Valor Econômico
Sem resolver a questão fiscal, eventual
mudança na condução da política cambial deve gerar novo motivo de estresse
O governo Lula 3 chega à metade sob pressão,
buscando reposicionar-se na política e, também, na economia. Em ambas as
frentes a taxa de câmbio está em foco.
Mas, se há ainda muito tempo até a virada de
ano, por que se fala no Congresso e no mercado que, na prática, o governo já
chegou à metade?
São dois os motivos. O primeiro é o fim do
pleito municipal, que fortaleceu o centro e a direita, e está exigindo
inflexões do Palácio do Planalto desde já.
Líderes petistas começam a reconhecer que o resultado das eleições evidencia a dificuldade do partido em manter por perto a classe média que votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Esse é um obstáculo que a sigla necessita transpor até 2026, tendo em vista a campanha à reeleição, e para tanto precisará apresentar novas ideias programáticas que atendam a essa parcela da população.
Em poucos dias, alguns gestos. O governo deu
um importante passo para avocar responsabilidades na área da segurança pública,
preocupação recorrente entre os eleitores, ao anunciar na semana passada que
finalmente enviará ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC)
sobre o tema.
Mudando o tom na política externa, o
Executivo se afastou da ditadura do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. A
complacência anterior vinha dando combustível aos radicais durante o debate
eleitoral.
Na sequência, liberou o PT a apoiar mais
rapidamente os candidatos do Centrão para a presidência da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e para o comando do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Além
disso, busca acelerar uma solução para o litígio envolvendo as emendas
parlamentares ao Orçamento.
O segundo marco é a decisão do Palácio do
Planalto de destravar as discussões sobre a reestruturação das despesas
orçamentárias. Isso ocorre praticamente dois anos depois da promulgação da PEC
da Transição, quando, na visão de autoridades dos três Poderes, o terceiro
mandato do presidente Lula teve início “de facto”. Ou seja, antes da posse
realizada no dia 1º de janeiro de 2023.
Foi a PEC da Transição que permitiu ao novo
mandatário aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no Orçamento de 2023
para bancar despesas como o Bolsa Família e o Auxílio Gás, entre outras
políticas públicas. Ela também acomodou a tentativa de acordo em relação às
emendas de relator, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o
chamado orçamento secreto inconstitucional, rateando bilhões entre as emendas
individuais e programações de execução discricionária do Executivo.
A PEC também prorrogou até o dia 31 de
dezembro de 2024 a Desvinculação de Receitas da União (DRU), dispositivo por
meio do qual o Executivo vem conseguindo ano após ano mais flexibilidade para
utilizar determinados recursos do Orçamento. E entre outros artigos, ela ainda
determinou que o governo enviasse ao Legislativo um projeto de novo arcabouço
fiscal para substituir o teto de gastos.
O roteiro foi seguido. Contudo, ficou claro
ao longo do tempo que o governo precisa adotar medidas adicionais para
assegurar a sustentabilidade do novo arcabouço. Isso porque algumas das mesmas
preocupações observadas durante as negociações da PEC da Transição perduram até
hoje, dois anos depois.
O Bolsa Família precisou passar por um pente
fino, assim como outros benefícios sociais. Discute-se, por exemplo, como
viabilizar a ampliação do Auxílio Gás dentro das regras fiscais. O governo
procura espaço no Orçamento para manter os investimentos públicos em
aceleração, diante de despesas obrigatórias que não param de crescer nas áreas
de educação, saúde e benefícios sociais.
Uma nova prorrogação da DRU está sobre a mesa
e, em outra frente, permanece o litígio a respeito das emendas parlamentares e
a intenção do governo de mantê-las sob as regras do arcabouço. A melhor
alocação desses recursos poderia ser usada no cômputo dos mínimos
constitucionais exigidos nas áreas da saúde e educação, ampliando a margem no
Orçamento para gastos e investimentos em outros setores.
Nesse contexto, o mercado deu à administração
Lula 3 um longo voto de confiança. Ele começou quando da aprovação de uma PEC
da Transição expansionista e se manteve após a definição do arcabouço fiscal,
cujo modelo especialistas alertaram desde o início que seria insuficiente para
melhorar a trajetória da dívida pública. Os juros futuros e o câmbio refletiram
esses riscos.
Porém agora, em meio às incertezas provocadas
pelo processo eleitoral nos Estados Unidos, cresceram as preocupações de
interlocutores do governo com os efeitos da alta do dólar na inflação.
Sabe-se que a próxima administração do Banco
Central, com Gabriel Galípolo à frente da instituição a partir de janeiro,
dificilmente dará um cavalo de pau na política monetária. Por outro lado,
também se pode prever que tende a aumentar a pressão para que o BC seja mais
atuante no mercado de câmbio. Isso tem apelo não só dentro do PT, mas também em
partidos de centro que fazem parte da base de sustentação do Executivo no
Congresso e analisam os cenários para 2026.
O crescimento do volume das reservas
internacionais deve intensificar esse clamor no meio político. No entanto, sem
resolver de forma estrutural a questão fiscal, uma eventual mudança na condução
da política cambial por razões eleitorais deve gerar novo motivo de estresse.
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