O Globo
Momento é difícil, mas não apocalíptico. O
déficit primário, por exemplo, será metade do projetado pelo mercado
O Banco Central não
apenas deu um choque de juros ao subir a Selic em 1 ponto percentual, como
trouxe de volta o forward guidance, ou seja, o aviso do que fará nas próximas
reuniões. E serão outras duas altas de 1 ponto percentual a cada reunião. Isso
significa que, em 19 de março, os juros brasileiros irão para 14,25%. O fim do
mundo está próximo? Não. Olhando com objetividade, os dados da economia e da
política, o Brasil tem sim problemas —e já volto a eles—, mas este ano está
sendo bom também nos indicadores fiscais.
Para se ter uma ideia, o país no ano passado terminou com 2,4% do PIB de déficit primário, em parte pela herança do governo anterior. Para este ano, o mercado previa um déficit de R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões, e o país deve terminar o ano com um déficit de R$ 48 bilhões de reais, 0,4% do PIB. Um número muito melhor do que o esperado. A receita está crescendo 10% real no acumulado até novembro.
A inflação está
acima do teto da meta este ano, em 4,8%, e as projeções do mercado financeiro
são de 4,6% no ano que vem. O mandato do Banco Central é para que ele faça a
inflação convergir para a meta. Uma das razões da alta da inflação neste fim de
ano é a subida do dólar. Ontem, o dólar caiu na expectativa da decisão mais
dura do Banco Central. E, depois da reunião do Copom, o BC avisou que voltará a
fazer leilão de dólar, o que deve reduzir mais o câmbio.
O que houve de errado no ano não é o que o
governo fez, mas como fez. Houve muita sinalização errada. Em março, iriam
distribuir os dividendos da Petrobras, depois avisaram que não iriam distribuir
para, no fim, distribuir. Só que a deterioração das expectativas já estava no
preço. No final de agosto, eles deram outro tiro no pé. Enviaram o orçamento
criando um programa do auxílio gás fora do orçamento. Surpresa geral. O governo
estava desenvolvendo um programa de subsídio que, em 2026, vai chegar a R$ 15 bilhões,
e fora do orçamento? Piorou de novo a confiança.
No fim, o governo disse que só haverá o
programa se couber dentro do orçamento. Mas o estrago estava feito. Agora,
errou de novo ao embalar o pacote fiscal com a isenção fiscal até R$ 5 mil.
Aumentar o imposto dos ricos está correto. No Brasil, a alíquota efetiva de
quem ganha mais, dependendo da forma de recebimento, é sim muito baixa. Mas a
maneira como o pacote foi apresentado deu a impressão de que o governo só
estava pensando em 2026. Tudo isso fez subir a curva de juros e o dólar.
Nos últimos dias, o ambiente ficou bem mais
incerto. O afastamento do presidente Lula para
a cirurgia e, agora, o novo procedimento tira a principal arma da equipe
econômica para enfrentar a reação negativa do Congresso ao pacote fiscal. A
falta de Lula na articulação fez o presidente da Câmara, Arthur Lira, dar sinal
de que poderia até fazer oposição ao pacote. Mas, ontem no fim do dia, em meio
à votação da Reforma Tributária na CCJ do Senado, os líderes do governo estavam
mais otimistas. Segundo um deles, a entrada do presidente Lula na negociação na
segunda-feira — reunião que ele fez no sacrifício como se soube depois — acabou
abrindo o caminho para a solução do novelo que foi a portaria de liberação das
emendas de 2024. Até porque depois do encontro, houve um jantar entre os
presidentes das duas casas com o ministro Fernando
Haddad.
Os líderes do governo estão articulando
começar a votar o pacote fiscal na semana que vem. E se não der para terminar
tudo, fazer um esforço concentrado entre Natal e Ano Novo. A explicação é que
não dá para aprovar a lei orçamentária sem votar as medidas fiscais, uma coisa
está ligada à outra.
O Banco Central disse que a “percepção dos
agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou de forma relevante os
preços dos ativos e as expectativas dos agentes”. E isso se refletiu nas
projeções de inflação, no prêmio de risco e na taxa de câmbio. “Avaliou-se que
tais impactos contribuem para a dinâmica inflacionária mais adversa.”
O diagnóstico está correto, mas a dose do
remédio é muito acima do esperado. Pior do que subir 1 ponto percentual é
avisar que pode subir mais dois até o fim de março. Esse choque de juros, mais
o anúncio de leilão de dólar e a possibilidade de aprovação das medidas fiscais
devem desanuviar o clima apocalíptico que tem dominado o mercado financeiro do
Brasil.
2 comentários:
É a mão ''invisível'' do mercado.
Sim, Ademar, sempre bolinando os pobres e assalariados!
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