sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Atentado expõe os riscos da radicalização

O Globo

Mesmo que sejam ato isolado, explosões em Brasília mostram que as autoridades não aprenderam todas as lições do 8 de Janeiro

É grave o atentado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O autor parou um carro carregado de explosivos num estacionamento da Câmara, incendiou o veículo, caminhou em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), arremessou outros explosivos contra o prédio ao lado da escultura que representa a Justiça, depois se matou em nova detonação. O mais preocupante é que tenha chegado tão perto do Supremo e do Palácio do Planalto, expondo mais uma vez a vulnerabilidade do coração da República.

Tal fragilidade ficara evidente no trágico 8 de janeiro de 2023, quando, tentando tomar o poder, golpistas invadiram a Praça dos Três Poderes e depredaram Congresso, Palácio do Planalto e STF. As novas explosões mostram que, aparentemente, as autoridades não aprenderam todas as lições que deveriam ter aprendido no episódio.

Nem foi a primeira vez que atos terroristas abalaram a capital. Em 2022, no ambiente polarizado depois da eleição, radicais tentaram explodir um caminhão de combustível perto do Aeroporto de Brasília. A tentativa só não deu certo porque o motorista percebeu um objeto estranho e chamou a polícia. Houve também sabotagens a torres de transmissão de energia e mobilização armada em acampamentos.

Desta vez, tudo leva crer que o crime, investigado como ato terrorista, tenha sido um ato isolado cometido por um militante com distúrbios mentais. O autor foi identificado como Francisco Wanderley Luiz, ex-candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC) em 2020 (ele obteve apenas 98 votos e não se elegeu). Em agosto, ele estivera no plenário do STF, de onde postou selfie com a frase: “Deixaram a raposa entrar no galinheiro”. As investigações esclarecerão se há outros envolvidos.

Nas redes sociais, ele fazia críticas ao Supremo, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos presidentes da Câmara e do Senado. Chegou a se referir explicitamente a um acontecimento no dia 13 de novembro. Também escreveu que a PF teria 72 horas para desarmar bombas na casa de comunistas. Suas contas foram removidas depois do episódio, mas o atentado comprova o perigo dos discursos de ódio e da radicalização. Quando encontram eco em alguém com problemas mentais, abre-se caminho à violência. E, mais uma vez, crimes planejados ou anunciados em redes sociais passam fora do radar, demonstrando que as plataformas digitais são terra de ninguém.

O episódio também põe na berlinda o projeto descabido que pretende anistiar os acusados pelos ataques de 8 de Janeiro. Considerando os crimes perpetrados, a proposta não deveria ter sido sequer aventada. Agora, fica mais claro que golpistas, vândalos e terroristas precisam responder por seus atos. Preocupa, por fim, que as explosões tenham acontecido às vésperas do encontro do G20, que reunirá líderes globais no Rio. O episódio reforça a importância do esquema reforçado de segurança montado para o evento.

Ainda que faltem muitas respostas, o atentado precisa ser rechaçado com veemência pelas autoridades, pela sociedade e por partidos de todas as tendências ideológicas. O Brasil vive um auspicioso período de normalidade democrática. Em que pesem divergências normais na política, não há espaço para radicalismos de qualquer espécie. É legítimo que cidadãos tenham pontos de vista diferentes. Mas é inaceitável tentar impor a vontade por meio do terrorismo ou da barbárie.

Veto a celular nas escolas é tendência que se espalha pelo mundo inteiro

O Globo

Danos comprovados do aparelho ao aprendizado e apoio consensual entre educadores justificam proibição

É sintomático que a Assembleia Legislativa de São Paulo tenha aprovado por unanimidade, na última terça-feira, o veto ao uso de celulares em escolas públicas e privadas do estado, tanto durante as aulas quanto nos intervalos. É uma tendência que se espalha pelo mundo e pelas redes de educação brasileiras, obtendo raro consenso não só nas comunidades escolares, mas também nas casas legislativas, onde a proposta tem sido acolhida por legendas de diferentes tendências.

No mundo, segundo a ONU, um em cada quatro países restringe o uso de celular nas escolas. No Brasil, ao menos 16 redes estaduais já o proíbem em maior ou menor grau. O aparelho é alvo de restrições em 14 capitais, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Cedo ou tarde, o veto se estenderá a todo o país. No final de outubro, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, também por unanimidade, projeto que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas. É improvável que ele enfrente resistências, pois tem simpatia tanto do governo quanto da oposição.

