Atentado expõe os riscos da radicalização
O Globo
Mesmo que sejam ato isolado, explosões em
Brasília mostram que as autoridades não aprenderam todas as lições do 8 de
Janeiro
É grave o atentado na Praça dos Três Poderes,
em Brasília.
O autor parou um carro carregado de explosivos num estacionamento da Câmara,
incendiou o veículo, caminhou em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal
(STF),
arremessou outros explosivos contra o prédio ao lado da escultura que
representa a Justiça, depois se matou em nova detonação. O mais preocupante é
que tenha chegado tão perto do Supremo e do Palácio do Planalto, expondo mais
uma vez a vulnerabilidade do coração da República.
Tal fragilidade ficara evidente no trágico 8
de janeiro de 2023, quando, tentando tomar o poder, golpistas invadiram a Praça
dos Três Poderes e depredaram Congresso, Palácio do Planalto e STF. As novas
explosões mostram que, aparentemente, as autoridades não aprenderam todas as
lições que deveriam ter aprendido no episódio.
Nem foi a primeira vez que atos terroristas abalaram a capital. Em 2022, no ambiente polarizado depois da eleição, radicais tentaram explodir um caminhão de combustível perto do Aeroporto de Brasília. A tentativa só não deu certo porque o motorista percebeu um objeto estranho e chamou a polícia. Houve também sabotagens a torres de transmissão de energia e mobilização armada em acampamentos.
Desta vez, tudo leva crer que o crime,
investigado como ato terrorista, tenha sido um ato isolado cometido por um
militante com distúrbios mentais. O autor foi identificado como Francisco
Wanderley Luiz, ex-candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC) em 2020 (ele
obteve apenas 98 votos e não se elegeu). Em agosto, ele estivera no plenário do
STF, de onde postou selfie com a frase: “Deixaram a raposa entrar no
galinheiro”. As investigações esclarecerão se há outros envolvidos.
Nas redes sociais, ele fazia críticas ao
Supremo, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos presidentes da Câmara e
do Senado. Chegou a se referir explicitamente a um acontecimento no dia 13 de
novembro. Também escreveu que a PF teria 72 horas para desarmar bombas na casa
de comunistas. Suas contas foram removidas depois do episódio, mas o atentado
comprova o perigo dos discursos de ódio e da radicalização. Quando encontram
eco em alguém com problemas mentais, abre-se caminho à violência. E, mais uma
vez, crimes planejados ou anunciados em redes sociais passam fora do radar,
demonstrando que as plataformas digitais são terra de ninguém.
O episódio também põe na berlinda o projeto
descabido que pretende anistiar os acusados pelos ataques de 8 de Janeiro.
Considerando os crimes perpetrados, a proposta não deveria ter sido sequer
aventada. Agora, fica mais claro que golpistas, vândalos e terroristas precisam
responder por seus atos. Preocupa, por fim, que as explosões tenham acontecido
às vésperas do encontro do G20, que reunirá líderes globais no Rio. O episódio
reforça a importância do esquema reforçado de segurança montado para o evento.
Ainda que faltem muitas respostas, o atentado
precisa ser rechaçado com veemência pelas autoridades, pela sociedade e por
partidos de todas as tendências ideológicas. O Brasil vive um auspicioso
período de normalidade democrática. Em que pesem divergências normais na
política, não há espaço para radicalismos de qualquer espécie. É legítimo que
cidadãos tenham pontos de vista diferentes. Mas é inaceitável tentar impor a
vontade por meio do terrorismo ou
da barbárie.
Veto a celular nas escolas é tendência que se
espalha pelo mundo inteiro
O Globo
Danos comprovados do aparelho ao aprendizado
e apoio consensual entre educadores justificam proibição
É sintomático que a Assembleia Legislativa de
São Paulo tenha aprovado por unanimidade, na última terça-feira, o veto ao uso
de celulares em escolas públicas e privadas do estado, tanto durante as aulas
quanto nos intervalos. É uma tendência que se espalha pelo mundo e pelas redes
de educação brasileiras,
obtendo raro consenso não só nas comunidades escolares, mas também nas casas
legislativas, onde a proposta tem sido acolhida por legendas de diferentes
tendências.
