quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Governo Lula 3 chega à metade sob pressão - Fernando Exman

Valor Econômico

Sem resolver a questão fiscal, eventual mudança na condução da política cambial deve gerar novo motivo de estresse

O governo Lula 3 chega à metade sob pressão, buscando reposicionar-se na política e, também, na economia. Em ambas as frentes a taxa de câmbio está em foco.

Mas, se há ainda muito tempo até a virada de ano, por que se fala no Congresso e no mercado que, na prática, o governo já chegou à metade?

São dois os motivos. O primeiro é o fim do pleito municipal, que fortaleceu o centro e a direita, e está exigindo inflexões do Palácio do Planalto desde já.

Líderes petistas começam a reconhecer que o resultado das eleições evidencia a dificuldade do partido em manter por perto a classe média que votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Esse é um obstáculo que a sigla necessita transpor até 2026, tendo em vista a campanha à reeleição, e para tanto precisará apresentar novas ideias programáticas que atendam a essa parcela da população.

Em poucos dias, alguns gestos. O governo deu um importante passo para avocar responsabilidades na área da segurança pública, preocupação recorrente entre os eleitores, ao anunciar na semana passada que finalmente enviará ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) sobre o tema.

Mudando o tom na política externa, o Executivo se afastou da ditadura do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. A complacência anterior vinha dando combustível aos radicais durante o debate eleitoral.

Na sequência, liberou o PT a apoiar mais rapidamente os candidatos do Centrão para a presidência da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e para o comando do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Além disso, busca acelerar uma solução para o litígio envolvendo as emendas parlamentares ao Orçamento.

O segundo marco é a decisão do Palácio do Planalto de destravar as discussões sobre a reestruturação das despesas orçamentárias. Isso ocorre praticamente dois anos depois da promulgação da PEC da Transição, quando, na visão de autoridades dos três Poderes, o terceiro mandato do presidente Lula teve início “de facto”. Ou seja, antes da posse realizada no dia 1º de janeiro de 2023.

Foi a PEC da Transição que permitiu ao novo mandatário aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no Orçamento de 2023 para bancar despesas como o Bolsa Família e o Auxílio Gás, entre outras políticas públicas. Ela também acomodou a tentativa de acordo em relação às emendas de relator, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o chamado orçamento secreto inconstitucional, rateando bilhões entre as emendas individuais e programações de execução discricionária do Executivo.

A PEC também prorrogou até o dia 31 de dezembro de 2024 a Desvinculação de Receitas da União (DRU), dispositivo por meio do qual o Executivo vem conseguindo ano após ano mais flexibilidade para utilizar determinados recursos do Orçamento. E entre outros artigos, ela ainda determinou que o governo enviasse ao Legislativo um projeto de novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos.

O roteiro foi seguido. Contudo, ficou claro ao longo do tempo que o governo precisa adotar medidas adicionais para assegurar a sustentabilidade do novo arcabouço. Isso porque algumas das mesmas preocupações observadas durante as negociações da PEC da Transição perduram até hoje, dois anos depois.

O Bolsa Família precisou passar por um pente fino, assim como outros benefícios sociais. Discute-se, por exemplo, como viabilizar a ampliação do Auxílio Gás dentro das regras fiscais. O governo procura espaço no Orçamento para manter os investimentos públicos em aceleração, diante de despesas obrigatórias que não param de crescer nas áreas de educação, saúde e benefícios sociais.

Uma nova prorrogação da DRU está sobre a mesa e, em outra frente, permanece o litígio a respeito das emendas parlamentares e a intenção do governo de mantê-las sob as regras do arcabouço. A melhor alocação desses recursos poderia ser usada no cômputo dos mínimos constitucionais exigidos nas áreas da saúde e educação, ampliando a margem no Orçamento para gastos e investimentos em outros setores.

Nesse contexto, o mercado deu à administração Lula 3 um longo voto de confiança. Ele começou quando da aprovação de uma PEC da Transição expansionista e se manteve após a definição do arcabouço fiscal, cujo modelo especialistas alertaram desde o início que seria insuficiente para melhorar a trajetória da dívida pública. Os juros futuros e o câmbio refletiram esses riscos.

Porém agora, em meio às incertezas provocadas pelo processo eleitoral nos Estados Unidos, cresceram as preocupações de interlocutores do governo com os efeitos da alta do dólar na inflação.

Sabe-se que a próxima administração do Banco Central, com Gabriel Galípolo à frente da instituição a partir de janeiro, dificilmente dará um cavalo de pau na política monetária. Por outro lado, também se pode prever que tende a aumentar a pressão para que o BC seja mais atuante no mercado de câmbio. Isso tem apelo não só dentro do PT, mas também em partidos de centro que fazem parte da base de sustentação do Executivo no Congresso e analisam os cenários para 2026.

O crescimento do volume das reservas internacionais deve intensificar esse clamor no meio político. No entanto, sem resolver de forma estrutural a questão fiscal, uma eventual mudança na condução da política cambial por razões eleitorais deve gerar novo motivo de estresse.

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