O veto encontra respaldo na sociedade. Entre brasileiros com mais de 16 anos, 62% se mostram favoráveis à proibição tanto nas salas de aula quanto no recreio, revelou pesquisa Datafolha divulgada em outubro. Entre pais de crianças até 12 anos, 43% dizem que os filhos já têm celular e 65% apoiam a proibição. No exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2022, 45% dos brasileiros entrevistados admitiram distração ao usar aparelhos eletrônicos na escola, 15 pontos percentuais acima da média mundial.

A proibição pode não agradar aos alunos, mas se justifica pelo dano que o aparelho provoca no aprendizado. Um relatório da Unesco divulgado neste ano alertou sobre os prejuízos para a concentração de quem fica grudado na tela do celular durante a aula. Diversos estudos têm apontado perdas na comunicação e na socialização, problemas no sono e no desenvolvimento cognitivo.

As normas são bem-vindas, mas é preciso bom senso. É necessário contemplar a comunicação imediata entre pais e filhos, em especial em emergências ou no caso de crianças com deficiência. A lei paulista determina acertadamente que sejam criados canais acessíveis para que os pais possam entrar em contato com seus filhos. Também é preciso estabelecer como a proibição se dará na prática.

Não resta dúvida sobre os danos do celular à atenção e ao aprendizado. Mas isso é apenas um lado da questão. Não se podem ignorar também os benefícios pedagógicos da tecnologia. É importante discutir como usá-la adequadamente, sob supervisão dos professores. Há muito, os telefones móveis trouxeram para a palma da mão um mundo de possibilidades. Seria saudável que elas não se fechassem para os estudantes.

Mesmo o extremismo mais tacanho é perigoso

Folha de S. Paulo

Atentado contra o STF não tem sinais de apoio organizado, mas evoca intolerância às instituições semeada pelo bolsonarismo

Por volta das 19h30 de quarta (13), um carro explodiu em um dos estacionamentos da Câmara dos Deputados, em Brasília. Pouco depois, a algumas centenas de metros dali, o dono do veículo, Francisco Wanderley Luiz, 59, chegou à frente da sede do Supremo Tribunal Federal munido de explosivos.

Aproximou-se da estátua da Justiça, sobre a qual jogou o que parecia ser um pano ou vestimenta. Abordado por um segurança, recuou e arremessou ao menos dois artefatos em direção ao STF. Enquanto outros agentes se aproximavam, deitou-se no chão e detonou uma bomba sobre o próprio corpo, morrendo ali.

Até onde se sabe, Luiz havia se mudado de Rio do Sul (SC) para o Distrito Federal cerca de três meses antes. Na cidade catarinense, candidatara-se sem sucesso a vereador em 2020 pelo PL, partido ao qual depois se filiaria o então presidente Jair Bolsonaro.

No período em que morou na Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, foi frequentador assíduo da praça dos Três Poderes, adjacente a STF, Congresso e Palácio do Planalto, segundo a locadora do imóvel em que vivia —onde se encontraram mais bombas, bem como em outros locais da praça.

Segundo sua ex-mulher, seu plano era matar o ministro Alexandre de Moraes. Em uma rede social, ameaçou "comunistas", entre os quais incluiu os ex-presidentes José Sarney (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O deputado federal Jorge Goetten (Republicanos-SC) relatou conhecer Luiz, tê-lo recebido em seu gabinete e ficado com a impressão de que ele apresentava severos transtornos mentais.

Dados os acontecimentos, a observação do parlamentar catarinense soa de fato plausível. Os fatos conhecidos até aqui, ademais, não sugerem que o suicida tenha contado com uma rede organizada de apoio a seu ato tresloucado —o que não deixa de ser motivo de algum alívio.

Por mais tacanha que tenha sido a investida extremista, contudo, tratou-se de um crime evidentemente premeditado por parte de um indivíduo com certo acesso a canais da política. Não é improvável que ele pretendesse servir de exemplo para outros.

Como é óbvio, as motivações do atentado vão além de devaneios de uma mente perturbada. Palavras e atitudes do perpetrador evocam a intolerância agressiva ao pensamento divergente e às instituições do Estado democrático de Direito há muito semeada pelo bolsonarismo radical —e também responsável pela invasão de celerados às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.

O ensaio terrorista, além de apuração exaustiva, merece de autoridades e lideranças políticas tratamento responsável, nem pusilânime nem abusivo.