No mundo, segundo a ONU, um em cada quatro
países restringe o uso de celular nas escolas. No Brasil, ao menos 16 redes
estaduais já o proíbem em maior ou menor grau. O aparelho é alvo de restrições
em 14 capitais, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Cedo ou
tarde, o veto se estenderá a todo o país. No final de outubro, a Comissão de
Educação da Câmara dos Deputados aprovou, também por unanimidade, projeto que
proíbe o uso de aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas. É improvável
que ele enfrente resistências, pois tem simpatia tanto do governo quanto da
oposição.
O veto encontra respaldo na sociedade. Entre
brasileiros com mais de 16 anos, 62% se mostram favoráveis à proibição tanto
nas salas de aula quanto no recreio, revelou pesquisa Datafolha divulgada em
outubro. Entre pais de crianças até 12 anos, 43% dizem que os filhos já têm
celular e 65% apoiam a proibição. No exame do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2022, 45% dos brasileiros entrevistados
admitiram distração ao usar aparelhos eletrônicos na escola, 15 pontos
percentuais acima da média mundial.
A proibição pode não agradar aos alunos, mas
se justifica pelo dano que o aparelho provoca no aprendizado. Um relatório da
Unesco divulgado neste ano alertou sobre os prejuízos para a concentração de
quem fica grudado na tela do celular durante a aula. Diversos estudos têm
apontado perdas na comunicação e na socialização, problemas no sono e no
desenvolvimento cognitivo.
As normas são bem-vindas, mas é preciso bom
senso. É necessário contemplar a comunicação imediata entre pais e filhos, em
especial em emergências ou no caso de crianças com deficiência. A lei paulista
determina acertadamente que sejam criados canais acessíveis para que os pais
possam entrar em contato com seus filhos. Também é preciso estabelecer como a
proibição se dará na prática.
Não resta dúvida sobre os danos do celular à
atenção e ao aprendizado. Mas isso é apenas um lado da questão. Não se podem
ignorar também os benefícios pedagógicos da tecnologia. É importante discutir
como usá-la adequadamente, sob supervisão dos professores. Há muito, os
telefones móveis trouxeram para a palma da mão um mundo de possibilidades.
Seria saudável que elas não se fechassem para os estudantes.
Mesmo o extremismo mais tacanho é perigoso
Folha de S. Paulo
Atentado contra o STF não tem sinais de apoio
organizado, mas evoca intolerância às instituições semeada pelo bolsonarismo
Por volta das 19h30 de quarta (13), um carro
explodiu em um dos estacionamentos da Câmara dos
Deputados, em Brasília.
Pouco depois, a algumas centenas de metros dali, o dono do veículo, Francisco
Wanderley Luiz, 59, chegou à frente da sede do Supremo Tribunal Federal munido
de explosivos.
Aproximou-se da estátua da Justiça, sobre a
qual jogou o que parecia ser um pano ou vestimenta. Abordado por um segurança,
recuou e arremessou ao menos dois artefatos em direção ao STF. Enquanto
outros agentes se aproximavam, deitou-se no chão e detonou uma
bomba sobre o próprio corpo, morrendo ali.
Até onde se sabe, Luiz havia se mudado de Rio
do Sul (SC) para o Distrito
Federal cerca de três meses antes. Na cidade catarinense,
candidatara-se sem sucesso a vereador em 2020 pelo PL, partido ao qual depois
se filiaria o então presidente Jair
Bolsonaro.
No período em que morou na Ceilândia,
cidade-satélite de Brasília, foi frequentador assíduo da praça dos Três
Poderes, adjacente a STF, Congresso e Palácio do Planalto, segundo a locadora
do imóvel em que
vivia —onde se encontraram mais bombas, bem como em outros
locais da praça.
