quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Redução das despesas, agenda que se impõe - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Será preciso escolher entre manter ou não manter o arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político

Na imprensa, como em outros negócios que operam nos sete dias da semana, é comum ser perguntado aos trabalhadores se “preferem” trabalhar no Natal ou no Ano Novo. Não existe a opção “nenhum dos dois”.

Mal comparando, é a situação em que se encontra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: manter ou não manter o arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político. Mas é necessário escolher.

Para mantê-lo, será preciso adotar medidas impopulares que podem dar discurso à oposição e embaralhar projetos políticos para 2026. Esse é o caminho para a redução de juros e a preservação do ciclo de crescimento econômico.

Não manter o arcabouço e reforçar investimentos, como querem alguns integrantes do PT, significaria insistir na estratégia que fez dólar e juros irem às alturas nas últimas semanas. Nesse cenário, o ano eleitoral seria possivelmente de crise econômica.

Esse é o embate entre dois projetos que medem forças desde o início do atual mandato de Lula, retomado após o resultado das eleições municipais. O fraco desempenho do PT nas urnas agitou alas que pregam uma sacudida no governo, o que passaria por mais gastos.

A rigor, Lula explicitou sua escolha em julho passado. Foi quando autorizou a área econômica a cortar despesas neste ano e em 2025 e a construir as medidas de ajuste estrutural do Orçamento que agora chegam na fase decisiva.

O compromisso com o arcabouço foi reafirmado por Lula na reunião com presidente de bancos, ocorrida em 16 de outubro. Também foi ressaltado nos encontros que manteve com agências de classificação de risco em Nova York, em 23 de setembro, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A demora na definição das medidas de ajuste, a recente afirmação de Lula que professores ganham “uma merreca”, os sinais emitidos por Haddad de que as decisões viriam a seu tempo, o que poderia acomodar uma viagem à Europa nesta semana, lançaram dúvidas sobre a opção de Lula. Agora, há pressa para reverter essa desconfiança.

A julgar pelos ministros que passaram pelo Planalto para discutir as medidas, o pacote em discussão pode ser abrangente e ambicioso. Seu propósito, como disse Haddad, é fazer as despesas caberem dentro do arcabouço, o que significa que só poderão crescer até 2,5% acima da inflação a cada ano.

Como isso será feito é que são elas. Lula precisa escolher que brigas comprar. E com que narrativa as medidas serão apresentadas à sociedade.

Na segunda-feira, estiveram no Planalto os ministros da Educação, Camilo Santana, da Saúde, Nísia Trindade, e do Trabalho, Luiz Marinho.

Em saúde e educação, o ideal seria mudar a regra pela qual os gastos mínimos nessas áreas são ditados pelas receitas. Em um estudo divulgado esta semana, o ex-secretário de Orçamento Paulo Bijos lembra que, já em 1996, um dos pais do Plano Real alertava para a impossibilidade de fazer ajuste fiscal pelo lado das receitas. Isso porque uma arrecadação maior implicaria aumento das despesas mais adiante.

Corrigir os valores dos pisos pela inflação, e não pela receita, possibilitaria uma economia de R$ 97 bilhões no período de 2026 a 2028, aponta o estudo.

Essas medidas poderiam ser apresentadas como um “não corte” de gastos, pois as despesas continuariam crescendo - apenas a um ritmo menor.

Essa ideia, porém, enfrentou resistência dentro do governo. Assim, os técnicos elaboraram alternativas. Por exemplo, incluir no piso da educação uma parcela maior dos repasses que a União faz a título de complemento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Da mesma forma, parte das emendas de parlamentares ao Orçamento poderia ser contabilizada como parte do gasto mínimo com saúde.

Na área do trabalho, foram elaboradas propostas para reformular o abono salarial e o seguro-desemprego. Na semana passada, Marinho mostrou-se contrariado com elas.

Ontem foram ao Planalto os ministros do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e da Previdência, Carlos Lupi, num sinal de vida das propostas técnicas para apertar controles, ou até mesmo de desatrelar do salário mínimo alguns benefícios previdenciários e assistenciais, como foi estudado.

O salário mínimo, mostra o estudo de Bijos, corrige 53,1% das despesas do Orçamento. São elas: benefícios previdenciários, abono, seguro-desemprego e Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Cada real de aumento no salário mínimo representa acréscimo de R$ 422 milhões nas despesas com os quatro itens. Se esses benefícios fossem corrigidos pela inflação apenas, a economia em dez anos chegaria a R$ 1,1 trilhão.

Aqui também é possível falar-se em desaceleração do crescimento nas despesas, e não em redução delas. Mas, de novo, há resistência do governo em adotá-las.

Se é para preservar o arcabouço, algumas das medidas elaboradas pelos técnicos precisarão ser adotadas. Do contrário, a própria regra fiscal estabelece bloqueio e contingenciamento de dotações orçamentárias. Aí sim, estaríamos falando de cortes.

 

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