Inovação e sua Secretaria de Coordenação e
Governança das Empresas Estatais (Sest) não divulgam o boletim com informações
das empresas públicas. “Se os resultados dos investimentos são tão positivos
como as empresas mencionaram, por que não temos boletim trimestral publicado há
dois anos?”, questiona Barros. Boa parte do saneamento financeiro dos governos
anteriores pode ter sido revertida nesse período. “Por mais que se faça exercício
de metodologia, as estatais têm déficit, o déficit está piorando, e isso
prejudica a trajetória das contas públicas que já não é positiva”, diz Barros.
No fim, o contribuinte pagará pelo malabarismo contábil e pela incúria fiscal.
Datafolha mostra eleições parecidas em São
Paulo
Folha de S. Paulo
Como em 2020, incumbente tem vantagem sobre
Boulos, que enfrenta rejeição; disputa não reproduziu polarização nacional
Na véspera da votação decisiva para a
prefeitura paulistana, o quadro descrito pelo Datafolha pouco
difere do observado quatro anos atrás.
Antes e agora, o incumbente lidera com
vantagem considerável. Em 2020, Bruno Covas (PSDB) tinha 55%
das intenções de votos válidos, ou seja, já desconsiderados brancos e nulos.
Hoje, Ricardo
Nunes (MDB),
que assumiu a administração municipal com a morte do tucano, tem 57%.
O postulante oposicionista é o mesmo. Guilherme
Boulos (PSOL),
apoiado desta vez pelo Planalto, permanece em patamar semelhante na preferência
do eleitorado —eram 45% na véspera do segundo turno do pleito anterior, são
43% na pesquisa divulgada neste sábado (26).
As duas eleições,
ademais, mostraram o apelo de candidatos à direita de perfil antipolítico. Em
2020, Celso Russomano (Republicanos) chegou a liderar pesquisas no primeiro
turno, no entanto viu seus percentuais despencarem na reta final. Neste
2024, Pablo
Marçal (PRTB),
com discurso mais radicalizado, por
pouco ficou fora da segunda rodada.
Prevaleceram, no entanto, as forças
partidárias mais organizadas e inseridas na institucionalidade. De um lado, uma
aliança de siglas de centro e centro-direita, que com Nunes incorporou também
o PL de Jair
Bolsonaro; de outro, a aposta de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) para
revitalizar a esquerda na metrópole.
Nenhum dos grupos chega perto de ser alguma
potência eleitoral —ambos obtiveram perto de 30% dos votos válidos há três
semanas. Mais uma vez, repetiu-se o padrão da disputa passada, se somados os
votos dados ao PSOL e ao PT, que então havia lançado um candidato próprio.
O prefeito emedebista se vale da inércia. Seu
campo é vitorioso desde 2016, quando o ex-tucano João Doria se
elegeu com uma plataforma liberal hoje mais diluída. Conta também com inaudita
folga no Orçamento para obras e outros investimentos.
Sua gestão, contudo, não tem merecido mais do
que índices modestos de aprovação dos paulistanos, e suas intenções de voto
recuaram nas últimas semanas de tempestades e apagões.
Já Boulos, salvo uma improvável reviravolta
de última hora, não conseguiu superar o teto imposto pela elevada rejeição a
seu nome e à esquerda —cujo último prefeito eleito foi Fernando Haddad, em
2012, quando a administração federal petista anda gozava de grande
popularidade.
Os esforços do psolista para avançar entre
votantes de outras inclinações começaram por afastar-se de bandeiras de seu
partido e culminaram em participar de uma inusitada sabatina organizada por
Pablo Marçal.
Lula acabou por envolver-se pouco na campanha
do segundo turno, como fez Bolsonaro em relação a Nunes. A eleição na cidade
mais rica e populosa do país, assim, não foi mera extensão da polarização
ideológica que caracteriza a política nacional nos últimos anos. E isso foi
bom.
Enfim, um acordo para indenizar as vítimas de
Mariana
Folha de S. Paulo
Após nove anos, chega-se a um entendimento
para que Vale e BHP paguem R$ 170 bi a afetados por rompimento de barragem
No dia 5 de novembro de 2015, 43,8 milhões de
m³ de rejeitos de mineração foram despejados no meio ambiente quando
a Barragem do Fundão, operada pela Samarco, se rompeu em Mariana (MG).