Segundo sua ex-mulher, seu plano era matar o
ministro Alexandre de
Moraes. Em uma rede social, ameaçou
"comunistas", entre os quais incluiu os ex-presidentes
José Sarney (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O deputado federal Jorge Goetten
(Republicanos-SC) relatou
conhecer Luiz, tê-lo recebido em seu gabinete e ficado com a
impressão de que ele apresentava severos transtornos mentais.
Dados os acontecimentos, a observação do
parlamentar catarinense soa de fato plausível. Os fatos conhecidos até aqui,
ademais, não sugerem que o suicida tenha contado com uma rede organizada de
apoio a seu ato tresloucado —o que não deixa de ser motivo de algum alívio.
Por mais tacanha que tenha sido a investida
extremista, contudo, tratou-se de um crime evidentemente premeditado por parte
de um indivíduo com certo acesso a canais da política. Não é improvável que ele
pretendesse servir de exemplo para outros.
Como é óbvio, as motivações do atentado vão
além de devaneios de uma mente perturbada. Palavras e atitudes do
perpetrador evocam a
intolerância agressiva ao pensamento divergente e às
instituições do Estado democrático de Direito há muito semeada pelo
bolsonarismo radical —e também responsável pela invasão de celerados às sedes
dos Poderes em 8 de
janeiro de 2023.
O ensaio terrorista, além de apuração
exaustiva, merece de autoridades e lideranças políticas tratamento responsável,
nem pusilânime nem abusivo.
Das forças à direita, em particular, que
mostraram vigor nas eleições municipais deste ano, espera-se que meçam as
consequências de se associarem a teses populistas e truculentas que descambam
para a pregação antidemocrática e a violência.
Milei reforça negacionismo ao retirar
Argentina da COP29
Folha de S. Paulo
Debandada da delegação afronta a
multilateralidade e tende a isolar o país dos rumos do enfrentamento à mudança
climática
Em um mundo acossado pelos efeitos da mudança
climática, a saída intempestiva da Argentina das
negociações da COP29,
por ora em curso em Baku, no Azerbaijão,
soa distópica, mas não chega a surpreender por se tratar de decisão do
presidente negacionista Javier Milei.
A delegação que participava da Conferência
das Nações Unidas sobre Mudança Climática recebeu
ordens de retornar a Buenos Aires na
quarta-feira (13), sem explicações convincentes aos anfitriões azeris, aos
demais países e à sociedade argentina.
Há, contudo, lamentável coerência na atitude
de um governante que associa o aquecimento global a uma "mentira do
socialismo" e nega interferência humana no clima,
fato desmentido por relatórios científicos de sobra.
Tais posições têm sido esbravejadas pelo
mandatário desde sua campanha para a Casa Rosada, em 2023, quando uma seca
descomunal assolou o país e agravou a já dramática crise
econômica produzida pelo populismo de esquerda do antecessor.
A vitória eleitoral de Donald Trump,
um negacionista capaz de desestabilizar os próximos fóruns, pode ter entrado no
cálculo de Milei. Espera-se do futuro presidente dos EUA a renúncia ao Acordo
de Paris —assim como já o fez em seu primeiro mandato.
Não será surpresa se a Argentina seguir o
mesmo caminho. O alinhamento de Milei ao histriônico Trump, a quem
considera um amigo, traz à memória o empenho de Buenos Aires em
estabelecer "relações carnais" com Washington nos anos 1990. Na
ocasião, por desinteresse americano, nada avançou.
Fato é que o país vizinho tem se mantido
avesso à diplomacia multilateral, como já se observou em outros braços das
Nações Unidas. Na Organização dos Estados Americanos (OEA) e no Mercosul, a
delegação argentina bloqueou debates ligados à Agenda 2030 de sustentabilidade
da ONU.
Tais desvios da tradição do país têm sido anotados mundo afora, em particular
pelo Itamaraty.