Das forças à direita, em particular, que mostraram vigor nas eleições municipais deste ano, espera-se que meçam as consequências de se associarem a teses populistas e truculentas que descambam para a pregação antidemocrática e a violência.

Milei reforça negacionismo ao retirar Argentina da COP29

Folha de S. Paulo

Debandada da delegação afronta a multilateralidade e tende a isolar o país dos rumos do enfrentamento à mudança climática

Em um mundo acossado pelos efeitos da mudança climática, a saída intempestiva da Argentina das negociações da COP29, por ora em curso em Baku, no Azerbaijão, soa distópica, mas não chega a surpreender por se tratar de decisão do presidente negacionista Javier Milei.

A delegação que participava da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática recebeu ordens de retornar a Buenos Aires na quarta-feira (13), sem explicações convincentes aos anfitriões azeris, aos demais países e à sociedade argentina.

Há, contudo, lamentável coerência na atitude de um governante que associa o aquecimento global a uma "mentira do socialismo" e nega interferência humana no clima, fato desmentido por relatórios científicos de sobra.

Tais posições têm sido esbravejadas pelo mandatário desde sua campanha para a Casa Rosada, em 2023, quando uma seca descomunal assolou o país e agravou a já dramática crise econômica produzida pelo populismo de esquerda do antecessor.

A vitória eleitoral de Donald Trump, um negacionista capaz de desestabilizar os próximos fóruns, pode ter entrado no cálculo de Milei. Espera-se do futuro presidente dos EUA a renúncia ao Acordo de Paris —assim como já o fez em seu primeiro mandato.

Não será surpresa se a Argentina seguir o mesmo caminho. O alinhamento de Milei ao histriônico Trump, a quem considera um amigo, traz à memória o empenho de Buenos Aires em estabelecer "relações carnais" com Washington nos anos 1990. Na ocasião, por desinteresse americano, nada avançou.

Fato é que o país vizinho tem se mantido avesso à diplomacia multilateral, como já se observou em outros braços das Nações Unidas. Na Organização dos Estados Americanos (OEA) e no Mercosul, a delegação argentina bloqueou debates ligados à Agenda 2030 de sustentabilidade da ONU. Tais desvios da tradição do país têm sido anotados mundo afora, em particular pelo Itamaraty.

A presença confirmada de Milei na reunião do G20 (o grupo das principais economias globais), a ser capitaneada pelo Brasil e sediada no Rio de Janeiro nos dias 19 e 20, traz a promessa de dissabores, sobretudo na diplomacia bilateral. Nas negociações prévias, por exemplo, Buenos Aires já impediu consenso em torno da pauta de igualdade de gênero.

Encontros multilaterais raramente estabelecem mudanças imediatas de rota, mas a via diplomática ainda é a melhor alternativa ao planeta nessa corrida contra o tempo. Ninguém deveria ficar fora desse debate.

A consequência da aversão à democracia

O Estado de S. Paulo

Atentado em Brasília expõe risco da banalização da retórica de intolerância política encampada pelo bolsonarismo. Tolerar atos e discursos antidemocráticos é premiá-los com a impunidade

A Praça dos Três Poderes voltou a ser cenário de um ato de violência política menos de dois anos após a intentona bolsonarista de 8 de janeiro de 2023. Embora a investigação mal tenha começado, uma coisa já se pode afirmar: Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, natural de Rio do Sul (SC), dirigiu-se ao local no início da noite da última quarta-feira disposto a matar e morrer em nome de suas crenças, haja vista a quantidade de explosivos que ele armou em seu carro e que carregava junto ao corpo.

A saúde mental do homem, que morreu após detonar uma das bombas em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), já começou a ser objeto de especulação no sentido de relevar a gravidade de sua malévola intenção de explodir o carro em um dos estacionamentos da Câmara dos Deputados e, como as imagens registradas por câmeras de vigilância mostraram, no perímetro do edifício do STF.

Fato é que o sr. Francisco Luiz deixou em vida registros em profusão que dão uma boa ideia de sua afinidade com a “agenda política”, por assim dizer, do bolsonarismo, como a aversão à democracia liberal, às instituições republicanas e, não menos importante, à política como uma construção civilizatória baseada no respeito entre adversários, pois consubstanciada na força dos argumentos, não na violência.

