quarta-feira, 6 de novembro de 2024

O plano de Haddad e Tebet - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ajuste 'estrutural' fica para um dia, contas ainda estarão doentes, mas dá para conter crise

Fazenda e Planejamento terão de fazer mágicas e milagres a fim de apresentar um plano de redução do ritmo de aumento de gastos que não seja sabotado por governo e PT, que seja aprovado por Lula da Silva, que não seja avacalhado no Congresso e que convença os credores da dívida pública.

É difícil, mas Fernando Haddad e Simone Tebet podem até conseguir aprovar medidas que, como dizem os médicos, coloquem o paciente em situação "estável" (pode estar ruim, mas parou de piorar, com sinais vitais em níveis aceitáveis).

Nos últimos 12 meses, a despesa do governo federal, em termos reais (descontada a inflação), somou R$ 2,32 trilhões. Sem precatórios de pessoal, custeio e capital, foi de R$ 2,22 trilhões. Vamos considerar aqui a despesa sem precatórios. É apenas um exercício para facilitar a discussão (precatório é outro rolo grande). Não há juros nessa conta (que são "pagos" com mais dívida). A receita foi de R$ 2,1 trilhões.

A despesa aumentou R$ 211 bilhões, mais 10,5% em um ano, um espanto. O aumento do gasto com Previdência (aposentadorias, pensões e auxílios do INSS) equivaleu a 19,2% do total desse aumento. O aumento do gasto com BPC (Benefício de Prestação Continuada) foi equivalente a 6,3% do aumento total (são benefícios para idosos e deficientes pobres).

É impossível conter esses gastos, de imediato, a não ser reduzindo o reajuste do piso do INSS (um salário mínimo) ou apertando a concessão (evitando fraudes, por exemplo). Difícil sair grande coisa por aqui além de um limite para o BPC.

Despesas com saúde e educação (obrigatórias e discricionárias) aumentaram R$ 69,6 bilhões, alta de 37,6% em um ano, equivalente a 33% do aumento da despesa total. Parte do aumento do gasto com saúde e educação voltou a ser vinculada, com Lula 3: a receita sobe, despesas vão no mesmo ritmo, facilmente ultrapassando o limite imposto do arcabouço fiscal (70% do ritmo do aumento da receita total, limitado a 2,5% real).

Aqui, o aumento maior e enorme já foi (esperamos ver logo o resultado dessa magnífica despesa extra). Mas, como as contas do governo estão no bico do corvo, será preciso limitar o crescimento dessas despesas ao fixado pelo arcabouço e passar a contar o Fundeb nesse pacote.

despesa com Bolsa Família cresceu 16%, 11,3% do aumento total, mas se estabilizou (até caiu um tico). O gasto com seguro-desemprego foi 2,3% do aumento total de despesa, mas cresceu 10%, em tempo de emprego recorde. Não faz sentido. A alta da despesa com pessoal foi de 4% do total, mas, por ora, está em nível historicamente baixo.

E daí? Haddad e Tebet terão de comer pelas beiradas. O dito "ajuste estrutural" ou estruturalzinho ficará para outro governo.

Supondo que o plano sobreviva à maratona política, ainda restará o problema de que as despesas aumentaram para níveis altos e, em geral, permanentes, em termos legais ou políticos, embora várias tenham se estabilizado desde junho.

Isto é, a fim de que se atinjam as metas fiscais, ainda será preciso aumentar receita (mais imposto, menos isenção de imposto ou mais receita advinda de crescimento maior). Dá para conter a bola de neve crescente, mas a bola é grande.

Em suma, um grande remendo é possível. A situação continuará periclitante, e as taxas de juros não baixarão muito, tudo mais constante. Mas é possível estabilizar o paciente.

 

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