A presença confirmada de Milei na reunião
do G20 (o
grupo das principais economias globais), a ser capitaneada pelo Brasil e
sediada no Rio de Janeiro nos dias 19 e 20, traz a promessa de dissabores,
sobretudo na diplomacia bilateral. Nas negociações prévias, por exemplo, Buenos
Aires já impediu
consenso em torno da pauta de igualdade de gênero.
Encontros multilaterais raramente estabelecem
mudanças imediatas de rota, mas a via diplomática ainda é a melhor alternativa
ao planeta nessa corrida contra o tempo. Ninguém deveria ficar fora desse
debate.
A consequência da aversão à democracia
O Estado de S. Paulo
Atentado em Brasília expõe risco da
banalização da retórica de intolerância política encampada pelo bolsonarismo.
Tolerar atos e discursos antidemocráticos é premiá-los com a impunidade
A Praça dos Três Poderes voltou a ser cenário
de um ato de violência política menos de dois anos após a intentona
bolsonarista de 8 de janeiro de 2023. Embora a investigação mal tenha começado,
uma coisa já se pode afirmar: Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, natural de
Rio do Sul (SC), dirigiu-se ao local no início da noite da última quarta-feira
disposto a matar e morrer em nome de suas crenças, haja vista a quantidade de
explosivos que ele armou em seu carro e que carregava junto ao corpo.
A saúde mental do homem, que morreu após
detonar uma das bombas em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), já começou
a ser objeto de especulação no sentido de relevar a gravidade de sua malévola
intenção de explodir o carro em um dos estacionamentos da Câmara dos Deputados
e, como as imagens registradas por câmeras de vigilância mostraram, no
perímetro do edifício do STF.
Fato é que o sr. Francisco Luiz deixou em
vida registros em profusão que dão uma boa ideia de sua afinidade com a “agenda
política”, por assim dizer, do bolsonarismo, como a aversão à democracia
liberal, às instituições republicanas e, não menos importante, à política como
uma construção civilizatória baseada no respeito entre adversários, pois
consubstanciada na força dos argumentos, não na violência.
Nesse sentido, é incontornável vincular o
atentado perpetrado pelo agressor no dia 13 passado – que por sorte não fez
outras vítimas de sua torpeza – a uma diligente campanha de estímulo à
violência política no País capitaneada por Jair Bolsonaro, em particular à sua
retórica virulenta contra o STF e alguns de seus ministros, além de seu
discurso corrosivo à legitimidade da Corte.
O ex-presidente, por óbvio, não inaugurou a
violência política no Brasil nem muito menos tem relação direta com as
explosões. Mas seria uma afronta à “verdade dos fatos” – aquela que interessa
politicamente, para recorrer à célebre reflexão de Hannah Arendt – ignorar que,
após a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República, a violência política
passou a assombrar o País em uma escala jamais vista desde a redemocratização,
e lá se vão quatro décadas.
Sob Bolsonaro, naturalizou-se entre uma
parcela considerável da sociedade o desprezo pelo Estado Democrático de
Direito, seus princípios mais comezinhos e suas instituições representativas,
principalmente o STF. Não poucos brasileiros olharam para o triunfo eleitoral
daquele oficial do Exército que se retirou em desonra das Forças Armadas e
construiu uma obscura carreira parlamentar tecendo loas à ditadura militar e à
tortura, pregando o fechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários
políticos – nada menos – como uma espécie de sinal verde para o emprego da
violência como um recurso legítimo para a afirmação de vontades na esfera
pública.
Evidentemente, nem todo radical político se
lança à prática de atentados, tal como o fizeram os terroristas que tentaram
explodir um caminhão-tanque de combustível no Aeroporto de Brasília, na véspera
do Natal de 2022, a turba que tomou a capital federal de assalto no 8 de
Janeiro ou, agora, Francisco Luiz, entre outros casos. Mas todos esses
delinquentes travestidos de “patriotas” assim agiram porque se sentiram
encorajados por uma atmosfera golpista que só se instalou no País em tempos
recentes sob os auspícios de Bolsonaro.
