Valor Econômico
Há uma forte correlação entre a renda gerada
pelos setores de commodities e as oscilações do PIB
O crescimento da economia brasileira em 2023, de 2,9%, refletiu especialmente a força dos setores de commodities pelo lado da oferta. A agropecuária avançou 15,1%, alta concentrada no primeiro trimestre, enquanto a indústria extrativa, em que se destacam petróleo, gás e minério de ferro, aumentou 8,7%. Nas contas dos economistas Bráulio Borges e Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, os dois segmentos responderam diretamente por 1,3 ponto percentual da expansão do PIB de 2,9%, o equivalente a quase 45%. Neste ano, o desempenho desses setores deverá ser mais fraco. Com isso, o impulso ao crescimento terá de vir de outras áreas da economia.
Ao comentar os números do PIB de 2023, Borges
e Nishida destacam também o impacto indireto do resultado expressivo desses
dois segmentos, que beneficiam setores como a agroindústria e os transportes. O
agronegócio, por exemplo, tem peso de quase 25% no PIB, considerando a
agropecuária, o setor de insumos, a agroindústria e os agrosserviços, numa
estimativa para 2022 feita pelo Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA). Os economistas da LCA dizem que há uma forte
correlação entre a renda real (descontada a inflação) gerada pelos setores de
commodities e as oscilações do PIB. Eles calculam a renda da agropecuária e da
indústria extrativa com base no valor adicionado (uma variável próxima do PIB,
que exclui impostos e subsídios), em valores atualizados até o quarto trimestre
de 2023. No ano passado, ela ficou em R$ 1,13 trilhão, e vem oscilando acima de
R$ 1 trilhão desde o primeiro trimestre de 2021 no acumulado em quatro
trimestres.
O salto da agropecuária no ano passado foi o
maior da série histórica das contas nacionais do IBGE iniciada em 1995,
impulsionado principalmente pelas “altas excepcionais” da safra de soja, com
expansão de 27,1%, e do milho, com aumento de 19%, escrevem os economistas da
LCA. Já a indústria extrativa “contou com o crescimento da extração de petróleo
e gás natural, que atingiu novo recorde em 2023, e da extração e pelotização de
minério de ferro”, afirmam eles.
Pelo lado da demanda, o bom desempenho dos
setores de commodities aparece especialmente nas exportações, que cresceram
9,1% em 2023, enquanto as importações recuaram 1,2%. As vendas ao exterior de
produtos como soja, petróleo e minério de ferro garantiram um saldo comercial
de US$ 98,8 bilhões no ano passado, segundo a Secretaria de Comércio Exterior
(Secex).
Borges e Nishida calculam o saldo comercial
como proporção do PIB com base nos números das contas nacionais, considerando
exportações e importações de bens e também de serviços. Em 2023, o número foi
equivalente a 2,37% do PIB, o maior no acumulado em quatro trimestres desde os
2,45% do PIB do primeiro trimestre de 2007.
Em 2024, porém, os segmentos de commodities
não devem repetir o desempenho de 2023. “O impacto desses dois setores deve ser
da ordem de 10% do crescimento esperado de 2%”, avalia o economista-chefe da MB
Associados, Sergio Vale.
“Ou seja, as commodities saem de cena em impacto na economia este ano e, por
isso, será difícil repetir os quase 3% do ano passado”, escreve ele, que
projeta para 2024 recuo de 0,8% da agropecuária e avanço de 7,8% para a
indústria extrativa. Em 2023, o primeiro setor teve uma participação direta
7,1% na economia, enquanto o segmento extrativo ficou com uma fatia de 4,2%,
com base no valor adicionado.
Borges e Nishida enfatizam que a
agropecuária, “grande destaque de 2023, deve ter um ano bem menos brilhante”,
vendo um cenário mais positivo para a indústria extrativa, “diante da
continuidade do crescimento da extração de petróleo e gás natural, mesmo que a
uma taxa menor”.
Um maior dinamismo da economia neste ano
poderá vir dos estímulos da Selic mais baixa. Com juros menores, as empresas
tendem a investir mais, embora a expectativa dos analistas seja de um
desempenho ainda fraco da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que
se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). Deverá ser
melhor que o de 2023, quando recuou 3%, mas próximo à estabilidade. Os juros
menores vão baratear o crédito, dando algum impulso ao consumo das famílias,
que ainda vai contar com o mercado de trabalho forte e as transferências de
renda via Bolsa Família. O setor externo, por sua vez, deverá dar nova
contribuição positiva para o PIB, com as exportações crescendo acima das
importações. Do lado da oferta, os serviços tendem a liderar o PIB, crescendo
2,4% nas previsões de Vale,
mais que a alta de 2% da indústria geral e a queda de 0,8% da agropecuária.
Em 2024, um crescimento de 2% ou um pouco
menos é visto como o mais provável. Os economistas, porém, subestimaram a
expansão do PIB nos últimos três anos, o que sugere cautela quanto às
projeções. Um caminho para um número mais forte seria um avanço maior do
investimento, por exemplo. É algo importante não apenas para 2024, mas para
assegurar que o Brasil consiga crescer a taxas mais elevadas de modo
sustentado.
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Affonso Celso Pastore estaria sem dúvida discutindo animadamente o resultado do PIB. O ex-presidente do Banco Central (BC), que morreu em 21 de fevereiro, já faz uma falta enorme. Além do rigor em seus estudos e análises, Pastore tinha como uma de suas marcas a paixão ao discutir não apenas a economia brasileira, mas assuntos como política, economia internacional e o São Paulo, o seu time do coração. Em entrevistas, almoços, eventos no Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) ou conversas por e-mail, Pastore sempre debatia com entusiasmo e inteligência. A sua partida é uma imensa perda para o país.
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