A tragédia soterrou distritos, ceifou 19
vidas, deixou centenas de desabrigados e causou danos ecológicos em Minas
Gerais e no Espírito Santo, com a contaminação do Rio Doce e afluentes.
A dimensão da calamidade contrasta com a
demora para a empresa (joint-venture formada pelas mineradoras BHP e Vale) e o poder
público firmarem a repactuação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta
(TTAC) para ressarcimento pelos danos.
A
assinatura se deu na sexta (25), com participação de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), membros
do Ministério
Público Federal e estaduais e dos governadores Romeu Zema (Novo-MG)
e Renato Casagrande (PSB-ES).
A repactuação do TTAC foi firmada em junho de
2018. Contudo, após dois anos, não alcançou objetivos concretos. Em junho de
2021, nova negociação teve início, mas foi encerrada em setembro de 2022. Em
maio do ano passado, as tratativas recomeçaram. No total, foram necessárias
mais de 300 reuniões para que o acordo fosse enfim concluído.
O TTAC estabelece que as mineradoras arquem
com R$ 170 bilhões, sendo R$ 100 bilhões a serem pagos em 20 anos a municípios,
estados, famílias e organizações afetadas, e R$ 32 bilhões para retirada de
rejeitos do Rio Doce e demais indenizações.
Outros R$ 38 bilhões já teriam sido
destinados à Fundação Renova, entidade responsável pela reparação dos impactos
da tragédia criada em 2016 e que será extinta com o acordo.
Enquanto a repactuação ainda era negociada,
em 2019, a
barragem da Mina de Córrego do Feijão em Brumadinho (MG), controlada pela Vale,
se rompeu, causando a morte de 270 pessoas e a poluição do Rio Paraopeba.
Em acordo firmado com o governo de Minas Gerais em 2021, a empresa se
comprometeu a pagar R$ 37,68 bilhões.
Desastres em mineração produzem efeitos
nefastos duradouros. Estudo
da Universidade Federal do Espírito Santo deste ano mostra que
deformidades na fauna do Rio Doce podem estar relacionadas ao rompimento da
Barragem do Fundão.
A obrigação de compensação às vítimas e da revitalização ambiental ora acordada deveria ser imposta com mais celeridade. Procrastinar a justiça é um dos fatores de percepção de impunidade que incentiva a gestão irresponsável de empresas.
Hoje é dia de eleição, não de guerra
O Estado de S. Paulo
Lula e Bolsonaro bem que tentaram, mas a
polarização entre ambos perdeu espaço para os temas mais afeitos à vida em São
Paulo nesta eleição. Ganham a cidade e, sobretudo, os paulistanos
A bem de São Paulo e de todos os paulistanos,
fracassou a tentativa do presidente Lula da Silva e de seu antecessor, Jair
Bolsonaro, de transformar a eleição para a Prefeitura da capital paulista em um
descabido tira-teima da eleição presidencial de 2022. Salvo em alguns momentos
nos quais temas nacionais, lamentavelmente, poluíram o debate local, as
questões mais afeitas à vida na metrópole se impuseram ao longo da campanha. É
tendo estas em vista que os eleitores devem comparecer às urnas neste domingo.
Foi debatendo sobre as condições do
transporte público em São Paulo, a qualidade dos serviços de saúde e educação
prestados pela Prefeitura, as ações de zeladoria urbana e, no que compete ao
Município, sobre segurança pública que Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos
(PSOL) chegaram neste dia decisivo. E caminharam até aqui com os próprios pés,
ora tropeçando em seus erros, ora avançando com seus acertos. A poucas horas da
definição do nome do futuro prefeito de São Paulo, está claro que a unção de
Bolsonaro e Lula a Nunes e Boulos, respectivamente, não alterou
fundamentalmente a trajetória de ambas as campanhas.
Se a renhida polarização entre os dois
principais líderes de massa da história recente do País teve pouca ou nenhuma
influência no resultado eleitoral na maioria dos municípios brasileiros, em São
Paulo, particularmente, a presença de Lula e Bolsonaro chegou a ser tóxica em
não poucas ocasiões. Sobretudo a de Bolsonaro, que, mesmo ausente na maior
parte do tempo, quando resolveu aparecer foi para constranger Nunes com sua
egolatria e seu irrefreável apego aos próprios interesses político-eleitorais,
como se viu há poucos dias.