Nos últimos dias, Bolsonaro até tem tentado
fazer o País acreditar que ele teria se convertido à democracia. Piadas à
parte, se democrata fosse, o ex-presidente teria condenado veementemente – e
sem adversativas – não apenas o atentado ocorrido anteontem, mas todos os atos
de violência política que foram praticados em nome de sua agenda liberticida
nos últimos anos, algo que ele, evidentemente, não fará.
O terrível episódio serve de alerta para o
risco de menosprezar a capacidade de ação dos inimigos da democracia. Se já era
acintoso falar em anistia para os golpistas com tamanha naturalidade, resta
evidente que, a prosperar esse despautério, estará dado o recado de que a
violência política é passível de ser recompensada com a impunidade.
Alesp na direção correta
O Estado de S. Paulo
Deputados acertam ao restringir uso de
celulares nas escolas. Mas é um erro pensar que uma lei fará desaparecer como
mágica o problema da alta exposição das crianças às telas
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp)
aprovou um projeto de lei, de autoria da deputada Marina Helou (Rede), que
restringe o uso de celulares nas escolas das redes pública e privada em todo o
Estado, inclusive durante os intervalos entre as aulas. Trata-se de um passo
fundamental para devolver aos professores a atenção de seus alunos em sala de
aula, um pressuposto comezinho para o sucesso do processo de aprendizagem, e
uma bem-vinda ação, na medida das limitações da Alesp, para conter os danos à
saúde mental de crianças e adolescentes causados pela alta exposição às telas.
A votação foi simbólica, sinal evidente de
que o consenso entre parlamentares aliados do governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) e a oposição prevaleceu na Alesp. De fato, à luz de não poucas
pesquisas acadêmicas em variadas áreas do conhecimento, pululam as evidências
dos males causados às crianças e adolescentes, sobretudo às primeiras, pelo uso
incessante dos celulares.
No ano passado, a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou um relatório,
tido como referência por especialistas em questões ligadas à infância e à
juventude mundo afora, relacionando o uso de celulares e indicadores
educacionais em 14 países. Para surpresa de praticamente ninguém, a Unesco
evidenciou que esses aparelhos provocam danos à memória e comprometem a
capacidade de compreensão dos alunos sobre os conteúdos pedagógicos expostos em
sala de aula. Outras pesquisas, como indicou reportagem do Estadão,
mostram que a retomada da concentração perdida pelo aluno durante a aula pode
levar até 20 minutos.
O projeto aprovado pela Alesp, que decerto
será sancionado por Tarcísio de Freitas, não é propriamente inédito, mas pode
ser considerado o marco jurídico mais moderno do País no que concerne ao uso de
celulares no ambiente escolar. Os deputados paulistas tiveram o cuidado de não
proibir completamente o uso dos aparelhos, o que seria absurdo. O projeto faz
as devidas ressalvas ao uso da tecnologia com objetivos exclusivamente
pedagógicos, de resto uma imposição da realidade de um mundo em ininterrupta transformação
digital, e ao suporte que os celulares podem oferecer a determinados alunos que
dependem do aparelho para o seu bem-estar.
Em que pese o mérito da Alesp em aprovar a
restrição de uso dos celulares, atendendo aos anseios de professores,
pedagogos, médicos e psicólogos, é um erro grave pensar que uma lei, por si só,
tem o condão de fazer desaparecer um problema que aflige a sociedade como um
passe de mágica. O uso excessivo dos celulares, ou, nos casos mais graves, o
chamado Transtorno de Dependência de Tela, não é um problema das escolas, e sim
um problema de toda a sociedade a partir de suas células mais básicas, as
famílias.
Como bem lembrou Renata Cafardo, repórter e
colunista de Educação deste jornal, “o celular sai da escola, mas não sai da
vida de crianças e adolescentes paulistas”. Os aparelhos, há alguns anos, fazem
parte da vida cotidiana não só desses jovens, como também de suas mães, pais e
responsáveis. Portanto, por melhor que seja, e o projeto aprovado pela Alesp é
bom, não há lei no mundo capaz de substituir o bom diálogo familiar.