Nesse sentido, é incontornável vincular o atentado perpetrado pelo agressor no dia 13 passado – que por sorte não fez outras vítimas de sua torpeza – a uma diligente campanha de estímulo à violência política no País capitaneada por Jair Bolsonaro, em particular à sua retórica virulenta contra o STF e alguns de seus ministros, além de seu discurso corrosivo à legitimidade da Corte.

O ex-presidente, por óbvio, não inaugurou a violência política no Brasil nem muito menos tem relação direta com as explosões. Mas seria uma afronta à “verdade dos fatos” – aquela que interessa politicamente, para recorrer à célebre reflexão de Hannah Arendt – ignorar que, após a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República, a violência política passou a assombrar o País em uma escala jamais vista desde a redemocratização, e lá se vão quatro décadas.

Sob Bolsonaro, naturalizou-se entre uma parcela considerável da sociedade o desprezo pelo Estado Democrático de Direito, seus princípios mais comezinhos e suas instituições representativas, principalmente o STF. Não poucos brasileiros olharam para o triunfo eleitoral daquele oficial do Exército que se retirou em desonra das Forças Armadas e construiu uma obscura carreira parlamentar tecendo loas à ditadura militar e à tortura, pregando o fechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários políticos – nada menos – como uma espécie de sinal verde para o emprego da violência como um recurso legítimo para a afirmação de vontades na esfera pública.

Evidentemente, nem todo radical político se lança à prática de atentados, tal como o fizeram os terroristas que tentaram explodir um caminhão-tanque de combustível no Aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022, a turba que tomou a capital federal de assalto no 8 de Janeiro ou, agora, Francisco Luiz, entre outros casos. Mas todos esses delinquentes travestidos de “patriotas” assim agiram porque se sentiram encorajados por uma atmosfera golpista que só se instalou no País em tempos recentes sob os auspícios de Bolsonaro.

Nos últimos dias, Bolsonaro até tem tentado fazer o País acreditar que ele teria se convertido à democracia. Piadas à parte, se democrata fosse, o ex-presidente teria condenado veementemente – e sem adversativas – não apenas o atentado ocorrido anteontem, mas todos os atos de violência política que foram praticados em nome de sua agenda liberticida nos últimos anos, algo que ele, evidentemente, não fará.

O terrível episódio serve de alerta para o risco de menosprezar a capacidade de ação dos inimigos da democracia. Se já era acintoso falar em anistia para os golpistas com tamanha naturalidade, resta evidente que, a prosperar esse despautério, estará dado o recado de que a violência política é passível de ser recompensada com a impunidade.

Alesp na direção correta

O Estado de S. Paulo

Deputados acertam ao restringir uso de celulares nas escolas. Mas é um erro pensar que uma lei fará desaparecer como mágica o problema da alta exposição das crianças às telas

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou um projeto de lei, de autoria da deputada Marina Helou (Rede), que restringe o uso de celulares nas escolas das redes pública e privada em todo o Estado, inclusive durante os intervalos entre as aulas. Trata-se de um passo fundamental para devolver aos professores a atenção de seus alunos em sala de aula, um pressuposto comezinho para o sucesso do processo de aprendizagem, e uma bem-vinda ação, na medida das limitações da Alesp, para conter os danos à saúde mental de crianças e adolescentes causados pela alta exposição às telas.

A votação foi simbólica, sinal evidente de que o consenso entre parlamentares aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a oposição prevaleceu na Alesp. De fato, à luz de não poucas pesquisas acadêmicas em variadas áreas do conhecimento, pululam as evidências dos males causados às crianças e adolescentes, sobretudo às primeiras, pelo uso incessante dos celulares.

No ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou um relatório, tido como referência por especialistas em questões ligadas à infância e à juventude mundo afora, relacionando o uso de celulares e indicadores educacionais em 14 países. Para surpresa de praticamente ninguém, a Unesco evidenciou que esses aparelhos provocam danos à memória e comprometem a capacidade de compreensão dos alunos sobre os conteúdos pedagógicos expostos em sala de aula. Outras pesquisas, como indicou reportagem do Estadão, mostram que a retomada da concentração perdida pelo aluno durante a aula pode levar até 20 minutos.