No caso de Boulos, deve-se registrar que o
psolista também chegou até aqui a despeito da ausência de Lula em sua campanha
– voluntária ou forçada – e, principalmente, do desdém do diretório municipal
do PT. Basta dizer que o partido de Lula, que sempre se mostrou reticente em
abraçar de corpo e alma a campanha de Boulos, chegou a fazer um mea culpa por
não ter lançado uma candidatura própria na capital paulista, tratando Boulos,
na prática, já como um derrotado no momento em que o candidato, a rigor, ainda tem
chance de ser eleito.
Para a cidade, entretanto, pouco importam os
ruídos internos que a presença de Lula e Bolsonaro eventualmente tenha causado
nas campanhas de Boulos e Nunes. É auspicioso que a eleição deste domingo tenha
sido pautada, em boa medida, pelo futuro da cidade, pelos desejos de seus
habitantes e pelos desafios da administração de uma metrópole como São Paulo. O
pleito escapou de ser sequestrado pela polarização nacional que não raro
interdita qualquer discussão racional acerca de temas concernentes ao melhor interesse
público.
Como já sublinhamos neste espaço, o que Lula
e Bolsonaro dizem ou deixem de dizer sobre a eleição para a Prefeitura de São
Paulo não tapa um buraco sequer nas vias da cidade, não acende um só semáforo
apagado ao primeiro pingo de chuva e tampouco abre novas vagas em creches ou
escolas administradas pelo poder público.
Em tempos de discussões políticas inflamadas
e por vezes estéreis, é digna de nota a maturidade do eleitorado paulistano ao
fazer essa dissociação entre o interesse de Lula e Bolsonaro em manter viva a
polarização que só beneficia os dois e os interesses dos cerca de 12 milhões de
habitantes da maior e mais rica cidade do País. A um só tempo, essa maturidade
demonstra o interesse maior dos eleitores por temas que afetam suas vidas
diretamente e impõe a Nunes e Boulos o extraordinário desafio de se preparar para
lidar com os complexos problemas da cidade que pretendem governar.
De acordo com as pesquisas, nem Nunes nem
Boulos inspiram esperança nos eleitores por seus atributos pessoais ou pela
exuberância de seus planos para governar São Paulo. Mas agora isso não importa.
Afinal, quis a maioria dos paulistanos que a gestão da cidade a partir de 1.º
de janeiro de 2025 coubesse a um dos dois candidatos. Que eles estejam à altura
dessa escolha.
O retorno da quimera protecionista
O Estado de S. Paulo
Como disse o economista-chefe do FMI, a cada
vez mais feroz disputa protecionista global, em boa parte impulsionada pelos
EUA, ‘está prejudicando basicamente todo o mundo’
O Panorama Econômico Global do
Fundo Monetário Internacional (FMI) traz dados reconfortantes. A taxa de
inflação anual no mundo, após um pico de 9,4% em 2022, é projetada para atingir
3,5% no fim de 2025, abaixo da média de 3,6% entre 2000 e 2019. “A batalha
global contra a inflação foi em grande medida vencida”, constatou o Fundo.
Apesar do aperto das políticas monetárias, a economia global permaneceu
resiliente no processo desinflacionário, evitando uma recessão. Em 2024 e 2025,
o crescimento deve se manter em 3,2%.
O alívio não autoriza baixar a guarda. Ao
contrário, é hora de fortalecer os fundamentos para o crescimento futuro.
“Riscos adversos estão crescendo e agora dominam o panorama”, adverte a
pesquisa, que enumera esses riscos: “Uma escalada de conflitos regionais,
políticas monetárias apertadas por tempo demais, um possível ressurgimento da
volatilidade do mercado financeiro com efeitos adversos sobre os mercados de
dívidas soberanas, uma desaceleração mais profunda na China e a catraca
contínua das políticas protecionistas”. Segundo o Fundo, a domesticação da
inflação pavimenta o caminho para uma necessária política de “eixo triplo”:
primeiro, a redução dos juros; segundo, a estabilização da dinâmica das
dívidas, após anos de políticas fiscais frouxas; terceiro, reformas estruturais
para alavancar a produtividade.