Noutras palavras: o processo de aprendizagem
seguirá comprometido se a restrição ao uso de celulares nas escolas for tomada
por toda a sociedade como uma medida que basta por si só. Este, como já dito,
foi um passo fundamental, mas apenas isso: um passo dado na direção correta em
uma longa caminhada que, a depender de seu curso, poderá levar a uma melhor
formação educacional dos chamados “nativos digitais”, mas não só.
O mundo está em franca transformação
tecnológica, cujos desdobramentos podem ser observados nas mais variadas
dimensões da experiência humana, das mais comezinhas às mais sofisticadas. O
desafio de uma geração é preparar suas crianças e adolescentes para essa
realidade sem repelir a tecnologia, pois ocioso, mas empregando-a como
ferramenta de apoio ao desenvolvimento pessoal desses jovens cidadãos.
À sombra da aclamação
O Estado de S. Paulo
Hugo Motta chega à disputa na Câmara sem
adversários, mas o histórico de candidatos únicos desabona otimismo
O deputado federal Hugo Motta
(Republicanos-PB) caminha para disputar a presidência da Câmara sem adversário,
condição sacramentada com a desistência dos candidatos que restavam – Elmar
Nascimento (União-BA), que até poucas semanas era visto como o favorito, e
Antonio Brito (PSD-BA), que viu seu partido abrir mão de sua candidatura para
apoiar Motta. O líder do Republicanos já havia promovido uma aliança improvável
ao conquistar o apoio simultâneo do PT de Lula da Silva e do PL de Jair
Bolsonaro, e uma rede extensa de aliados, unindo MDB, PP, Podemos, PCdoB, PV,
PDT, PSB, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Rede e PRD, além da bancada
evangélica na Câmara e, é claro, do próprio Republicanos, seu partido.
Caso essas alianças se mantenham firmes até
fevereiro, data da eleição, Hugo Motta será o quinto presidente da Câmara
eleito por aclamação após ser candidato único. Antes dele, também o foram
Flávio Marcílio (Arena/PDS), Ibsen Pinheiro (PMDB), Michel Temer (PMDB) e João
Paulo Cunha (PT). Isso assegura a Motta um triunfo político inquestionável,
revelado por atributos que lhe garantiram bons padrinhos e trânsito gelatinoso
em meio às siglas e ideologias com vida no Congresso. Mérito de quem é jovem,
mas está há 14 anos na Câmara, fez parte da base dos governos Temer e Bolsonaro
e é próximo do governo Lula – apesar de ter votado a favor do impeachment de
Dilma Rousseff, do teto de gastos e da reforma trabalhista, agendas abominadas
pela cartilha lulopetista.
Em se tratando de Câmara dos Deputados,
porém, o histórico de eleições por aclamação desabona prognósticos muito
otimistas ou elogios sem reparos. As aclamações de Marcílio, por exemplo, se
deram num contexto do bipartidarismo da ditadura militar – ainda em plena
abertura lenta e gradual, em 1979 e 1983. Ibsen Pinheiro, em 1991, teve a
candidatura marcada pelo que na época ficou conhecido como “Anões do
Orçamento”, o ruidoso caso envolvendo parlamentares em desvios e fraudes em
recursos do Orçamento da União. Ibsen acabaria cassado três anos depois,
acusado de sonegação e enriquecimento ilícito, até voltar à vida pública mais
tarde.
Temer venceu por aclamação, em 1999, no
contexto das deliberações que culminaram na Emenda Constitucional 16, que
instituiu a reeleição dois anos antes. Embora até hoje seja reconhecido como um
habilidoso político e grande conciliador, ele, que vinha do primeiro mandato de
presidente da Câmara, foi beneficiado pelo novo instituto, com o qual também se
fartariam o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
governadores e prefeitos. João Paulo Cunha, por sua vez, chegou sem adversários
ao comando da Câmara, em 2003, ainda empurrado pela onda vermelha que invadiu o
País com a eleição de Lula da Silva, no fim do ano anterior. Foi sob sua gestão
na Câmara que ocorreu o inesquecível mensalão, escândalo de compra de votos que
quase derrubou Lula.
