Folha de S. Paulo
Meio ambiente e economia não são como água e
óleo
Nos últimos anos, muitas pesquisas procuraram
explorar os fatores que condicionam a divisão política no país. Passou a ser
algo corriqueiro compreender tal divisão como uma síntese da opinião pública.
Brasileiros seriam como água e óleo a depender de suas escolhas eleitorais.
No entanto, existem valores profundos que nos unem, a despeito de nossas diferenças. A maioria das pessoas se guia por crenças mais estáveis do que opiniões expressas nas urnas, o que possibilita a criação de canais de diálogo e consensos sobre temas de extrema importância, como o meio ambiente.
Para compreender em maior profundidade tais
valores, a organização Morada Comum, em parceria com a Quaest, realizou no ano
passado mais de 4.000 entrevistas domiciliares. A partir de uma metodologia que
procurou ir além de divergências político-partidárias e recortes demográficos
padronizados, a pesquisa resultante, chamada Na Raiz do Brasil, organizou a
população brasileira em sete grupos.
Apenas dois grupos, "engajados
progressistas", 8% dos entrevistados, e "defensores da pátria e da
família", 10% dos entrevistados, têm posicionamentos consistentemente
opostos. Os demais grupos se distanciam de polarizações.
Para a maioria, os fatores que mais influenciam seu comportamento e forma de
pensar são a religião (23%), o trabalho (18%) e o local de origem (18%). As
pessoas que citam o posicionamento político como fator determinante são somente
7%, e mais da metade dos entrevistados (54%) é pouco ou nada interessada por
política.
A pesquisa aponta ainda que a maioria sente
que os valores da sociedade vêm passando por transformações aceleradas e está
pessimista em relação ao futuro. Para 78% dos entrevistados, os valores da
sociedade estão mudando muito rápido, e mais de 90% acreditam que o Brasil e o
mundo estão cada vez mais perigosos. O futuro das novas gerações também é
motivo de preocupação: 62% não acreditam que nossos filhos irão viver melhor do
que hoje.
Ao mesmo tempo, 79% dizem ter orgulho de
serem brasileiros, e o que mais inspira esse orgulho é a natureza (45%). A
ideia de que é preciso proteger a natureza é uma norma social no Brasil. Quase
a totalidade dos entrevistados (98%) concorda que é seu dever proteger a
natureza para as futuras gerações. Além disso, 79% se dizem muito preocupados
com as mudanças climáticas, e 76% apontam que tais mudanças são fruto da ação
humana, o que distancia a maioria dos brasileiros do negacionismo climático.
Há, ainda, um consenso a respeito da soberania nacional. Para 80% dos
entrevistados, o Brasil deve ter poder de decisão sobre a Amazônia sem
intervenção externa.
Porém, existem divisões importantes no que
diz respeito à relação entre economia e meio ambiente. Ao mesmo tempo que 79%
discordam da ideia de que é preciso crescer e reduzir a pobreza mesmo que seja
preciso desmatar para isso, 37% dos entrevistados entende que a preocupação com
o meio ambiente impede o desenvolvimento econômico, e 36% acreditam que
defender interesses humanos é mais importante do que cuidar da natureza. Assim,
ainda é preciso demonstrar, na prática, que meio ambiente
e economia não são como água e óleo.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
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