O projeto aprovado pela Alesp, que decerto será sancionado por Tarcísio de Freitas, não é propriamente inédito, mas pode ser considerado o marco jurídico mais moderno do País no que concerne ao uso de celulares no ambiente escolar. Os deputados paulistas tiveram o cuidado de não proibir completamente o uso dos aparelhos, o que seria absurdo. O projeto faz as devidas ressalvas ao uso da tecnologia com objetivos exclusivamente pedagógicos, de resto uma imposição da realidade de um mundo em ininterrupta transformação digital, e ao suporte que os celulares podem oferecer a determinados alunos que dependem do aparelho para o seu bem-estar.

Em que pese o mérito da Alesp em aprovar a restrição de uso dos celulares, atendendo aos anseios de professores, pedagogos, médicos e psicólogos, é um erro grave pensar que uma lei, por si só, tem o condão de fazer desaparecer um problema que aflige a sociedade como um passe de mágica. O uso excessivo dos celulares, ou, nos casos mais graves, o chamado Transtorno de Dependência de Tela, não é um problema das escolas, e sim um problema de toda a sociedade a partir de suas células mais básicas, as famílias.

Como bem lembrou Renata Cafardo, repórter e colunista de Educação deste jornal, “o celular sai da escola, mas não sai da vida de crianças e adolescentes paulistas”. Os aparelhos, há alguns anos, fazem parte da vida cotidiana não só desses jovens, como também de suas mães, pais e responsáveis. Portanto, por melhor que seja, e o projeto aprovado pela Alesp é bom, não há lei no mundo capaz de substituir o bom diálogo familiar.

Noutras palavras: o processo de aprendizagem seguirá comprometido se a restrição ao uso de celulares nas escolas for tomada por toda a sociedade como uma medida que basta por si só. Este, como já dito, foi um passo fundamental, mas apenas isso: um passo dado na direção correta em uma longa caminhada que, a depender de seu curso, poderá levar a uma melhor formação educacional dos chamados “nativos digitais”, mas não só.

O mundo está em franca transformação tecnológica, cujos desdobramentos podem ser observados nas mais variadas dimensões da experiência humana, das mais comezinhas às mais sofisticadas. O desafio de uma geração é preparar suas crianças e adolescentes para essa realidade sem repelir a tecnologia, pois ocioso, mas empregando-a como ferramenta de apoio ao desenvolvimento pessoal desses jovens cidadãos.

À sombra da aclamação

O Estado de S. Paulo

Hugo Motta chega à disputa na Câmara sem adversários, mas o histórico de candidatos únicos desabona otimismo

O deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) caminha para disputar a presidência da Câmara sem adversário, condição sacramentada com a desistência dos candidatos que restavam – Elmar Nascimento (União-BA), que até poucas semanas era visto como o favorito, e Antonio Brito (PSD-BA), que viu seu partido abrir mão de sua candidatura para apoiar Motta. O líder do Republicanos já havia promovido uma aliança improvável ao conquistar o apoio simultâneo do PT de Lula da Silva e do PL de Jair Bolsonaro, e uma rede extensa de aliados, unindo MDB, PP, Podemos, PCdoB, PV, PDT, PSB, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Rede e PRD, além da bancada evangélica na Câmara e, é claro, do próprio Republicanos, seu partido.

Caso essas alianças se mantenham firmes até fevereiro, data da eleição, Hugo Motta será o quinto presidente da Câmara eleito por aclamação após ser candidato único. Antes dele, também o foram Flávio Marcílio (Arena/PDS), Ibsen Pinheiro (PMDB), Michel Temer (PMDB) e João Paulo Cunha (PT). Isso assegura a Motta um triunfo político inquestionável, revelado por atributos que lhe garantiram bons padrinhos e trânsito gelatinoso em meio às siglas e ideologias com vida no Congresso. Mérito de quem é jovem, mas está há 14 anos na Câmara, fez parte da base dos governos Temer e Bolsonaro e é próximo do governo Lula – apesar de ter votado a favor do impeachment de Dilma Rousseff, do teto de gastos e da reforma trabalhista, agendas abominadas pela cartilha lulopetista.

Em se tratando de Câmara dos Deputados, porém, o histórico de eleições por aclamação desabona prognósticos muito otimistas ou elogios sem reparos. As aclamações de Marcílio, por exemplo, se deram num contexto do bipartidarismo da ditadura militar – ainda em plena abertura lenta e gradual, em 1979 e 1983. Ibsen Pinheiro, em 1991, teve a candidatura marcada pelo que na época ficou conhecido como “Anões do Orçamento”, o ruidoso caso envolvendo parlamentares em desvios e fraudes em recursos do Orçamento da União. Ibsen acabaria cassado três anos depois, acusado de sonegação e enriquecimento ilícito, até voltar à vida pública mais tarde.

