Valor Econômico
Será preciso escolher entre manter ou não manter o arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político
Na imprensa, como em outros negócios que
operam nos sete dias da semana, é comum ser perguntado aos trabalhadores se
“preferem” trabalhar no Natal ou no Ano Novo. Não existe a opção “nenhum dos
dois”.
Mal comparando, é a situação em que se
encontra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: manter ou não manter o
arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político. Mas é necessário
escolher.
Para mantê-lo, será preciso adotar medidas impopulares que podem dar discurso à oposição e embaralhar projetos políticos para 2026. Esse é o caminho para a redução de juros e a preservação do ciclo de crescimento econômico.
Não manter o arcabouço e reforçar
investimentos, como querem alguns integrantes do PT, significaria insistir na
estratégia que fez dólar e juros irem às alturas nas últimas semanas. Nesse
cenário, o ano eleitoral seria possivelmente de crise econômica.
Esse é o embate entre dois projetos que medem
forças desde o início do atual mandato de Lula, retomado após o resultado das
eleições municipais. O fraco desempenho do PT nas urnas agitou alas que pregam
uma sacudida no governo, o que passaria por mais gastos.
A rigor, Lula explicitou sua escolha em julho
passado. Foi quando autorizou a área econômica a cortar despesas neste ano e em
2025 e a construir as medidas de ajuste estrutural do Orçamento que agora
chegam na fase decisiva.
O compromisso com o arcabouço foi reafirmado
por Lula na reunião com presidente de bancos, ocorrida em 16 de outubro. Também
foi ressaltado nos encontros que manteve com agências de classificação de risco
em Nova York, em 23 de setembro, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad.
A demora na definição das medidas de ajuste,
a recente afirmação de Lula que professores ganham “uma merreca”, os sinais
emitidos por Haddad de que as decisões viriam a seu tempo, o que poderia
acomodar uma viagem à Europa nesta semana, lançaram dúvidas sobre a opção de
Lula. Agora, há pressa para reverter essa desconfiança.
A julgar pelos ministros que passaram pelo
Planalto para discutir as medidas, o pacote em discussão pode ser abrangente e
ambicioso. Seu propósito, como disse Haddad, é fazer as despesas caberem dentro
do arcabouço, o que significa que só poderão crescer até 2,5% acima da inflação
a cada ano.
Como isso será feito é que são elas. Lula
precisa escolher que brigas comprar. E com que narrativa as medidas serão
apresentadas à sociedade.
Na segunda-feira, estiveram no Planalto os
ministros da Educação, Camilo Santana, da Saúde, Nísia Trindade, e do Trabalho,
Luiz Marinho.
Em saúde e educação, o ideal seria mudar a
regra pela qual os gastos mínimos nessas áreas são ditados pelas receitas. Em
um estudo divulgado esta semana, o ex-secretário de Orçamento Paulo Bijos
lembra que, já em 1996, um dos pais do Plano Real alertava para a
impossibilidade de fazer ajuste fiscal pelo lado das receitas. Isso porque uma
arrecadação maior implicaria aumento das despesas mais adiante.
Corrigir os valores dos pisos pela inflação,
e não pela receita, possibilitaria uma economia de R$ 97 bilhões no período de
2026 a 2028, aponta o estudo.
Essas medidas poderiam ser apresentadas como
um “não corte” de gastos, pois as despesas continuariam crescendo - apenas a um
ritmo menor.
Essa ideia, porém, enfrentou resistência
dentro do governo. Assim, os técnicos elaboraram alternativas. Por exemplo,
incluir no piso da educação uma parcela maior dos repasses que a União faz a
título de complemento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Da mesma forma,
parte das emendas de parlamentares ao Orçamento poderia ser contabilizada como
parte do gasto mínimo com saúde.
Na área do trabalho, foram elaboradas
propostas para reformular o abono salarial e o seguro-desemprego. Na semana
passada, Marinho mostrou-se contrariado com elas.
Ontem foram ao Planalto os ministros do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e da Previdência, Carlos Lupi, num
sinal de vida das propostas técnicas para apertar controles, ou até mesmo de
desatrelar do salário mínimo alguns benefícios previdenciários e assistenciais,
como foi estudado.
O salário mínimo, mostra o estudo de Bijos,
corrige 53,1% das despesas do Orçamento. São elas: benefícios previdenciários,
abono, seguro-desemprego e Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Cada real
de aumento no salário mínimo representa acréscimo de R$ 422 milhões nas
despesas com os quatro itens. Se esses benefícios fossem corrigidos pela
inflação apenas, a economia em dez anos chegaria a R$ 1,1 trilhão.
Aqui também é possível falar-se em
desaceleração do crescimento nas despesas, e não em redução delas. Mas, de
novo, há resistência do governo em adotá-las.
Se é para preservar o arcabouço, algumas das
medidas elaboradas pelos técnicos precisarão ser adotadas. Do contrário, a
própria regra fiscal estabelece bloqueio e contingenciamento de dotações
orçamentárias. Aí sim, estaríamos falando de cortes.
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