Correio Braziliense
Os eleitores não escolhem o melhor presidente
para fazer um mundo melhor no futuro, apenas o que melhora o seu ao redor
nacional no imediato. As eleições nos EUA mostram essa visão
Por muitos séculos, as tribos de seres
humanos não percebiam que o mundo existia; cada grupo étnico se sentia único.
Aos poucos, o mundo foi se transformando na soma-de-países diferentes que
conviviam ou disputavam em guerras entre eles. O mundo passou a ser percebido
maior do que cada país, mas suas populações não eram integradas.
Nas últimas décadas, o mundo ficou integrado econômica e culturalmente, diversas entidades foram sendo criadas para promover a cooperação entre países em fóruns internacionais. É muito recente a atual realidade em que cada país é um pedaço-do-mundo. A foto desde o espaço trouxe a percepção de que a Terra é um território unificado e com recursos limitados. O planeta deixou de ser apenas um conceito de astronomia e se transformou na casa de todos os humanos. As mudanças climáticas passaram a ser vividas em qualquer parte do globo, mostrando que a humanidade não é mais apenas um conceito filosófico. Pela primeira vez, os seres humanos perceberam que têm um destino comum que não respeita fronteiras nacionais. As migrações em massa mostram que a busca por sobrevivência não respeita as distâncias nem as fronteiras.
A Terra passou a ser uma casa e a humanidade,
uma família, mas cada indivíduo se mantém ligado e fiel ao seu país. A política
segue baseada nos interesses dos indivíduos organizados nos espaços nacionais e
até regionais. Para o eleitor, o que interessa é qual será o melhor presidente
para atender aos interesses de seu país nos próximos anos. No caso dos Estados
Unidos, país decisivo no futuro do planeta e da humanidade, a eleição pode ser
decidida pelos interesses dos eleitores do bairro de uma cidade, sem qualquer
compromisso com o longo prazo do mundo.
O mundo ficou interligado, mas a democracia
escolhe os dirigentes locais conforme as promessas dos candidatos para atender
aos interesses da maioria dos indivíduos local e imediatamente. A democracia é,
na verdade, uma eleitorcracia movendo os eleitores sem sentimento com a
humanidade, sem compromisso com o resto do mundo, nem mesmo com povos que vivem
em países vizinhos. Tampouco com os interesses da própria nação no longo prazo.
Cada país é um pedaço-do-mundo, nenhum povo aceita decidir seu futuro com base
em ser parte da humanidade, nem os de outro país, nem aqueles que ainda não
nasceram no próprio país. Isso fica visível na aversão dos eleitores de cada
país aos imigrantes, tanto os estrangeiros vindos de outros países quanto as
gerações que ainda não nasceram. Sobretudo no momento em que a era da
abundância deu lugar a uma era da escassez.
As eleições recentes nos Estados Unidos e na
Europa mostram a visão míope da eleitorcracia. A fala e as atitudes dos
candidatos, uns mais outros menos, têm de estar sintonizadas com os interesses
dos eleitores para o presente em suas comunidades. O sonho nacional não foi
substituído por um sonho humanista. A política segue vinculada ao tempo do
mundo soma-de-países, e os candidatos são obrigados a fazer promessas colocando
os desejos dos eleitores em primeiro lugar, sem considerar o suicídio implícito
no longo prazo. Nos anos 1960, a corrida armamentista levou eleitores e eleitos
dos Estados Unidos e da União Soviética a defenderem cada um deles, sabendo-se
que, no longo prazo, se marchava para um suicídio da civilização. A catástrofe
não ocorreu porque os governos tinham possibilidade de controlar o uso das
bombas, mas nenhum presidente controla a ânsia de consumo e de ganância de cada
cidadão, e o espírito tribal de proteger os privilégios que já dispõe contra os
estrangeiros.
Diferentemente da bomba atômica, a bomba
consumista é detonada por cada ser humano, controlando aos governantes pelo
poder soberano do eleitor na eleitorcracia.
Os eleitores não escolhem o melhor presidente
para fazer um mundo melhor no futuro, apenas o que melhora o seu ao redor
nacional no imediato. A maioria dos eleitores não busca o melhor nem mesmo para
o seu país como pedaço do mundo no longo prazo. A democracia não reflete o
interesse do povo no futuro, apenas da maioria dos eleitores para hoje. Por
isso, deveria ser chamada eleitorcracia.
Dificilmente a eleitorcracia vai definir
regras nacionais para proteger o meio ambiente planetário no longo prazo. O
emprego no presente pesa mais na decisão do eleitor do que o risco das
catástrofes mundiais devido às mudanças climáticas. Por isso, os candidatos se
aproximam na hora das propostas sobre imigrantes e meio ambiente. A
eleitorcracia tem horror ao planeta, ao humanismo, ao futuro, aos estrangeiros,
defende com lucidez os interesses imediatos e nacionais dos eleitores
contra o resto mundo.
* Professor emérito da Universidade de
Brasília (UnB)
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