domingo, 27 de outubro de 2024

Os novos recados do eleitorado - Míriam Leitão

O Globo

As urnas e as pesquisas mostraram mudanças, especialmente em relação ao voto evangélico, feminino e dos jovens

A escolha de prefeitos termina como começou: com muita emoção e uma vasta incerteza. Em dez das 15 capitais, a eleição está bem apertada. Qual é a chance de uma virada em relação à ordem dos candidatos que foram para o segundo turno? Baseado em dados, Felipe Nunes, da Quaest, diz que em 20 anos, houve virada em 26% das disputas, uma a cada quatro. E onde chover? Aumenta a abstenção, principalmente dos mais pobres e dos mais velhos, elevando a dúvida sobre o resultado.

A imprevisibilidade faz bem à democracia. As urnas trazem recados novos. Os jovens estão mais conservadores, as mulheres têm inclinações políticas diferentes das dos homens, a direita fraturou-se de olho em 2026, a esquerda precisa pensar no seu destino, os evangélicos começam a não querer ser um rebanho eleitoral e a abstenção continua sendo uma variável importante.

A análise dos segmentos eleitorais é reveladora. Muitas pesquisas informaram que o eleitorado jovem, de 16 a 34 anos, na Quaest, ou 16 a 24 anos, no Datafolha, dava maioria das intenções de votos a candidatos conservadores. Em São Paulo, na última semana, Guilherme Boulos, do PSOL, ganhou pontos nesse eleitorado e, na Quaest, chegou a passar Ricardo Nunes. Por razões etárias, eles são os eleitores que terão mais encontros com as urnas nas próximas décadas, e essa inclinação de voto na direita pode ser apenas uma onda ou representar um risco grave, porque parte da direita está dominada pelo pensamento antidemocrático, antiambiental e contra a vacina. Se forem esses os valores da maioria da juventude, o país está bem encrencado.

Em 2022, abriu-se uma divergência entre a maioria do voto feminino em Lula e a maioria do voto masculino em Bolsonaro. Em 2024, isso se aprofundou. Nas cidades em que o segundo turno está sendo da direita contra a direita, elas preferem a mais moderada e eles, a mais extremada. Felipe Nunes chama isso de polarização de gênero, acha que veio para ficar e credita o fato às mudanças sociais das mulheres, mais independentes, mais capazes de denunciar agressões e mais donas do próprio dinheiro.

A briga da direita é um fenômeno bem interessante, porque foi provocada, em grande parte, pelas decisões de Jair Bolsonaro de atacar o governador Ronaldo Caiado e desagradar o governador Ratinho Jr, entre outros políticos do seu próprio campo com ambições eleitorais. Caiado disse que vai concorrer ao Planalto em 2026 e Ratinho foi apontado como candidato pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab. Divisão na direita é tão velha quanto o Arena I e Arena II, dos tempos da ditadura, mas desta vez é curioso porque o mais inteligente para Bolsonaro seria tentar unir a direita para se fortalecer, em vez de entrar em disputa extemporânea com seus aliados. Ele conseguiu desagradar até a sempre fiel Tereza Cristina, que lhe pediu, em vão, apoio à candidata dela em Campo Grande. Bolsonaro sonha com o nome dele na urna de 2026, mas pode estar na lista de moradores de algum presídio. Os inquéritos em que é investigado estão chegando ao fim.

A esquerda chega nessa eleição com muitas derrotas e alguma esperança. Acreditava que, por ser portadora do sonho de justiça social, naturalmente arrastaria multidões, mas desentendeu-se com o mundo atual. Durante a prisão de Lula, o PT foi mais para a esquerda, para resistir na porta do presídio. Naquele tempo era o que ele tinha a fazer. Mas perdeu o rumo, a chance de renovação e o diálogo com partes da sociedade. Hostilizou potenciais aliados e gastou munição em brigas internas. Em 2022, foi beneficiado pelo repúdio a Bolsonaro, mas precisa buscar o centro. Encastelado, vai continuar encolhendo.

Os evangélicos têm sido vítimas de abuso do poder religioso. Pastores agem como os coronéis do voto da época do curral eleitoral. Interessante observar o fenômeno iniciado por algumas lideranças que apontaram o erro doutrinário da adoração ao “mito”. Esse “culto” afronta o primeiro mandamento “Não terás outros deuses”. A ver se haverá distância entre púlpito e palanque, em religiões que começaram há 507 anos com a separação entre Igreja e Estado.

A abstenção é uma decisão. O não-voto é voto. Mas ele desafia os democratas a pensar em formas de aumentar o interesse do eleitor nas escolhas cívicas. O maravilhoso na democracia é essa inquietude que ela provoca. As urnas sempre trazem um espelho no qual o país se olha e tentar se entender.

 

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