Não está escrito nas estrelas que Motta
repetirá a má trajetória dos eleitos por aclamação. Mas numa Casa que mistura
acordos e consensos legítimos com a mesma desenvoltura com que interesses
menores e troca de favores operam nas sombras, o temor é inevitável e a
vigilância, imprescindível.
Celular nas escolas precisa ser
debatido
Correio Braziliense
Além de estudos divulgados pela Unesco que alertam para uma "epidemia de distração" enfrentada pelos alunos, especialistas condenam o uso de quaisquer equipamentos eletrônicos até mesmo no recreio
A decisão sobre a proibição de celulares nas
escolas públicas e privadas no Brasil parece estar longe do fim. Pelo menos,
uma decisão que sirva para todo o território nacional. Algumas unidades da
Federação tomaram um caminho. Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa
de São Paulo (Alesp) aprovou, por unanimidade, projeto de lei que proíbe o uso
de celulares em escolas públicas e privadas no estado. Agora, o texto segue
para sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). No Rio de Janeiro,
as escolas municipais adotaram a regra desde o início letivo deste ano, com
resultados positivos apontados pelo secretário de Educação do município:
aumento do foco, da concentração e da interação social entre os estudantes.
Além de estudos divulgados pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que alertam
para uma "epidemia de distração" enfrentada pelos alunos,
especialistas, principalmente médicos, condenam o uso de quaisquer equipamentos
eletrônicos, como celulares, relógios inteligentes, tablets e outros aparatos
tecnológicos, seja dentro da sala de aula, seja nos intervalos entre as
disciplinas e até durante o recreio.
De acordo com pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022, no Brasil, cerca de 80% dos alunos afirmaram que se distraem com o uso de celulares nas aulas de matemática. E a tecnologia é mais prejudicial quando o usuário é um bebê. Tanto que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) desaconselha o uso desses aparelhos por menores de 2 anos, com possíveis danos ao desenvolvimento cerebral da criança.
Por outro lado, há quem defenda o uso do celular na escola, principalmente durante determinadas tarefas escolares, como em aulas de disciplinas em que sejam demandadas demonstrações de fórmulas, durante a elaboração de jogos ou dinâmicas, ou ainda nas aulas de artes. Os defensores dos celulares nas escolas acusam o outro lado de simplista ou de estar cerceando o conhecimento e até mesmo os momentos de lazer dos estudantes, já tão massacrados com aulas teóricas e, muitas vezes, monótonas.
Fato é que um levantamento realizado pela
Nexus - Pesquisa e Inteligência de Dados demonstra que 86% da população
brasileira é favorável a algum tipo de restrição ao uso de celular dentro das
escolas, sendo que 54% são favoráveis à proibição total dos aparelhos e 32%
acreditam que o uso do dispositivo deve ser permitido somente em atividades
didáticas e pedagógicas, com autorização dos professores. Os que são contra
qualquer tipo de proibição somam 14% e alegam que não há pesquisas maciças que
batam o martelo quanto aos reais prejuízos da tecnologia no ambiente escolar.
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de
lei para limitar o uso dos celulares nas escolas, e o Ministério da Educação
chegou a anunciar que divulgaria uma proposta sobre o tema, mas ela ainda
não foi apresentada. O texto aprovado pela Comissão de Educação da Câmara
proíbe o uso para crianças de até 10 anos. A partir dessa idade, seria
permitido para atividades pedagógicas, o que desperta a preocupação de famílias
e especialistas. Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado pelos
deputados e pelos senadores. Enquanto isso, novos estudos vêm sendo
desenvolvidos, assim como os debates, que, necessários, crescem na mesma
proporção das inquietações.
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