Essa é a zona de maior risco. Todo
crescimento econômico sustentável depende de reformas que impulsionem
tecnologia e inovação, competição, uma melhor alocação de recursos, mais
integração econômica e estímulos aos investimentos privados. Contudo, “ante uma
maior competição externa e debilidades estruturais na indústria e
produtividade, muitos países estão implementando políticas industriais e
comerciais para proteger seus trabalhadores e fábricas”, alerta o Fundo
Monetário Internacional. “Se essas medidas podem por vezes impulsionar o
investimento e a atividade no curto prazo – especialmente quando se apoiam em
subsídios financiados pela dívida –, elas frequentemente levam à retaliação,
dificilmente entregam melhorias sustentáveis nos padrões de vida em casa e
fora, e deveriam ser firmemente evitadas quando não se dirigem criteriosamente
a bem identificadas falhas de mercado ou preocupações com a segurança
nacional.”
Isso nada mais é que o bom senso econômico
baseado em evidências históricas. O protecionismo pode aumentar momentaneamente
as receitas públicas e os ganhos dos produtores protegidos, mas é basicamente
um imposto sobre os consumidores que não se reverte em ganho aos trabalhadores,
com efeitos negativos bem documentados sobre o padrão de vida, o crescimento e
até a paz. Em um livro seminal sobre a escalada dos nacionalismos no
entreguerras, O Mundo em Depressão, Charles Kindleberger sentenciou:
“Quando todo país se volta a proteger o seu interesse nacional privado, o
interesse público do mundo vai pelo ralo, e com ele os interesses privados de
todos”.
No entanto, em parte movido por humores
estranhos à economia, como a nostalgia e a xenofobia, o protecionismo voltou,
especialmente nos Estados Unidos. Recentemente, Donald Trump disse que “tarifa”
é a palavra mais bela do mundo, depois de “fé” e “amor”. Ele promete elevar a
média atual de tarifas nos Estados Unidos de 2% para um piso de 10% ou 20%
sobre todas as importações, mais 60% sobre a China. A candidata democrata
Kamala Harris é menos agressiva em políticas protecionistas – mas é mais em
políticas intervencionistas. Uma vez postos em marcha, esses humores
nacionalistas se retroalimentam. Internamente, desencadeiam disputas entre os
produtores por mais proteções e subsídios; externamente, ciclos de retaliação.
O FMI alerta que, se a alta de tarifas impactar uma “faixa considerável” do
comércio global em meados de 2025, pode devorar 0,8% da produção econômica no
ano que vem e 1,3% em 2026. Ou seja, um prejuízo generalizado.
Flertando com a ingovernabilidade
O Estado de S. Paulo
Relator da LDO lembra o óbvio: que o
Orçamento engessado tornará impossível governar o País
O Orçamento é uma bomba-relógio. Os gastos
obrigatórios engessam o governo federal, e há o risco de inviabilização da
máquina pública, seja lá quem for que venha a assumir a Presidência da
República, nos próximos anos. O relator do Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO), senador Confúcio Moura (MDB-RO), alerta que o chefe do
Executivo a partir de 2031 não terá “a menor margem para governar”. Esse
diagnóstico catastrófico dá a real dimensão dos desafios que há anos são
negligenciados pelo Palácio do Planalto e pelo Congresso. Parece óbvio, mas
esse risco precisa ser relembrado.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast
Político, o senador, que é da base do governo Lula da Silva, foi categórico. De
acordo com ele, “pelo bem ou pelo mal”, serão necessárias alterações
constitucionais nas vinculações. Trata-se daquelas rubricas federais que devem
ser obrigatoriamente gastas em uma área específica, como os pisos para Saúde e
Educação, além de Previdência, salários dos servidores, fundos constitucionais
e transferências obrigatórias para Estados e municípios.
Crescente, parte dessas despesas, conforme
disse o senador, estrangula a capacidade do governo de destinar recursos para
rodovias, hospitais, saneamento e até pagamento de água e luz. É por isso que,
para Moura, não sem razão, “todos os recursos vinculados” terão de ser
rediscutidos. Segundo o relator, no próximo ano sobrarão “R$ 80 bilhões ou R$
70 bilhões” para os chamados gastos discricionários, que serão reduzidos para
R$ 30 bilhões em 2030. Em outras palavras, o Executivo e o Congresso têm um
encontro marcado no qual terão de mudar a Constituição para livrar o País da
paralisia.
Mas, para Moura, não há clima político para o
debate dessas reformas nos próximos dois anos, o que coincide com o término do
mandato do petista. E, ao que tudo indica, esse trabalho enfrentará um percurso
penoso, com resistência de correntes político-ideológicas que insistem em
manter o Brasil no atraso, a começar pelo PT de Lula da Silva.