Temer venceu por aclamação, em 1999, no contexto das deliberações que culminaram na Emenda Constitucional 16, que instituiu a reeleição dois anos antes. Embora até hoje seja reconhecido como um habilidoso político e grande conciliador, ele, que vinha do primeiro mandato de presidente da Câmara, foi beneficiado pelo novo instituto, com o qual também se fartariam o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, governadores e prefeitos. João Paulo Cunha, por sua vez, chegou sem adversários ao comando da Câmara, em 2003, ainda empurrado pela onda vermelha que invadiu o País com a eleição de Lula da Silva, no fim do ano anterior. Foi sob sua gestão na Câmara que ocorreu o inesquecível mensalão, escândalo de compra de votos que quase derrubou Lula.

Não está escrito nas estrelas que Motta repetirá a má trajetória dos eleitos por aclamação. Mas numa Casa que mistura acordos e consensos legítimos com a mesma desenvoltura com que interesses menores e troca de favores operam nas sombras, o temor é inevitável e a vigilância, imprescindível.

Celular nas escolas precisa ser debatido

Correio Braziliense

Além de estudos divulgados pela Unesco que alertam para uma "epidemia de distração" enfrentada pelos alunos, especialistas condenam o uso de quaisquer equipamentos eletrônicos até mesmo no recreio

A decisão sobre a proibição de celulares nas escolas públicas e privadas no Brasil parece estar longe do fim. Pelo menos, uma decisão que sirva para todo o território nacional. Algumas unidades da Federação tomaram um caminho. Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou, por unanimidade, projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas no estado. Agora, o texto segue para sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). No Rio de Janeiro, as escolas municipais adotaram a regra desde o início letivo deste ano, com resultados positivos apontados pelo secretário de Educação do município: aumento do foco, da concentração e da interação social entre os estudantes.

Além de estudos divulgados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que alertam para uma "epidemia de distração" enfrentada pelos alunos, especialistas, principalmente médicos, condenam o uso de quaisquer equipamentos eletrônicos, como celulares, relógios inteligentes, tablets e outros aparatos tecnológicos, seja dentro da sala de aula, seja nos intervalos entre as disciplinas e até durante o recreio.

De acordo com pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022, no Brasil, cerca de 80% dos alunos afirmaram que se distraem com o uso de celulares nas aulas de matemática. E a tecnologia é mais prejudicial  quando o usuário é um bebê. Tanto que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desaconselha o uso desses aparelhos por menores de 2 anos, com possíveis danos ao desenvolvimento cerebral da criança.

Por outro lado, há quem defenda o uso do celular na escola, principalmente durante determinadas tarefas escolares, como em aulas de disciplinas em que sejam demandadas demonstrações de fórmulas, durante a elaboração de jogos ou dinâmicas, ou ainda nas aulas de artes. Os defensores dos celulares nas escolas acusam o outro lado de simplista ou de estar cerceando o conhecimento e até mesmo os momentos de lazer dos estudantes, já tão massacrados com aulas teóricas e, muitas vezes, monótonas.

Fato é que um levantamento realizado pela Nexus - Pesquisa e Inteligência de Dados demonstra que 86% da população brasileira é favorável a algum tipo de restrição ao uso de celular dentro das escolas, sendo que 54% são favoráveis à proibição total dos aparelhos e 32% acreditam que o uso do dispositivo deve ser permitido somente em atividades didáticas e pedagógicas, com autorização dos professores. Os que são contra qualquer tipo de proibição somam 14% e alegam que não há pesquisas maciças que batam o martelo quanto aos reais prejuízos da tecnologia no ambiente escolar.

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para limitar o uso dos celulares nas escolas, e o Ministério da Educação chegou a anunciar que  divulgaria uma proposta sobre o tema, mas ela ainda não foi apresentada. O texto aprovado pela Comissão de Educação da Câmara proíbe o uso para crianças de até 10 anos. A partir dessa idade, seria permitido para atividades pedagógicas, o que desperta a preocupação de famílias e especialistas. Para virar lei, o projeto precisa ser  aprovado pelos deputados e pelos senadores. Enquanto isso, novos estudos vêm sendo desenvolvidos, assim como os debates, que, necessários, crescem na mesma proporção das inquietações. 


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