Na missão de cortar gastos após uma agenda de
aumento das receitas, as equipes dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e
do Planejamento, Simone Tebet, preparam um cardápio de medidas a ser levado a
Lula da Silva. A ideia é que as contas públicas tenham racionalidade, as
despesas caibam no Orçamento e o arcabouço fiscal, já tão abalado, não
desmorone. Embora discussões sobre a desvinculação dos pisos ocorram
internamente nessas pastas, para um integrante da área econômica não há tempo
hábil para mudá-los, segundo informou a Coluna do Estadão, o que só é
motivo de lamento.
Pautas urgentes se arrastam no Congresso, como o próprio PLDO, o Orçamento de 2025 e a regulamentação da reforma tributária. Ademais, logo no começo do próximo ano haverá eleições para o comando da Câmara e do Senado, que, a depender dos resultados, poderão piorar a já conturbada relação do Planalto com o Congresso. Mas, cedo ou tarde, a realidade se imporá e não haverá rota de fuga diante de uma crise orçamentária que se aproxima com potencial explosivo.
Vladimir Carvalho e a posteridade
Correio Braziliense
O Governo do Distrito Federal decretou luto
de três dias pela morte de Vladimir Carvalho. É preciso, contudo, preservar seu
legado para a posteridade
O cineasta
Vladimir Carvalho enalteceu Brasília até o fim da vida. A maior
homenagem que a capital federal poderia prestar-lhe, pois, é preservar a
memória, a obra e o olhar que cativou gerações durante décadas. Gigante da arte
brasileira, Vladimir Carvalho entra para o panteão dos personagens históricos
de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Burle Marx, Marianne
Peretti e tantos outros.
Paraibano de Itabaiana, Carvalho era um
desbravador de imagens. É conhecida a história, por exemplo, da surpresa que o
jovem causou ao seu colega no curso de filosofia na Universidade Federal da
Bahia — ninguém menos que Caetano Veloso — ao mostrar-lhe uma escultura em
madeira, feita de sua lavra. Naquele início dos anos 1960, o amor pelo cinema e
a sensibilidade para as questões sociais eram pontos em comum entre aqueles
dois brasileiros ousados.
"Há pessoas que parecem engrandecer-se
por aderirem à luta pela justiça social. Vladimir é o tipo do sujeito que
engrandece esses ideais, com sua adesão. E isso pode-se sentir em sua
convivência, em sua conversa e em seus filmes", comentou Caetano sobre o
documentarista, ainda nos anos 1970.
A realidade nordestina foi matéria-prima para
o olhar de Vladimir Carvalho — autor do clássico O País de São Saruê —,
mas Brasília serviu como plataforma para disseminar sua arte cinematográfica. A
cidade erguida por iniciativa de Juscelino Kubitschek o motivou a produzir
outra obra fundamental, Conterrâneos velho de guerra. O pioneirismo de Vladimir
Carvalho também se fez presente na Universidade de Brasília (UnB), onde foi um
dos fundadores do curso de cinema e tornou-se professor emérito. Centro das
decisões políticas do país, a cidade ícone do modernismo abrigou um militante
do Cinema Novo. Pela lente de Vladimir Carvalho, era possível ver o Brasil real
— o Brasil dos candangos, dos nordestinos, dos negros, dos perseguidos
políticos.
Referência e mentor de uma geração de
cineastas, Vladimir Carvalho guardava um santuário particular. Na Avenida W3
Sul, uma das vias mais tradicionais de Brasília, mantinha a Fundação Cine
Memória, um acervo preciosíssimo sobre a produção audiovisual brasileira.
Em uma coleção de mais de 5 mil itens, há jornais, revistas, fotografias,
filmes, máquinas, câmeras e, até mesmo, a moviola usada por Glauber Rocha em
Terra em transe.
Poucas semanas antes de morrer, Vladimir
Carvalho estava entusiasmado com a possibilidade de se dar uma destinação
adequada ao tesouro da Fundação Cine Memória. As tratativas envolvem o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Banco do
Brasil, entre outras instituições. Infelizmente, o documentarista partiu antes
de ver esse sonho acalentado há décadas tornar-se realidade.
O Governo do Distrito Federal decretou luto de três dias pela morte de Vladimir Carvalho. É preciso, contudo, preservar seu legado para a posteridade. Com uma biografia que se confunde com a trajetória de Brasília, Vladimir Carvalho entra para a história como um brasileiro que soube retratar, como poucos, o país de seu tempo e o futuro que nos aguarda.
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